A tecnologia tornou as atividades mais ágeis e os profissionais mais produtivos. Mas ao mesmo tempo, em vez de reduzir a carga de trabalho, ela aumentou a pressão por imediatismo. A sensação de estar sempre conectado inclusive afeta a saúde mental e a capacidade de concentração. “Hoje temos uma estrutura de trabalho que impõe metas. E a tecnologia não veio para ajudar. Ela veio para te tornar mais competitivo, ser capaz de fazer mais coisas. Essa pressão não ajuda”, alerta Drauzio Varela.
Segundo o médico mais famoso do país, estar no Whatsapp, no e-mail, conectado às notícias, redes sociais, com a pressão de cumprir metas cada vez melhor e mais rápido é um problema:
“Não estamos preparados biologicamente para enfrentar este tipo de pressão, de estar com a atenção dividida o tempo inteiro. O cérebro não tem capacidade de organizar todos esses pensamentos e todas essas exigências no mesmo pacote”.
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Trabalho tomou conta da vida
Ao traçar uma linha do tempo de como a evolução tecnológica levou o trabalho para dentro de casa, o oncologista lembra quando começou a receber por fax os laudos de seus pacientes, e com isso olhá-los antes de ir para o consultório. O próximo passo, ainda no início da década de 1990, foi o bip, que o tornou acessível ao trabalho mesmo fora do trabalho. Em seguida veio o celular. E a grande barreira foi quebrada com a popularização dos smartphones, que colocaram a vida profissional dentro do bolso – não só do terno, mas do pijama.
Esse grau de atenção constante provoca culpa e exaustão, pela sensação de obrigação de responder tudo o mais breve possível e cansaço. “O que mais tenho visto são jovens com problema de memória, de déficit de atenção pelo excesso de informações. Você pega o Whatsapp e responde dez mensagens. Aí quando você termina, tem mais oito que chegaram. Ninguém consegue dar vazão. E se não consegue, é uma frustração permanente”, alerta Drauzio Varela em entrevista à Consumidor Moderno durante a Convenção da Associação Brasileira de Franchising, realizada em Comandatuba, na Bahia.
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No entanto, é importante deixar claro que a tecnologia não é inimiga, mas a forma como nos relacionamos com ela merece uma reflexão. “A próxima invenção tecnológica virá. E nos fará trabalhar mais, não menos. A competição está cada vez mais feroz e temos condições de trabalho que desfavorecem o contato físico. É hora de pensar como as relações de trabalho vão ser conduzidas para garantir a saúde mental das pessoas”, aponta Drauzio Varela.
“O isolamento, não o físico necessário em razão da pandemia, mas o isolamento social que as relações mediadas pela tecnologia impõem tem um forte impacto psicológico”, avalia o oncologista, que destaca a responsabilidade não só do trabalho, mas das dinâmicas das cidades, que reduzem o convívio com a família e amigos, do trânsito que rouba o tempo do lazer e da contemplação, principalmente nas metrópoles.
“Há uma perda de espontaneidade das relações, aquele amigo para quem você costumava ligar, hoje troca três ou quatro mensagens. Está tudo mais formal e distante”
Atividade física protege saúde mental
Para Drauzio Varela, as pessoas precisam criar mecanismos de defesa da própria saúde e conseguir se desvencilhar da Fomo (fear of missing out – medo de ficar de fora, em inglês), aquela ansiedade de não estar em dia com a angústia que a multitarefa e a conexão permanente impõem, tanto à saúde física quanto mental.
A principal sugestão dele é a atividade física. Corredor desde os 50 anos, Drauzio bateu um recorde agora em outubro, aos 79, ele foi reconhecido com a medalha Seis Estrelas, honraria dada a quem completa as seis maiores e mais renomadas maratonas mundiais. “Qual a saída para viver desse jeito? Aqui eu achei e saí correndo”, brinca.
“O corpo é o bem mais importante que você tem. É preciso separar um tempo para conviver com os amigos, com a família, e para a atividade física. O corpo humano foi feito para o movimento. O exercício libera substâncias químicas que agem no sistema nervoso. Além do prazer, provocam relaxamento, não é só sobre saúde física, mas também mental”, ressalta Drauzio Varela.
“Com atividade física, tudo fica mais fácil. Os problemas continuam os mesmos, mas a forma de lidar com o estresse muda”, assegura Drauzio Varela.
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Empresas precisam levar saúde mental à sério
As empresas podem ter um papel muito relevante nos cuidados com a saúde mental. O primeiro passo é diminuir o tabu em torno do tema. Para Drauzio Varela, que deu uma palestra na convenção da ABF, reunindo mais de 800 empresários do setor de franquias, fornecedores e parceiros, estar em um evento como este já é um sinal de mudança.
“A primeira coisa é acolhimento. Se a pessoa esconder o quanto pode, ela não contar nada, vai perder o emprego. Medo do gestor mandar embora. Mas as pessoas não são descartáveis nesse nível. É preciso criar um esquema que leve a saúde mental em consideração para que a pessoa se sinta acolhida, para que possa procurar ajuda logo que algum problema acontecer”, sugere o oncologista, um dos médicos mais famosos do Brasil.
A Organização Mundial da Saúde, em pesquisa divulgada ainda antes da pandemia, em 2019, previu que a depressão se tornará a principal causa de absenteísmo no mundo, mais do que gripes e resfriados. O que só reforça a necessidade de mudança de mentalidade em relação à abordagem da saúde mental.
“Para começar é preciso conversar sobre esse assunto. Quando há um problema financeiro, todo mundo discute e faz reuniões. Ao abrir esse espaço de discussão, muitas vezes você vê que o problema que está enfrentando é semelhante ao do outro. E o outro que ouviu o seu problema, também não vai se sentir tão estranho. Em segundo lugar, dar acesso a tratamento psicológicos”, recomenda o médico.
“Antes o cara faltava porque estava com dor nas costas, gripado, e não era uma questão. Esses não são mais os principais problemas. Eles ainda existem, mas tem todo o impacto psicológico que deve ser levado em consideração e inserido como parte das responsabilidades da organização. As pessoas estão enfrentando uma tensão pesada, e algumas são mais vulneráveis do que outras. Elas precisam receber atenção”, finaliza Drauzio Varela.
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