Christopher Graves é um palestrante brilhante e um orador carismático. No SXSW, para uma plateia de mais de mil pessoas, o publicitário, escritor, pesquisador e encantador de audiências desconstruiu os princípios do storytelling e fez todos perceberem que a comunicação produzida atualmente, em sua maioria, é um grande vazio.
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Campanhas publicitárias premiadas, histórias e reportagens que consomem horas de pesquisa e não repercutem. Histórias verídicas, cruéis ou cheias de dados passam em branco. De repente, uma noticia falsa, com um número qualquer evidenciado viraliza e atrai milhões de pessoas. Há quem chame isso de triunfo da pós-verdade. O autor chama de novo paradigma da inteligência humana.
Não! Chris Graves não definiu a sedução da estupidez como “paradigma da inteligência”. Apenas usei essa abstração como forma de atrair atenção a esse texto. Essa é a tese de Graves, fruto de suas pesquisas e estudos sobre os mecanismos que tornam uma história eficaz.
O publicitário e provocador fez uma palestra conectando neurociência, ciência comportamental e teoria da narrativa como fundamentos para a produção de storytelling cativante. De publicitário premiado, com mais de 20 anos participando ativamente de grandes campanhas, Chris Graves é hoje um dos maiores inovadores em narrativas persuasivas e criou metodologias disruptivas baseadas em descobertas científicas.
Seu painel “Cérebro, Comportamento, Histórias: Narrativas que Mudam Mentes” foi um dos mais marcantes do SXSW. Com notável empatia, Graves conquistou a plateia em apenas um minuto.
A história de 60″
Chris Graves contou que sempre foi obcecado por compreender o que faz uma história funcionar ou não. Então ele dedicou-se à ciência para entender de que forma é possível criar histórias persuasivas. Como jornalista, publicitário, Graves é incrivelmente carismático. Fez diversas dinâmicas com a plateia, entre elas, pediu que os participassem, em pares, contassem um para o outro histórias de 60″. A partir daí, começou a discorrer sobre “três acidentes” que influenciam a maneira pela qual reagimos a uma história.
1- A emoção na razão. O cérebro evolui ao longo da vida. Conforme amadurecemos, parece que aprendemos a tomar decisões. Não por acaso, é durante a adolescência que corremos mais riscos, pois não estamos devidamente amadurecidos e tomamos mais decisões no impulso. Mas sem emoções não estaríamos preparados para tomarmos decisões e para sermos racionais. A emoção, para o bem ou para o mal, é uma âncora para a tomada de decisões. Este “acidente” cognitivo mostra a incrível capacidade que temos de tomar decisões erradas. Chris comenta: “Perguntar às pessoas por que elas escolhem algo é inútil na medida em que elas normalmente não compreendem exatamente por que escolhem”. Ou seja, nunca há um argumento racional que embase uma escolha.
O poder do viés
2- O que pode mudar uma decisão? O que pode influenciar a sua mente? Nosso raciocínio está sempre enviesado. “Somos impermeáveis à evidência. Acreditamos naquilo que nos emociona, que satisfaz nosso viés, nossa bolha cognitiva”, diz Chris. O publicitário mostrou dados e muitos exemplos para mostrar que nossos vieses são poderosos a ponto de ultrapassar nossos sistema de crenças e se “colarem” ao cérebro como verdade indiscutível. O fato que nos emociona, a versão que nos seduz é aquela que faz sentido num nível mais profundo que nossas crenças. É puramente cognitivo.
Por isso, apelar aos fatos diante de uma história ou de uma versão mais atrapalha do que ajuda. Por outro lado, repetir o mito continuamente o populariza. Uma afirmação pessoal sobre um fato, que não seja a reprodução do fato funciona melhor, mas nós usamos muito pouco esse recurso. Queremos que o fato fale por si. Mas somos surdos a ele.
Logo, devemos sim, esquecer os fatos e afirmar a verdade como mito e não como verdade. Sim, uma versão qualquer que pareça verdade parece tornar a versão real, o que sanciona a expectativa, a crença, a falsidade. Nas palavras de Graves: “nós sempre subestimamos o poder da narrativa. Se você quer que as pessoas acreditem em qualquer idiotice, coloque um número nela”, exclama o publicitário, citando a afirmação de Charles Selfie que retrata o poder do viés.
O transporte da narrativa
3- Tanto faz que uma história seja real ou ficção. Um vídeo de Raymond Mar, da Universidade de York, mostra que não há diferença de valor entre o fato da história ser ou não ficção. A verdade importa pouco ou nada para impressionar ou persuadir as pessoas. “Sim, ler um livro estúpido pode fazer de você um estúpido”, afirma Chris Graves. Ele sugere então que a melhor técnica é transportar a narrativa para outro contexto de tal forma que o lado pessoal e a sua perspectiva não acionem o viés da audiência. Referir-se à verdade como algo que parte do senso comum é melhor do que falar dela como um fato consumado.
Concreto ou abstrato?
“Nesse ponto do texto, podemos dizer que o valor agregado aumentou exponencialmente e criou sinergias importantes com o seu conhecimento e talento, certo?”.
Quando se escreve de modo detalhado, parece não haver efeito na mente. Basta usar palavras abstratas e clichês como “sinergia”, “valor agregado”, “paradigma”, “fora da caixa” para que o cérebro se ative e veja o texto como importante. Quanto mais abstratos formos, menos concretos seremos. A credibilidade está associada à mais pura “imaginabilidade”.
Finalmente, para persuadir e mudar mentes é necessário considerar a força das normas sociais. Graves mostrou o experimento Asch, no qual pessoas são levadas a contrariar o que veem e sua própria opinião para se alinharem com um grupo. Isso explica porque, por exemplo, um Youtuber faz sucesso, na medida em que, se um grupo acredita que esse personagem seja legal, você pode acreditar nisso mesmo que o ache uma chatice sem tamanho. Estar “fora de um grupo” pode causar dor física em casos extremos. Ou seja, a norma social é tão poderosa que estar excluído dela pode criar uma negatividade tão intensa que as pessoas contrariam seus princípios.
Trump? Sim Trump
A eleição de Donald Trump como presidente dos EUA foi um caso clássico de ignorância do poder da norma social por parte dos institutos de pesquisa. As sondagens refletiram o poder da norma social – ninguém poderia assumir que tinha simpatia por Trump, para evitar a influência negativa da norma social. Mas na urna, solitário, o eleitor pôde tomar a decisão que achava mais adequada.
E, vejam bem, Trump também utiliza outro poderoso elemento da narrativa: o de vítima. Identifique-se como a vítima e perceba como será mais bem compreendido, mesmo diante dos fatos que dizem o contrário. O efeito vítima é poderoso na narrativa.
Em resumo: a narrativa persuasiva depende de elementos que em tese parecem maquiavélicos ou moralmente questionáveis. Mas não: uma boa narrativa precisa fazer sentido para ser assimilada em nível cerebral, precisa estar alinhada ao nosso sistema de crenças. Mesmo situações potencialmente contraditórias como o casamento gay podem ser mais bem assimiladas ou integralmente aceitas quando deixam de se basear em uma imposição e tornam-se um fato prosaico, comum, uma verdade contada de outro modo.
Em tempos de pós-verdade, você não muda a cabeça das pessoas por meio de fatos. Mas sim por meio de histórias que pareçam trazer a verdade dos fatos.
*Jacques Meir é Diretor Executivo de Conhecimento, Conteúdo e Comunicação do Grupo Padrão.
A verdade, somente a nova verdade, nada mais do que uma outra verdade
Está difícil acreditar na verdade. Por isso, é melhor mostrar a verdade como ficção, afirma especialista durante o SXSW. Veja análise
- Jacques Meir
- 7 min leitura
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