A assistente virtual avisa que faltam 45 minutos para a reunião com o cliente. Você entra em seu carro autônomo e pergunta em voz alta se o caminho até o escritório está congestionado. Imediatamente, o painel do automóvel acende e se conecta à rede da seguradora, que indica uma rota sem trânsito. O trajeto quase sem risco de colisão aguça a sua vontade de dirigir e ainda oferece um desconto de 4% na mensalidade. Mesmo enferrujado, você assume o volante. Tudo corre bem até chegar ao estacionamento quando acaba esbarrando em uma lixeira. Rapidamente, o carro faz um diagnóstico do estrago e um aplicativo o instrui a tirar fotos do para-choque amassado. Enviadas as imagens à seguradora, aparece um drone para fazer a última inspeção e, finalmente, o sinistro é autorizado. Tudo a tempo do compromisso.
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A história pode até parecer enredo de filme futurista, mas as tecnologias já existem — e, cada vez mais, as seguradoras têm-se transformado em empresas de dados graças à internet das coisas (IoT), ao big data, ao blockchain, à inteligência artificial e a outras ferramentas. É nesse contexto que surgem as insurtechs, abreviação de seguros e tecnologia que denomina as organizações que investem em inovação com foco no desenvolvimento de produtos e experiências ao usuário final. Ainda incipiente no Brasil, esse mercado já está consolidado nos Estados Unidos e em alguns países da Europa e da Ásia, causando um grande alvoroço em um segmento que, até então, oferecia serviços muito parecidos e produtos padronizados.
De acordo com levantamento da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, o Brasil possui 78 insurtechs, um salto considerável em relação às 40 companhias mapeadas na primeira edição realizada em junho de 2017. Desse total, 40% têm foco em produtos, 28%, em data e analytics e 12%, na jornada do usuário. A Superintendência de Seguros Privados (Susep) vê essa movimentação como um passo fundamental para que o seguro amplie sua função de proteção. “Temos buscado assumir uma agenda de protagonismo em relação a esse tema. Por isso, criamos, no ano passado, uma comissão especial permanente dedicada ao tema inovação e insurtechs”, explica Joaquim Mendanha de Ataídes, superintendente da instituição, durante o evento CQCS Insurtech & Inovação.
Esse boom de insurtechs têm impacto, inclusive, nas seguradoras tradicionais. “A sobrevivência dessas companhias passa pela criação de produtos, que atendem às necessidades dos clientes, e pela redução de recursos”, explica Carlos Matta, sócio da PwC Brasil. “O futuro do seguro é digital. Nesse sentido, os dados valem muito dinheiro. Quanto mais dados os clientes proverem para as empresas, mais acessos e descontos serão dados. Por isso, a disrupção é muito grande, e as seguradoras terão que se transformar rapidamente. As que não o fizerem, irão se tornar obsoletas”, afirma.
Para desenvolver projetos inovadores dentro da companhia, a Porto Seguro montou uma aceleradora de startups, a Oxigênio. “Não vemos as insurtechs como uma ameaça e, sim, como uma oportunidade de adaptação de processos. Na Oxigênio, acolhemos projetos não necessariamente voltados para a área de seguros. O grande desafio é deixar a empresa mais leve, pois, no futuro, teremos uma relação quase 100% digital com o cliente”, diz o presidente da Porto Seguro, Roberto Santos.
Oportunidades
Antes de o mercado segurador virar a chave para o digital no Brasil, ainda precisa se desenvolver bastante: para se ter ideia, cerca de 70% da frota brasileira não é segurada. “O fator preço ainda pesa muito no País, mas, graças à tecnologia, as seguradoras poderão oferecer processos mais baratos e produtos mais condizentes com a realidade dos segurados”, complementa Santos.
A opção da Minuto Seguros foi usar inteligência artificial para equalizar preços e cobrir serviços de acordo com o perfil do segurado. “Cerca de 70% das pessoas que nos procuram nunca tiveram seguro. Fazemos a inclusão de parte delas nesse universo”, explica Marcelo Blay, sócio-diretor da Minuto. “Embora o brasileiro só olhe para o seguro de automóveis, temos tentado ampliar a oferta, com proteções para a casa, por exemplo. Apenas um décimo dos brasileiros tem sua residência segurada e, em geral, esses seguros são muito mais baratos. Custam, em média, R$ 400 reais por ano, enquanto o do automóvel sai por R$ 2 mil”, complementa.
Projeções para a próxima década
O estudo “Insurance 2030 – o Impacto da Inteligência Artificial no futuro do seguro”, publicado em abril de 2018 pela McKinsey, apontou quatro macrotendências que devem se consolidar no mercado de seguros nos próximos dez anos. O documento alerta que os executivos de seguros precisarão compreender novos fatores que deverão interferir em processos como sinistros, distribuição, subscrição e preços.
A primeira delas é a explosão de dados e dispositivos conectados. Acessórios que já contam com inteligência artificial, como carros, relógios de monitoramento físico, assistentes domésticos, smartphones e relógios inteligentes deverão se tornar ainda mais velozes. A internet das coisas deve ser o próximo passo nesse sentido. Com isso, a avalanche de dados vai permitir que as operadoras compreendam seus clientes de forma mais ampla, resultando em novas categorias de produtos, preços personalizados e entrega de serviços cada vez mais rápida.
Para tentar acompanhar a velocidade das mudanças, as operadoras tradicionais uniram forças às inovações tecnológicas que dominaram o setor, mas, antes disso, muita reflexão existiu sobre as estruturas de negócio predominantes até o momento. Luiz Fenando Butori, diretor de seguros do Itaú Unibanco, acredita que as grandes seguradoras passaram por dificuldades de adaptação. “Diferentemente das fintechs que começam suas operações com sistemas novos, as seguradoras tradicionais possuem sistemas robustos que precisam ser atualizados para conversar com as novas tecnologias. A flexibilização dos processos de desenvolvimento de novos produtos e pontos de contato com o cliente é essencial para evoluir digitalmente”, explica.
IA e robótica
A segunda macrotendência é a predominância da robótica. As operadoras precisarão avaliar como esse desenvolvimento pode alterar as avaliações de risco. Equipamentos que devem acompanhar essa tendência são drones autônomos programáveis; carros autônomos e máquinas agrícolas autônomas. Para se ter uma ideia, em 2030, a proporção de veículos autônomos nas estradas poderá exceder 25%.
O Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre está alinhado às transformações que o setor projeta. “Queremos mergulhar na transformação digital e colocar a jornada do cliente no ambiente digital. Para isso, iremos atuar com o conceito de inovação aberta e investiremos em startups e modelos de negócios que aprimorem os processos e pontos de relacionamento com o segurado”, explica Fernando Barbosa, presidente nas áreas de Vida, Rural e Habitacional do Grupo Segurador Banco do Brasil e Mapfre.
A riqueza dos dados
Outra tendência no radar é o ecossistema de fonte aberta de dados. À medida que as informações se tornam plurais, os protocolos de código aberto se mostram como alternativa para garantir que os dados possam ser compartilhados e usados ??em todos os setores. Órgãos públicos e privados devem surgir para criar ecossistemas com o objetivo de compartilhar dados para situações diversas sob uma estrutura comum de regulamentação e segurança cibernética.
Nesse sentido, Carlos Matta, sócio da PwC Brasil, acredita que a nova norma IFRS 17 – elaborada para a contabilização de contratos de seguros – também deve provocar mudanças significativas nos próximos três anos. “Algo importante que atinge o mundo todo é a nova forma contábil, com aplicação global e que vai atingir o Brasil em 2021. Será uma forma nova e bastante disruptiva para olhar os resultados, os lucros. O regulador levou 20 anos escrevendo o documento. Isso trará um desafio global para companhias transformarem as seguradoras”, explica.
Com o aumento da comercialização dessas tecnologias, as seguradoras terão acesso a modelos que estão se atualizando em tempo real, aprendendo de acordo com os feedbacks do usuário final. Esse quadro vai permitir novas categorias de produtos e técnicas de engajamento, enquanto respondem a mudanças nos riscos ou comportamentos constantemente.
Seguro na medida certa
Por último, o setor que será completamente reconfigurado é o de distribuição. O processo de adquirir seguro será mais rápido, com envolvimento menos ativo por parte da seguradora e do cliente. Isso porque informações suficientes serão previamente conhecidas sobre o comportamento individual do segurado. Para isso, algoritmos de IA criarão perfis de risco, de modo que os tempos de ciclo para concluir a compra de um seguro de automóvel ou de vida serão reduzidos para minutos ou segundos. À medida que a inteligência artificial vai se sofisticando, as operadoras estarão aptas para identificar os riscos de uma maneira muito mais eficiente, de modo que veremos uma nova tendência de produtos de emissão instantânea no mercado de massa.