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O que o caso Telekall Inforservice ensina sobre a finalidade do uso de dados pessoais?

O que o caso Telekall Inforservice ensina sobre a finalidade do uso de dados pessoais?

A ANPD multou a empresa em R$ 14,4 mil reais devido ao uso de contatos de consumidores de serviços de internet para divulgação de campanhas eleitorais em Ubatuba, no litoral paulista.

Em 2023, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) multou a empresa Telekall Inforservice, microempresa de telecomunicações, em R$ 14,4 mil reais. A sanção ocorreu pela oferta da lista de contatos de WhatsApp de usuários a candidatos de Ubatuba/SP, como meio de viabilizar a divulgação de material de campanha. Ainda que o caso não envolva relações de consumo, as considerações da ANPD sobre a observância da finalidade e da transparência podem ser aplicadas no âmbito consumerista, quando relacionado a dados pessoais de consumidores.

Segundo verificado pela ANPD, os usuários não recebiam informações sobre a destinação de seus dados pessoais para fins comerciais no campo eleitoral. As atividades da empresa eram ligadas ao uso dos dados disponibilizados na internet, com a posterior comercialização. Segundo a ANPD, tais atividades seriam ilegais e a divulgação dos dados online não viabilizaria a posterior venda das informações dos usuários.

Dados decorrentes de fontes públicas ou publicamente acessíveis eram utilizados e tal tratamento levanta questionamentos sobre o princípio da finalidade, em especial, o uso posterior e sua compatibilidade ou não com a finalidade primária, bem como questionamentos acerca da expectativa dos titulares quanto ao uso de seus dados pessoais. 

O posicionamento da ANPD pode ser aplicado com facilidade em relações de consumo que envolvam dados pessoais de consumidores. É preciso, portanto, ter o olhar atento às informações de consumidores tratadas para fins comerciais, publicitários ou mesmo de geração de inteligência, a fim de garantir sustentação legal para tal atividade de tratamento, bem como considerar mecanismos de transparência e outras salvaguardas que possam sustentar a atividade de tratamento pretendida, como possibilidade de opt-out e outros mecanismos (quando aplicável e viável).

Ademais, a finalidade do tratamento, prevista na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), dialoga com o direito à informação, estabelecido no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A preocupação com a compatibilidade de novos usos dos dados pessoais coletados para determinada finalidade primária tem ligação com as disposições do CDC relacionadas à informação e transparência. Por isso, a discussão sobre legítima expectativa dos titulares de dados se torna ainda mais relevante.  

O acesso a consumidores para a oferta de produtos e/ou serviços é um tema que tem sido enfrentado pelas autoridades. Com a criação do Não Me Perturbe, que inibe o contato sem a autorização do consumidor, ou a regulação do telemarketing ativo pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANTT), percebe-se que mais de uma seara jurídica pode ser envolvida. Assim, podem ser medidas úteis e benéficas às relações de consumo:

  1. Alinhar o direito à informação, com transparência em termos de Proteção de Dados Pessoais e;
  2. Avaliar a legítima expectativa do titular e eventuais salvaguardas para sustentação da atividade de tratamento.

Por isso, ainda que o caso da ANPD não trate de consumidores de forma direta, a análise realizada pode ser relevante à atuação de fornecedores, envolvidos em relações de consumo relacionadas a dados pessoais de consumidores. As diretrizes sobre a interpretação do princípio da finalidade e da obtenção de dados de domínios públicos podem ser correlacionadas aos preceitos do CDC.

Luciano Timm é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo e sócio do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados.

O artigo é de coautoria com Jacqueline Salmen Raffoul, sócia no CMT Advogados, na área de Direito do Consumidor, e Matheus Sturari, sócio da área de Proteção de Dados do CMT Advogados.

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