Um dos casos mais midiáticos que envolveram acusações de venda casada no Brasil envolve Apple e Samsung. As duas gigantes da tecnologia resolveram parar de vender smartphones com carregadores em 2020, o que gerou ações de órgãos como Procons e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
A justiça brasileira também recebeu reclamações de consumidores, mas o tema ainda não foi pacificado nas cortes. Vitor Morais, professor de direito consumidor da PUC-SP, explica quais os limites de interpretação de venda casada. Veja a seguir:
O que é venda casada?
O termo se refere à ação de condicionar o fornecimento de um produto ou serviço a outro que é vendido de forma separada e obrigatória. No Código de Defesa do Consumidor, a infração está dentro das práticas abusivas descritas no artigo 39, inciso I.
Exemplos comuns da infração incluem a comercialização de pacotes de TV com a obrigatoriedade de comprar serviços telefônicos ou a exigência de consumo mínimo em bares e restaurantes.
Para a Senacon, a venda de celulares sem carregadores entra nessa definição. A secretaria argumenta que os dispositivos são imprescindíveis para o funcionamento normal do telefone, por isso as empresas estariam praticando, de forma indireta, venda casada.
Apple e Samsung obrigam o consumidor a adquirir um segundo produto, na avaliação do órgão. “Trata-se de venda de produto incompleto ou despido de funcionalidade essencial”, argumentou a secretaria em nota publicada em 2022.
Com base nessa interpretação, a Senacon determinou uma pausa da venda de iPhones no Brasil, o que não aconteceu. A Apple desafia a competência da Senacon em proibir as vendas do produto.
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Argumento é frágil, avalia advogado
Na avaliação de Vitor Morais, especialista em direito do consumidor, tese de venda casada, no caso da Apple ou outras empresas com a mesma prática, é frágil.
“A comercialização do iPhone sem o carregador se restringe a uma questão de informação sobre o produto”, disse Morais. Ao dizer de forma explícita que não vai mais oferecer carregadores, a empresa está cumprindo seu papel de fornecer informações claras sobre o que está na caixa do produto.
O consumidor, continua Morais, não pode ter a expectativa de encontrar algo no pacote se a empresa já explicou o que vem e o que não vem. Segundo o professor, a tese de venda casada não se aplica porque o iPhone não depende do carregador da marca, de forma exclusiva, para funcionar.
O especialista afirma que o celular se popularizou tanto que é difícil que quem deseja trocar de aparelho não disponha de um carregador. “Não razoável o consumidor dizer que está sendo obrigado a comprar o carregador da marca se ele provavelmente já tem um outro que funciona”, diz. Por isso, não há como provar que o consumidor está sendo lesado.
“O mesmo acontece quando você compra um controle remoto e precisa de pilhas para fazê-lo funcionar. Se você precisar adquirir a marca exata da empresa para fazer o dispositivo funcionar, aí sim, haveria prática da venda casada”.
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Sobrecarga no judiciário
O caso trouxe muitos litígios ao judiciário brasileiro. Segundo Morais, um fundo de investimento passou a financiar processos de consumidores contra a Apple em troca de parte dos ganhos. “Transformaram o caso em uma fonte de receita”, diz o professor. A situação se enquadra na chamada advocacia predatória, que busca exacerbar os possíveis prejuízos, nesse caso dos consumidores, para obter ganho em cima das empresas – e receber uma comissão por isso.
O cerco à empresa aconteceu também por motivação do governo. A Secretaria Nacional do Consumo (Senacon) lançou na época uma nota técnica pedindo a suspensão da venda de iPhones sem carregador. Mas, segundo Morais, esse tipo de ação administrativa da Senacon tem um caráter mais opinativo e de orientação.
Mesmo com aplicação de multas pela Senacon, só o judiciário poderia proibir as vendas, cenário que o professor considera quase impossível. A grande lição do caso, diz Morais, é que houve uma mudança de comportamento da Apple em relação à diminuição de lixo eletrônico, algo ainda não captado pelos consumidores.
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