A TruckPad teve que convencer o setor logístico, acostumado a velhas práticas, que não é uma transportadora nem uma operadora logística. Carlos Mira, CEO da startup, afirma que a empresa é uma mistura de Mercado Livre e Uber voltado para o transporte de cargas. Por meio de seu aplicativo, a TruckPad conecta caminhoneiros a empresas que procuram serviços de transporte.
“A gente acabou com aquela coisa de o caminhoneiro parar em um posto de gasolina à procura de um post-it de uma empresa que quer despachar mercadoria. Além disso, a gente elimina o chamado broker, que cobra até 30% só para dizer onde a carga está. O caminhoneiro fatura até 50% a mais com isso”, afirma Mira.
O negócio chamou atenção de grandes empresas como a Mercedes Benz, que comprou parte da startup. Antes da empresa alemã entrar no negócio, a TruckPad já havia recebido investimento da Movile, que é dona do iFood, da Maplink e do Apontador, que surgiu como serviço de lista de endereços e telefone e hoje acessa também posições de latitude e longitude de 13 milhões de empresas.
A TruckPad recebeu, durante as visitas técnicas do festival de inovação Whow!, a presença de representantes de montadoras, empresas de tecnologia e de investimentos, interessadas, por motivos diversos, no “marketplace de cargas”, como definiu o CEO da empresa. “Entramos em um setor que é importante para a economia nacional, o que ficou evidente com a greve dos caminhoneiros. Sem eles, a coisa não para de pé”, afirma Mira.
Mira trabalhou 30 anos com transporte de carga, boa parte desse tempo como presidente da transportadora da família. Ele teve que romper a desconfiança de familiares, amigos e colegas de setor sobre sua decisão de largar a empresa para criar um aplicativo para caminhoneiros.
Mira diz que não é um empreendedor da nova escola, dos que ainda durante a faculdade imaginam abrir sua startup. Por outro lado, afirma conhecer profundamente a mecânica do segmento de transporte de cargas, as dores e as expectativas de empresas e motoristas. Ele aponta que, sem a tecnologia, a lógica do transporte de carga envolvia o caminhoneiro autônomo rodar com o veículo vazio centenas de quilômetros para encontrar o que carregar. “Eles perdiam até 15 dias procurando uma carga na maneira tradicional. Agora, não mais. Ele fica parado e não desperdiça energia com nisso”, aponta o criador da startup.
E não é só energia que o caminhoneiro economiza, mas também combustível. Em 2016, a TruckPad recebeu prêmio de sustentabilidade pela quantidade de caminhões vazios que a empresa tirou da estrada, reduzindo gastos com combustível e emissão de CO2.
Segundo dados internos da startup, a frota de caminhões comercias no Brasil chega a 3,5 milhões, número não reconhecido pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Segundo Mira, a contagem da agência exclui boa parte dos veículos rurais, que rodam dentro das propriedades. Entre esses 3,5 milhões, 1 milhão são caminhoneiros autônomos. Hoje, a TruckPad tem 700 mil downloads no Google Play, quase dois terços do total de caminhoneiros autônomos ativos no País.
Além de viabilizar o encontro entre carga e caminhoneiro, o app da startup incentiva a digitalização dos documentos, por meio do seu sistema de scaneamento de notas via celular. A empresa reduz o tempo de emissão de notas em dois dias, assegura Mira. “No ato da entrega, o caminheiro tira a foto da mercadoria, da pessoa que recebeu e autêntica a nota no cartório eletrônico”, detalha.
A ideia da empresa é aprofundar os serviços oferecidos aos motoristas na plataforma, vendendo desde peças e serviços até mesmo veículos novos. Para isso, a empresa tem apostado no seu poder de recolhimento de dados sobre a rotina do trabalhador da estrada. A empresa fechou parceria com a Sascar, empresa do Grupo Michelin. A Sascar usa os dados da TruckPad para verificar o gasto dos pneus dos veículos, um dado fundamental para a Michelin ser assertiva na oferta de produtos ao caminhoneiro.
Desconfianças
Mira afirma que, além da família e dos players do setor, a TruckPad enfrentou uma desconfiança também dos caminhoneiros no início do negócio. Essa muito mais preocupante. Dos primeiros 100 cadastros feitos no aplicativo, apenas um topou ceder o CPF. Essa restrição de informações poderia prejudicar a criação de um banco de dados realmente rico. Mas, logo a resistência caiu. A TruckPad montou um espaço no terminal de cargas em Guarulhos, Grande São Paulo, para receber caminhoneiros. Fez ações de marketing com a musa do segmento, Sula Miranda, e conseguiu aproximar o trabalhador do serviço on-line. “Hoje, ele nos fornece o CPF e outros documentos e a mágica começa a acontecer”, comemora o CEO.
O fechamento do serviço entre empresa e motorista acontece todo pelo aplicativo da TruckPad, com exceção do pagamento, acordado dentro da plataforma, mas realizado fora dela. “A gente não atravessa o meio de pagamento, por isso somos diferentes do Uber, por exemplo. Ainda o dinheiro não passa pela plataforma, mas estamos desenvolvendo uma plataforma pra isso”, afirma.
Mira afirma que o serviço é totalmente gratuito ao motorista e que a startup ganha cobrando das empresas. O executivo afirma que a empresa preferiu fora das regras tradicionais de cobrar nas duas pontas e com essa dinâmica conseguiu ganhar mercado. “As empresas pagam um valor em cima do frete que a gente arruma pra eles. Do caminhoneiro não cobramos nada. Teve um caminhoneiro que veio até aqui e deu um vinho para o nosso colaborador”, conta Mira.
Muito além do frete
Mira afirma que além da inteligência de negócio que a TruckPad estimula no setor logístico, o aplicativo concentra um potencial de negócio enorme para venda de produtos e serviços via smartphone. “O caminhoneiro é o cliente mobile com maior potencial do mundo. Outro dia, um caminhoneiro foi ao terminal e pediu para o motoboy comprar um produto no shopping para ele porque o caminhão não pode rodar por lá. O caminhoneiro vive no mobile”, destaca.
Os dados colhidos e analisados pela TruckPad, segundo Mira, tem um potencial enorme para que o varejo e a indústria ofereça promoções pontuais para os motoristas. “Eu consigo oferecer produtos só quando o caminhoneiro precisar de fato. Eu vou saber, por meio dos meus dados, quando a embreagem dele começar a raspar. Eu sei pela quilometragem do caminhão que ele é um cliente em potencial”, avalia.
A riqueza de dados da startup chamou a atenção da Mercedes Benz, que tem trabalhado para acompanhar a rotina do motorista para qualquer lugar que ele vá. Outras empresas como a Shell e a Sem Parar também manifestaram interesse nessas informações. A Shell conseguiu criar um serviço de programa de fidelidade exclusivo para os caminhoneiros sem a necessidade de verificar dados de compra via fatura do cartão do banco, mas apenas pelo histórico de rodagem do caminhão.
Mira afirma que a TruckPad tem ameaçado alguns mercados tradicionais, como de seguradoras, que possuem dados limitados dos motoristas. Além disso, serviços de free pass nos pedágios também olham com atenção o crescimento da empresa, que consegue saber quais entre os caminhões cadastratos no aplicativo utilizam os serviços de pagamento antecipado e quais ainda não. O executivo da empresa afirma que, conversas com a Sem Parar foram iniciadas sobre serviços de informação, mas interrompidas. “Eles perguntaram se podíamos dar esses dados a eles. Claro que não. Há um business ali e eu posso, eventualmente, tomar o mercado deles”, afirma Mira.
Com a visibilidade que ganhou no Brasil e seu alto número de downloads e usuários ativos, a TruckPad quer romper as barreiras territoriais, a começar por países emergentes. Os próximos mercados devem ser Índia, Turquia e México. “Nesses países, também têm isso de cobrar algo próximo de 30% (no traqueamento da carga). Fizemos um estudo e vamos começar a beliscar esses mercados”, antecipa o CEO.