Dark patterns: um desafio crescente

Dark patterns: um desafio crescente

O uso de Inteligência Artificial e a manipulação de algoritmos para orientar a decisão dos usuários no ambiente digital apresentam-se como um desafio para o direito do consumidor

Imagine um jogo de xadrez no qual as peças se movem de forma inesperada, culminando em um xeque-mate surpreendente. Um cenário semelhante acontece quando um aplicativo ou site utiliza uma manipulação tão sutil que, a cada clique, orienta o usuário de forma que influencie suas decisões.

O nome disso é “dark patterns”, ou padrões obscuros – artimanhas inteligentes que operam “nas sombras”, ferindo o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

O termo “Padrões Sombrios” foi introduzido pelo especialista em user experience Harry Brignull. Frustrado ao perceber que empresas estavam manipulando os usuários com táticas enganosas de design na web, ele decidiu criar o DarkPatterns.org para conscientizar sobre os padrões duvidosos e expor as empresas que os utilizam.

No seu site, Brignull categoriza os tipos distintos de dark patterns que as marcas empregam para enganar, iludir e prejudicar os usuários. Um exemplo clássico é a “escassez artificial”, que ocorre quando o consumidor é avisado de que há “apenas dois itens disponíveis em estoque”.

Essa técnica, que joga com a urgência, transforma uma simples compra em uma corrida contra o tempo. Isso leva os usuários a tomar decisões precipitadas, muitas vezes sem considerar outras opções. Outro exemplo notório é o “prato de experiência”, em que um site oferece várias opções de produtos, mas destaca uma em particular como a “mais popular”.

Existe também o “falso botão de cancelamento”. Afinal, quem nunca se deparou com um clique que parece prometer a possibilidade de cancelar uma assinatura, mas que, na verdade, leva para um labirinto de termos complicados e opções enganosas? Não passa de uma armadilha! Ao invés de liberar o assinante, ela o mantém preso em um ciclo sem fim de renovação.

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Sites e plataformas utilizam algoritmos que têm como prioridade o engajamento, mas muitas vezes isso vem à custa da autonomia dos consumidores. Estamos realmente no controle, ou somos apenas marionetes do consumo digital?

Aceite inconsciente

E o que dizer do “hotel de baratas”? Ele diz respeito a uma técnica de dark patterns em que os usuários se encontram presos em uma situação, na qual é fácil entrar, mas difícil sair sem finalizar a compra.

Um exemplo prático disso aconteceu nos Estados Unidos com uma gigante do comércio eletrônico mundial, que foi processada em 2023 pela Federal Trade Commission (FTC) por dificultar o cancelamento de assinaturas e levar consumidores a pagar por serviços que não desejavam mais.

Desde então, a FTC passou a monitorar e a processar empresas que utilizavam estratégias semelhantes.

Truques digitais

Na prática, essas “mágicas” estão prontas para surpreender, mas raras vezes com boas intenções. Na verdade, distorcem a percepção dos usuários e influenciam suas ações.

“Enquanto a pessoa navega, ela acredita que está no controle, mas não está.” Quem explica melhor é Dennis Verbicaro, com mais de 20 anos de experiência nas áreas consumerista e empresarial, e professor dos cursos de Graduação e Programas de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Centro Universitário do Pará (Cesupa).

“É fundamental que os usuários compreendam os mecanismos por trás das interfaces e das interações digitais, pois isso permite discernir entre opções genuínas e aquelas influenciadas por estratégias manipulativas.”

Nas palavras de Dennis, os algoritmos, que moldam a experiência do usuário, são projetados não apenas para facilitar a navegação, mas também para maximizar o engajamento, frequentemente em detrimento do bem-estar do consumidor.

“A personalização excessiva pode criar bolhas informativas, nas quais os indivíduos são expostos apenas a conteúdos que reforçam suas crenças e preferências, limitando, assim, sua capacidade crítica e reflexão.”

Você já ouviu falar do “hotel de baratas”?

A técnica de dark patterns facilita a entrada de clientes, mas dificulta a sua saída. Exclusão de contas e cancelamento de assinaturas são dificultados como forma de manter os usuários por mais tempo como clientes da marca.

Personalização excessiva

É importante destacar que a personalização excessiva ocorre quando uma experiência de consumo deixa de ser útil e passa a ser manipuladora ou assustadora para o consumidor. As consequências da personalização excessiva incluem aversão à marca, perda de lealdade e, consequentemente, queda nas vendas.

Além disso, o sentimento de “invasão” por parte dos consumidores pode gerar desconfiança em relação à coleta e ao uso de dados pessoais e ocasionar repercussões legais – especialmente se a empresa não cumprir leis de defesa do consumidor ou de proteção de dados.

Essas práticas enganosas não apenas comprometem a autodeterminação do consumidor, mas também infringem diversos direitos fundamentais, como a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações (CDC, art. 6º, II). Também ferem a obrigatoriedade de oferecer proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais (CDC, art. 6º, IV).

Ademais, tais práticas enquadram-se em diferentes tipos de condutas proibidas, como tirar proveito da fraqueza ou da ignorância do consumidor para vender produtos ou serviços (CDC, art. 39, IV) ou exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (CDC, art. 39, V).

Medidas importantes

Para resolver os problemas dos padrões obscuros, Christiane Vieira Soares Pedersoli, coordenadora da Assessoria Jurídica do Procon-MG, aposta em três Projetos de Lei em andamento. São eles:

  • O PL nº 4.089 de 2024, proposto pelo deputado Marcos Tavares: Visa estabelecer direitos para os consumidores em relação ao uso de produtos e serviços baseados em Inteligência Artificial, com foco na prevenção da discriminação algorítmica. O principal objetivo é garantir que os algoritmos não causem prejuízos a grupos e indivíduos com base em características como raça, gênero, idade e deficiência. A proposta exige que as empresas realizem auditorias, implementem medidas de mitigação e disponibilizem canais para denúncias e reparação.
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Christiane Vieira Soares Pedersoli
coordenadora da Assessoria Jurídica do Procon-MG
  • O PL nº 2.338 de 2018: Estabelece normas nacionais para o uso responsável e ético de sistemas de Inteligência Artificial no Brasil, destacando a defesa do consumidor como um pilar fundamental, juntamente com a livre iniciativa e concorrência. O projeto prevê que os usuários sejam informados previamente sobre a interação com IA, especialmente em relação a assistentes virtuais, garantindo transparência e conscientização sobre o uso da tecnologia. O 2º artigo do PL busca criar um ambiente de responsabilidade no uso da IA, assegurando que os direitos dos consumidores sejam respeitados.
  • O PL nº 145 de 2024, proposto pelo senador Chico Rodrigues: Visa alterar o Código de Defesa do Consumidor para regular o uso de ferramentas de IA em publicidade, com o objetivo de combater a publicidade enganosa. O projeto sugere a necessidade de autorização para o uso de IA, buscando minimizar sua utilização de forma que proteja os consumidores. Além disso, menciona a intenção de alterar outras legislações relacionadas à publicidade e à reputação de figuras públicas.

“Esses Projetos de Lei representam um avanço significativo na busca por regulamentações que acompanhem o desenvolvimento das tecnologias de Inteligência Artificial, especialmente em relação ao consumidor”, aponta Christiane. Finalizando, ela enfatiza que a discussão em torno desses Projetos de Lei é crucial não apenas para os legisladores e as empresas, mas também para todos os cidadãos que usam tecnologias digitais.

Os padrões obscuros, segundo Harry Brignull

Prevenção de comparação:
O usuário esforça-se para comparar produtos porque os recursos e preços são combinados de maneira complexa ou porque as informações essenciais são difíceis de encontrar.

Confirmação da vergonha:
O consumidor é manipulado a fazer algo que, de outra forma, não teria feito.

Anúncios disfarçados:
A pessoa acredita que está clicando em um elemento de interface ou conteúdo nativo, mas na verdade é um anúncio disfarçado.

Prova social falsa:
Um produto é apresentado como mais importante do que realmente é.

Falsa urgência:
O usuário é pressionado a concluir uma ação porque é apresentado a uma limitação de tempo falsa.

Ação forçada:
O consumidor deseja fazer algo, mas é forçado a fazer outra coisa indesejada em troca.

Difícil de cancelar:
O usuário inscreve-se com facilidade, mas, quando deseja cancelar, tudo é muito difícil.

Custos ocultos:
A pessoa é atraída por um preço baixo anunciado. Depois de investir tempo e esforço, descobre taxas e cobranças inesperadas.

Assinatura oculta:
O usuário é inscrito inadvertidamente em uma assinatura recorrente ou um plano de pagamento sem divulgação clara ou consentimento explícito.

Irritante:
O indivíduo tenta fazer algo, mas é persistentemente interrompido por solicitações para fazer outra coisa que pode não ser do seu interesse.

Obstrução:
A pessoa depara-se com barreiras ou obstáculos, dificultando a conclusão de sua tarefa ou o acesso a informações.

Pré-seleção:
É apresentada ao usuário uma opção-padrão que já foi exibida, a fim de influenciar sua tomada de decisão.

Furtivo:
A pessoa é atraída para uma transação sob falsos pretextos, porque as informações pertinentes são ocultadas.

Redação de truques:
O usuário é induzido a realizar uma ação, devido à apresentação de linguagem confusa ou enganosa.

Interferência visual:
A pessoa espera ver informações de forma clara e previsível na página, mas elas estão ocultas, obscuras ou disfarçadas.

Harry Brignull, especialista em user experience
SUMÁRIO – Edição 295

A evolução do consumidor traz uma série de desafios inéditos, inclusive para os modelos de gestão corporativa. A Consumidor Moderno tornou-se especialista em entender essas mutações e identificar tendências. Como um ecossistema de conteúdo multiplataforma, temos o inabalável compromisso de traduzir essa expertise para o mundo empresarial assimilar a importância da inserção do consumidor no centro de suas decisões e estratégias.

A busca incansável da excelência e a inovação como essência fomentam nosso espírito questionador, movido pela adrenalina de desafiar e superar limites – sempre com integridade.

Esses são os valores que nos impulsionam a explorar continuamente as melhores práticas para o desenho de uma experiência do cliente fluida e memorável, no Brasil e no mundo.

A IA chega para acelerar e exponencializar os negócios e seus processos. Mas o CX é para sempre, e fará a diferença nas relações com os clientes.

CAPA: Camila Nascimento
IMAGEM: IA Generativa | Runway


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