Os hábitos e costumes de um povo são, por princípio, uma das maiores inspirações para a criação das leis. É natural, portanto, que a legislação se adapte de acordo com as mudanças que ocorrem na sociedade, conforme surgem inclusive novas tecnologias, recursos, necessidades. No âmbito do consumo, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é um grande exemplo nesse sentido, uma vez que surge como resposta a um cenário de uso de informações de consumidores que, há alguns anos, era inimaginável.
Ao mesmo tempo, ainda que haja exemplos positivos como a LGPD e a Reforma Trabalhista de 2017 (que, entre outros pontos, regulamentou o trabalho remoto), é preciso questionar se a defesa do consumidor tem sido capaz de acompanhar grandes evoluções de mercado. O Pix e o Open Banking, por exemplo, surgiram nos últimos anos e certamente ainda desafiam os órgãos reguladores e a Justiça – afinal, com novas tecnologias surgem novas situações que, por vezes, estão fora dos precedentes da Lei.
Não por acaso, o evento A Era do Diálogo trouxe um debate com o tema “Competitividade x Resolutividade: A defesa do consumidor acompanha o novo panorama dos serviços financeiros?”, mediado por Boanerges Freire, presidente da Boanerges&Cia Consultoria, com a participação de executivos de diferentes instituições financeiras.
Para Nairo Vidal, diretor e Ouvidor do Bradesco, é preciso que todos os envolvidos em uma relação de consumo (Procon, Febraban, empresas etc) tenham em mente que as dores de todos esses agentes são, no fim das contas, a mesma dor: a do consumidor. E ela precisa ser solucionada. Portanto, é essencial que a questão da resolutividade seja sempre levada em consideração. “O atendimento telefônico é democrático”, defende. “O mundo está, sim, se tornando cada vez mais digital, muitas pessoas preferem ser atendidas pelo digital, mas nunca podemos abrir mão do telefone”.
De fato, números divulgados pelo Instituto Locomotiva mostraram que 33,9 milhões de brasileiros não tiveram acesso à internet no último ano. Para eles, o atendimento digital não existe. “As empresas se preocupam muito com a venda, mas também é preciso pensar no pós-venda”, defende Monique Bernardes, Ouvidora do Santander Brasil. “Acho que a defesa do consumidor sempre vai estar à frente, porque só quem teve o ‘umbigo no balcão’ sabe a importância de ter proximidade com o ser humano, com o cidadão”.
Jaqueline Machado, diretora-executiva de Onboarding, Growth e Experiência Do Cliente do BTG Pactual, por sua vez, ressalta que as mudanças hoje acontecem com muita velocidade no âmbito dos serviços financeiros e que o desafio da defesa do consumidor é acompanhar esse fluxo. “Antigamente, para criar serviços financeiros era preciso ter muito recurso para investimento. Agora, basta tecnologia” diz.
Inclusão digital e financeira
Dayneli Prado, gerente de Customer Experience do Digio, menciona que a defesa do consumidor é um trabalho que exige uma construção. “O Digio é 100% digital e isso traz o desafio de conhecer bem as necessidades dos clientes e colocar à disposição deles as melhores opções”, explica.
Indo além da questão de canais, porém, ela destaca um desafio que a empresa também enfrenta: criar educação financeira. Esse é um papel quase social assumido pelos bancos nas últimas décadas, que também corresponde a comportamentos que surgiram a partir do amadurecimento da sociedade de consumo.
André Jacques Uchoa, Diretor Jurídico e de Ouvidoria do Inter, que também é um banco digital, considera que é preciso acompanhar o consumidor em sua evolução. “Tenho a percepção de que o consumidor está muito à frente hoje”, revela. “Ele está em um patamar que tem nos desafiado muito e os dados ajudam a entender como segui-lo”. A forte adesão ao Pix é um exemplo nesse sentido.
Atitudes a partir dos dados
Mas como conhecer o consumidor para atender a demandas reais? No BTG, um dos indicadores utilizados é o customer effort, que mede o esforço empenhado no uso dos serviços. Conforme destaca Jaqueline, porém, mais do que ter KPIs definidos, é preciso saber quais atitudes tomar diante dos resultados e números.
“Já falamos muito de Open Finance, mas é preciso entender qual é a percepção do consumidor quando ele abre os dados para outros bancos – ele quer menor taxa de juros, crédito etc”, complementa Monique. Ela considera, inclusive, que esse cruzamento de dados entre empresas, com a autorização do consumidor, um dia poderá ser aplicado até mesmo na área da saúde, quebrando paradigmas e ampliando oportunidades para o cliente.
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