Investimentos volumosos em estratégias de Customer Experience (CX) passaram a fazer parte do dia a dia das empresas nos últimos anos – afinal, a jornada de experiência oferecida ao cliente tornou-se uma questão de competitividade e ganho de receita. Porém, uma parte importante dessa equação ainda não é tratada com a devida importância: o supply chain.
Para lidar com a Covid-19, por exemplo, 71% das empresas não possuíam um plano de contingência de supply chain caso o surto durasse mais do que algumas semanas. O resultado do despreparo evidenciado por dados da The Economist foi a falta de máscaras, de insumos para UTI, de leitos hospitalares etc.
A questão é que, no mundo BANI (acrônimo em inglês que significa frágil, ansioso, não linear e incompreensível), disrupções como essa, capazes de afetar as demandas, o equilíbrio da cadeia de valor e, consequentemente, a experiência e os preços ofertados ao cliente, serão cada vez mais comuns. Não à toa, o economista alemão Carsten Brzeski afirma: “A pandemia não é mais a maior ameaça às nossas economias. As disrupções do supply chain são”.
Exemplo disso é a guerra na Ucrânia, que evidencia a necessidade do investimento em um supply chain resiliente. Flavio Barreiros, Líder de Supply Chain & Operations para a América Latina, explica que o país europeu é um dos principais fornecedores de gás neon no mundo, com 50% de market share. Com o conflito, o fornecimento do item essencial para a fabricação de chips semicondutores usados na fabricação de eletrodomésticos, celulares e automóveis, foi interrompido. Empresas dependentes tiveram que buscar outro fornecedor e pagar a mais pelo pedido emergencial, o que gerou escassez nos estoques, valores mais caros e fretes demorados.
“O supply chain tornou-se uma rede super conectada, global e complexa. Por isso é tão importante que as empresas construam uma cadeia de valor resiliente. Não porque conseguirão prever disrupções, mas porque estarão mais preparadas para absorver, adaptar-se e buscar alternativas para a continuidade do negócio e das operações, mantendo nos patamares desejados as experiências com os consumidores, as receitas e os custos”, afirma Flavio Barreiros.
O supply chain resiliente de verdade
Já foi o tempo em que o supply chain era considerado custo. Novas técnicas analíticas e Inteligência Artificial deixaram no passado a tradicional visão de uma cadeia de abastecimento resiliente ser baseada somente em estoque regulador, produção mais flexível e fontes de fornecimento redundantes. Além de representarem custos extras, essas frentes não se mostraram eficazes diante dos efeitos de rupturas.
Flavio explica que, para a Accenture, o supply chain do futuro é asset light, sustentável inteligente e autônomo, com algoritmos tomando decisões e fazendo recomendações, de forma que a própria operação se reparametrize – o que traz velocidade e um filtro para a intervenção humana. Por causa dessa conexão, há a capacidade de orquestrar uma rede que entrega a experiência desejada pelo consumidor. Por exemplo, diante da falta de um produto em determinada loja, a empresa que possui uma rede conectada oferece uma entrega rápida a partir do estoque de outra loja e um parceiro logístico.
Isso só é possível a partir do momento em que a empresa entende a sua cadeia, conquistando visibilidade e passando a ter um domínio maior da rede de abastecimento, já que os grandes fluxos e as concentrações de risco para o negócio são identificados. A rede passa, então, a operar suportada por sistemas e automações que trazem eficiência e rapidez, garantindo a experiência a um custo equilibrado.
“O principal erro das empresas é não ter um supply chain preparado para a disrupção, ou seja, com clareza das vulnerabilidades, construção de alternativas para se proteger e um modelo mais inteligente para operar a rede resiliente. Atualmente, a maioria dos negócios reage a cada crise, isso significa perda de eficiência, já que se paga mais caro por componentes, energia, além do risco da perda de venda e receita, pela falta de produtos”, afirma Barreiros.
Visibilidade inteligente
O caminho para construir um supply chain resiliente de verdade é chamado pela Accenture de visibilidade inteligente. Trata-se da combinação das visibilidades estrutural e dinâmica, sustentadas por técnicas de analítica e inteligência artificial. Economicamente viável, a estratégia reflete em melhores receita e lucratividade.
O primeiro passo é a visibilidade estrutural, ou seja, ter um retrato das operações e entender fragilidades e riscos existentes em cada cadeia. São quatro os principais tipos de visibilidade nessa frente:
- Mapeamento da rede: documenta todos os ativos e fornecedores.
- Gerenciamento de riscos clássicos: identifica, qualifica, prioriza e remedeia riscos.
- Análise de rede: determina riscos inerentes.
- Modelagem: simulação informatizada do desempenho.
“Estamos falando de visibilidade de fornecedores tier 2 e tier 3, rotas logísticas marítimas ou terrestres, canais de distribuição, concentrações de produção, etc. Para isso, usa-se muito dado e inteligência analítica para simulação. Buscam-se, então, novos fornecedores, rotas, e definem-se estoques de proteção. Esse exercício é contínuo”, afirma Flavio.
Muitas empresas têm utilizado um gêmeo digital, ou seja, uma réplica virtual do supply chain, para replicar o comportamento típico da cadeia e simular cenários, testando o estresse e identificando riscos e desenhando possíveis ações preditivas.
O segundo passo é a visibilidade dinâmica, que nada mais é do que monitoramento e tomada de ação em tempo real. Tendo como os principais tipos de visibilidade monitorar, prever, prescrever e executar de forma autônoma, essa capacidade permite às empresas saber onde os produtos estão, como fábricas e depósitos estão operando, quando e onde as disrupções ocorrem e o que as rupturas estão afetando.
“A dificuldade da visibilidade dinâmica é a capacidade de identificar desvios e responder rápido, ativando mecanismos de proteção e alternativas já preparadas. Estamos falando de usar um buffer, um fornecedor alternativo, outro parceiro logístico etc. Para dominar este capability, é imperativo usar modelos preditivos com alertas para antecipar situações, e modelos de simulação e otimização para rapidamente desenhar uma resposta. Algumas das respostas podem ser automatizadas e as que precisam de intervenção humana demandam pessoas com skills analíticos para interpretar as informações e tomar decisões rapidamente”, explica Barreiros.
Na prática, as empresas possuem capacidades relativamente maduras de visibilidade estrutural sobre suas próprias operações, mas a visibilidade dinâmica ainda é emergente. Um estudo da Accenture com 30 executivos líderes de supply chain, mostrou que 83% das organizações executam mapeamento de rede regularmente e 90% promovem gerenciamento de riscos clássico em bases regulares. Porém, apenas 40% realizam fortemente ações prescritivas e 3,3% possuem uma boa execução autônoma.
“Uma parte importante das empresas está tomando soluções paliativas, mas entendemos que nos próximos anos haverá uma jornada de supply chain resiliente forte. É uma tendência que vai acontecer em praticamente todos os setores. Quem não seguir, terá consequências enormes em termos de experiências frustradas dos consumidores e clientes, custos e rentabilidade, bem como receita. Além disso, o nível de estresse dentro da gestão e operação do negócio pode dificultar a atração de talentos”, alerta Flavio Barreiros.
O executivo ainda dá uma dica: “desde já, as empresas devem desenhar uma visão ambiciosa e metas claras, e desdobrar isso em uma jornada, que pode ser evolutiva, mas abrangente pois existem muitas dimensões a serem trabalhadas. Entre elas estão adoção de novas tecnologias, inteligência analítica, colaboração com diferentes players da cadeia, novas rotinas de trabalho, funções e modelos de tomada de decisão, preparar as pessoas e mudança cultural”.
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