Antes mesmo de as mídias sociais que conhecemos hoje – Facebook, Instagram, Twitter – existirem, Michael Heim levantou o alerta de que as qualidades essenciais delas e do espaço virtual teriam a capacidade de alterar a essência do ser humano. No livro “A Metafísica da Realidade Virtual”, publicado em 1993, Heim afirma que os computadores estruturam nosso ambiente mental e, dessa forma, a relação dos seres humanos com o conhecimento do mundo ao seu redor se transforma completamente quando é intermediado pelas mídias digitais.
Agora, 27 anos depois, com as mídias sociais possuindo bilhões de usuários ao redor do mundo, o documentário dirigido por Jeff Orlowski, intitulado “The Social Dilemma” e disponível na Netflix, sugere, mais de uma vez, que essas plataformas representam a maior ameaça existencial da humanidade.
A discussão, de pouco mais de uma hora e meia, aborda o modelo de negócios das mídias sociais – onde as pessoas são o produto – e os impactos causados por isso na sociedade. Entre os participantes estão conhecidos nomes como Tristan Harris, ex-designer ético do Google e co-fundador do Center for Humane Tecnhology; Tim Kendall, ex-diretor de monetização do Facebook e ex-presidente do Pinterest; Justin Rosenstein, ex-engenheiro do Google e do Facebook, e criador do botão de like; e Jaron Lanier, cientista da computação e um dos precursores da realidade virtual.
O primeiro questionamento feito para os especialistas das tecnologias é qual é exatamente o problema das mídias sociais. Todos ficam pensativos, sem saber por onde começar, mas depois discorrem sobre alguns pontos.
Dependência e manipulação
Quanto tempo você passa nas mídias sociais por dia? O número costuma ser alto, e os especialistas explicam o porquê. Utilizando a grande quantidade de dados que têm acesso, as ferramentas do Facebook, Instagram e outras mídias selecionam os conteúdos que aparecem no feed de forma a prender sua atenção o máximo possível. Quando os aplicativos não estão abertos, notificações são enviadas para estimular a abri-los. E não para por aí, esse conhecimento do comportamento de cada usuário também é utilizado para entregar publicidade e rentabilizar, no fim, o produto é o usuário.
Por si só o potencial das mídias sociais de gerar dependência é grande. É o que explica a Dra. Anna Lembke, diretora da Stanford Addction Medicine Dual Diagnosis Clinic. “Temos uma necessidade biológica básica de nos conectar com outras pessoas. Isso afeta diretamente a liberação de dopamina como recompensa. Não há dúvidas de que um sistema como o das mídias sociais, que otimiza essa conexão entre pessoas, tem um potencial viciante.”
Tristan Harris, responsável por narrar o documentário, explica o problema causado por isso. “Estamos treinando e condicionando uma geração inteira de pessoas que, quando se setem desconfortáveis, solitárias ou com medo, usam chupetas digitais para se acalmar. E isso vai atrofiando nossa habilidade de lidar com as coisas.”
Outro ponto, abordado pelo especialista Jaron Lanier, é a manipulação, já que, segundo ele, sempre que duas pessoas se conectam virtualmente, ocorre um lucro gerado por um terceiro que paga para que elas sejam manipuladas. “Criamos uma geração global de pessoas que crescem dentro de um contexto em que o significado de comunicação e o significado de cultura estão atrelados à manipulação”, diz.
Influência das emoções
Nos Estados Unidos, houve um crescimento gigantesco de depressão e ansiedade em adolescentes entre 2011 e 2013. Jonhathan Haidt, psicólogo social no NYU Stern School of Business, conta que o número de meninas que são atendidas em hospitais porque tentaram se machucar ou se cortaram aumentou 62% entre as mais velhas e 189% entre as pré-adolescentes. O suicídio segue no mesmo padrão.
Isso está relacionado com a influência no controle de autoestima por parte das mídias sociais. Há uma preocupação muito grande com o que as pessoas vão pensar, em gerar engajamento, ter um alto número de likes. Justin Rosenstein, criador do botão like, conta que a ideia era “espalhar positividade no mundo” e problemas como depressão não estavam no radar. A intenção era boa, mas as ferramentas a tornaram problemática.
Em outubro do ano passado, por exemplo, a empresa responsável por criação de filtros para o Instagram retirou do sistema algumas opções que simulavam cirurgias plásticas. A justificativa foi de reavaliação após ser notada uma interferência negativa da ferramenta na autoestima dos usuários.
Outros pontos como polarização da sociedade, descontrole das fake news e até uma possível guerra civil causada pelo impacto das mídias sociais no comportamento das pessoas são abordados no documentário. A produção da Netflix – plataforma de streaming que também usa o modelo de recomendação – mostra que ainda não se sabe, ao certo, o que fazer para mudar o que estamos vivendo hoje. Muitas pessoas que assistiram à “The Social Dilemma” foram às mídias sociais falar sobre as reflexões, várias vezes chamadas de “perturbadoras”.
+ Notícias
Para a geração dos Zennials, depois da pandemia, nada mais será como antes
Telas em excesso: você sabe o que é fadiga ocular?