Os tempos recentes parecem ser meio complicados para o Uber: a briga do CEO Travis Kalanick com um motorista, há poucos dias, foi filmada (e ele teve de se retratar publicamente), assaltos e crimes motivados a partir do aplicativo aconteceram em São Paulo e RJ, e motoristas criaram redes paralelas para faturar mais. Mas antes disso tudo, a cidade de Austin no Texas, que sedia o SXSW, também repeliu o aplicativo. O Uber deixou a cidade em maio de 2016, e talvez tenha sido o início do inferno astral da controversa empresa de transporte compartilhado (ridesharing, como dizem por aqui).
O caso foi o seguinte: o governo da cidade colocou em votação um projeto denominado “Proposição número 1“, que substituiria uma ordenação jurídica antiga, que obrigava os motoristas de empresas de transporte em rede (TNCs) a adotarem sistemas de impressão digital. O Uber e seu concorrente Lyft investiram US$ 8,6 milhões em publicidade para convencer os eleitores da cidade a acatar a Proposição 1, uma vez que, segundo as empresas, seus sistemas dispensariam o uso de impressões digitais para autenticar suas operações e motoristas. O resultado foi tão desconcertante quanto simplório: os eleitores simplesmente não se interessaram por votar nessa questão. E, os que votaram, o fizeram contra a tal Proposição. Vida que segue.
A arrogância corporativa
A impressão que passou, contudo, foi que Uber e Lyft tentaram romper seu caminho na cidade, ignorando as regras já existentes e que não representam grandes transtornos para seus negócios. A campanha de oposição à Proposição 1 consumiu apenas US$ 200 mil e triunfou na manutenção da regra. Como dissemos na nota “O festival que alimenta a mente“, o Texas obedece às suas tradições. Mesmo clientes fiéis do Uber votaram contra a empresa, porque acharam a postura da empresa arrogante, tentando impor o poder corporativo ao dizer que se opor à Proposição 1 seria uma forma de “bullying”.
O que o Uber desconheceu é que o espírito libertário do Texas em geral (“Don’t mess with Texas”, ou “não mexa com o Texas”, diz um ditado local) e de Austin, em particular, é o de desafiar constantemente o poder desmedido das corporações e o status quo. Por incrível que pareça, o Uber desconheceu esse comportamento do consumidor, alinhou-se e portou-se como sendo o mais clássico exemplo do status quo. E perdeu a parada, ao ponto de ter que se retirar da cidade. Uber e Lyft chegaram ao cúmulo de oferecer corridas grátis para que os eleitores fossem votar, num caso clássico de tentativa de compra de votos. Escandaloso.
Retirada amarga
Essa postura arrogante foi derrotada na eleição de 7 de maio passado. Ambas as empresas, Uber e Lyft, deixaram a cidade, talvez provisoriamente. Os motoristas que faziam parte dessas redes foram em parte absorvidos pelo Fasten, que não só obedeceu à norma vigente, como criou um sistema muito em conformidade com a comunidade. O Fasten é um dos meios de transportes sugeridos e indicados pela organização do SXSW. Usamos o Fasten por aqui e gostamos muito: carro elétrico, motorista simpático, rapidez e cortesia a preços muito convenientes.
Somente em Austin uma empresa como o Uber pode ser considerada uma predadora e exemplo de status quo. Toda a aura de inovação e experiência foram esquecidas diante da tentativa de mudar uma tradição que em nada impactava o seu negócio. Por outro lado, o SXSW deu boas-vindas ao Fasten. E fica a lição de uma das tendências que a Trendwatching apontou como as mais emblemáticas de 2017 (e que publicamos na edição de fevereiro da Consumidor Moderno): a importância de respeitar e se inserir na comunidade local é extremamente importante. Em tempos nos quais a globalização passa por uma mudança, o local vira a prioridade. O Uber precisa aprender essa lição. Premissa básica para qualquer empresa: conhecer o que motiva o comportamento do seu consumidor e o que motiva a favor ou contra a sua empresa.
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento, Conteúdo e Comunicação do Grupo Padrão