Nos últimos anos, as plataformas de viagens se tornaram uma ferramenta indispensável para quem planeja férias ou uma viagem a trabalho. Com apenas alguns cliques, é possível comparar preços, reservar voos e hotéis e até mesmo alugar carros. Mas o que deveria ser um processo simples e transparente se torna, muitas vezes, um labirinto repleto de informações ocultas, políticas de cancelamento complicadas e atendimento ao cliente insatisfatório. Usuários frequentemente se deparam com ofertas irresistíveis que, após uma análise mais detalhada, revelam custos adicionais que não estavam claramente visíveis no primeiro olhar.
Nesse quesito, cada vez mais consumidores relatam frustração ao descobrir que o valor exibido nas plataformas de viagem não corresponde ao total pago no momento da conclusão da compra. Muitas vezes, os preços exibidos nas plataformas não incluem encargos adicionais, como taxas de serviço, impostos ou custos de limpeza, que podem ser significativos. Isso gera uma confusão e, em muitos casos, uma sensação de engano. São as chamadas “taxas ocultas” – cobranças adicionais que aparecem apenas nas etapas finais da reserva ou são diluídas em termos técnicos pouco claros.
Essas práticas, embora comuns, violam o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Isso se dá porque, em primeiro lugar, de acordo com o artigo 6º, inciso III, o consumidor tem direito à informação clara, adequada e ostensiva sobre produtos e serviços, incluindo seus preços e encargos. Já o artigo 31 reforça que toda oferta deve trazer informações corretas, precisas e ostensivas. A ideia é não induzir o consumidor a erro.
O consumidor e a publicidade enganosa
Em muitos casos, as plataformas exibem preços aparentemente atrativos, mas só revelam taxas de serviço, encargos administrativos ou tarifas municipais no momento do pagamento. A prática configura publicidade enganosa por omissão. Ela está prevista no artigo 37 do CDC – especialmente quando o valor total da compra ou do serviço é substancialmente diferente do anunciado.
Em suma, o dispositivo diz respeito à publicidade enganosa. Segundo o CDC, publicidade enganosa é aquela que contém informações falsas ou omissões que levam o consumidor a erro sobre produtos e serviços.
Transparência é obrigação, não opção
Para o consumidor, essa falta de clareza dificulta a comparação entre sites e compromete o planejamento financeiro. Em outras palavras, ao não apresentar o valor final desde o início, o fornecedor induz o consumidor a uma escolha baseada em informação incompleta.
O CDC determina ainda, no artigo 46, que cláusulas contratuais só têm validade quando o consumidor tem a oportunidade de conhecê-las previamente. E também compreendê-las de forma inequívoca. Isso significa que informações escondidas em links secundários, rodapés ou letras miúdas não cumprem a exigência de transparência. O artigo 46 do CDC diz que o consumidor só precisa seguir as informações se ele teve a chance de conhecê-las antes.
Ou seja, se alguém especificar algo de forma confusa, esse algo não vale.
O que o consumidor pode fazer?
Em situações em que o valor cobrado diverge do anunciado, o consumidor pode exigir o cumprimento da oferta pelo preço inicialmente informado, conforme o artigo 35 do CDC. Caso o fornecedor se recuse, o cliente pode cancelar a compra e exigir a devolução integral dos valores pagos, ou ainda registrar uma reclamação nos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon ou o portal Consumidor.gov.br.
Além disso, é importante guardar prints da tela e comprovantes de todas as etapas da compra – incluindo o valor exibido antes do fechamento da transação. Esses documentos são fundamentais para comprovar a divergência e garantir seus direitos.
O papel das plataformas

As empresas do setor de turismo online, por sua vez, têm a responsabilidade de adotar práticas comerciais transparentes, conforme o artigo 4º do CDC, que estabelece a boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo. A omissão de informações relevantes sobre preços não apenas compromete a confiança dos usuários, como também pode gerar sanções administrativas e judiciais.
Sobre ações judiciais que são propostas por consumidores que se sentem lesados, Mariângela Sarrubbo, professora de Direito da PUC-SP e 3ª vice-presidente do Brasilcon – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, conta que, a depender do conteúdo levado a julgamento, o consumidor tem obtido sucesso na declaração de nulidade da cláusula, com fundamento na falta de clareza e no vício de vontade. Esse fenômeno, segundo ela, evidencia a importância de se adotar uma comunicação clara e objetiva nos contratos e nas informações disponibilizadas ao consumidor. “Ao facilitar o entendimento das condições ofertadas, as empresas não apenas promovem o respeito às normas do Código de Defesa do Consumidor, mas também fortalecem a relação de confiança com seus clientes.”
Atenção do consumidor
A especialista recomenda aos consumidores que fiquem atentos e leiam os detalhes dos termos de uso, e, por consequência, das ofertas antes de finalizar a compra. Além disso, é sempre bom comparar preços em diferentes sites e verificar as avaliações de outros usuários. Embora as taxas ocultas possam ser um desafio, a conscientização é a melhor arma para evitar surpresas desagradáveis e garantir que sua viagem não se torne uma dor de cabeça financeira.
Padrões obscuros
Christiane Vieira Soares Pedersoli, coordenadora da Assessoria Jurídica do Procon-MG, explica que as taxas ocultas são consideradas um tipo comum de dark pattern (padrão obscuro ou enganoso). Para enfrentar os desafios dos padrões obscuros, ela aposta em três Projetos de Lei em tramitação. São eles:
- PL nº 2.338, de 2018: Estabelece diretrizes nacionais para o uso responsável e ético de sistemas de Inteligência Artificial no Brasil, com a defesa do consumidor como um pilar essencial, ao lado da livre iniciativa e concorrência. O projeto determina que os usuários sejam previamente informados sobre a interação com a IA, especialmente em relação a assistentes virtuais, garantindo transparência e conscientização sobre o uso da tecnologia. O segundo artigo do PL visa criar um ambiente de responsabilidade no uso da IA, assegurando o respeito aos direitos dos consumidores.
- PL nº 4.089, de 2024, proposto pelo deputado Marcos Tavares: Tem como objetivo estabelecer direitos para os consumidores quanto ao uso de produtos e serviços baseados em Inteligência Artificial, com ênfase na prevenção da discriminação algorítmica. O intuito principal é assegurar que os algoritmos não causem danos a grupos e indivíduos com base em características como raça, gênero, idade e deficiência. A proposta exige que as empresas realizem auditorias, implementem medidas de mitigação e disponibilizem canais para denúncias e reparação.
IA na publicidade

- PL nº 145 ,de 2024, proposto pelo senador Chico Rodrigues: Tem a finalidade de modificar o Código de Defesa do Consumidor para regular o uso de ferramentas de IA na publicidade, com o intuito de combater a publicidade enganosa. O projeto sugere a necessidade de autorização para a utilização de IA, visando minimizar seu uso de forma que proteja os consumidores. Além disso, menciona a intenção de alterar outras legislações relacionadas à publicidade e à reputação de figuras públicas.
“Esses Projetos de Lei representam um avanço considerável na busca por regulamentações que acompanhem o desenvolvimento das tecnologias de Inteligência Artificial, especialmente no que tange ao consumidor”, destaca Christiane. Em suma, ela enfatiza que a discussão em torno desses Projetos de Lei é fundamental não somente para legisladores e empresas, mas também para todos os cidadãos que utilizam tecnologias digitais.
Para ela, a transparência nas operações das empresas de tecnologia é um dos pontos centrais que esses Projetos de Lei buscam garantir. “Os consumidores devem ter acesso claro sobre como seus dados são coletados, utilizados e compartilhados. Em síntese, isso inclui informações sobre algoritmos que governam decisões automatizadas, assegurando que não haja discriminação ou viés nas práticas comerciais”, finaliza Christiane Vieira Soares Pedersoli.





