KANT DIZIA QUE A INTELIGÊNCIA de um homem deveria ser avaliada pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar. Parece que a aplicação deste pressuposto no cenário pandêmico da atualidade colocaria em xeque a inteligência de toda a humanidade. É fato que esta não é a primeira pandemia da história, mas é o primeiro evento de variáveis complexas nesta fase do mundo em que nunca tivemos tantas ferramentas de previsão. A economia gira em torno de apostas, mas tanto marcas como consumidores andam sentindo dificuldade para tomar decisões.
Apesar da internet na palma da mão para checar passados, resenhas e ratings de qualquer pessoa ou produto, parece que nunca foi tão difícil confiar. Essa crise sanitária, que virou política e depois financeira resulta em uma grande crise de confiança global. Todo ano, a Edelman realiza a pesquisa Trust Barometer, um levantamento que acompanha oscilações em torno do tema pelo mundo. O que o relatório de 2021 aponta é a falência da informação.
Como se não bastassem os problemas de reputação das grandes instituições, cidadãos de todo o mundo estão nutrindo uma relação cada vez mais perigosa com a forma como circulam informações. Isso me lembrou um estudo que realizamos no Grupo Consumoteca em 2019, no qual constatamos que os brasileiros se consideravam infotoxicados. Com a aceleração das notícias, as pessoas sentem mais ansiedade e dificuldade de assimilar as mensagens. Para completar, a crença em um cenário polarizado faz com que o senso comum classifique a imprensa, os artistas, líderes religiosos e políticos em dois lados de uma batalha sem fim. Isso torna ainda mais complexa a nossa leitura da realidade.
O impacto disso tudo é que, na falta de quem confiar, o setor privado assumiu um papel importante na mente dos consumidores. Marcas passam a preencher lacunas deixadas pelo governo e por líderes religiosos. As pessoas estão com medo. Perder o emprego ou as liberdades civis estão no topo da lista. 90% dos brasileiros esperam que CEOs se manifestem sobre os problemas sociais e 68% acreditam que eles devem interceder quando o governo não resolver problemas da sociedade.
Por isso, é tempo de realinhar discursos e tratar o propósito menos como ferramenta de storytelling e mais como plataforma de ação. Trazer questões sociais pró-business é mais do que fazer doações para grupos necessitados. Trata-se de trabalhar lideranças e assumir compromissos também com a transparência da informação. Marcas-cidadãs serão as que ajudam seu consumidor a combater suas incertezas. Estamos prontos?