COMPANHIA INDISPENSÁVEL

COMPANHIA INDISPENSÁVEL

Ao longo do tempo, a Consumidor Moderno ditou as principais tendências sobre o novo consumidor e já está projetando o que podemos esperar para o futuro das relações de consumidores

longo dos seus 25 anos, Consumidor Moderno construiu uma história peculiar – e até mesmo única – no mercado corporativo nacional. Nascida como publicação, Consumidor Moderno construiu um dos mais relevantes ecossistemas de relacionamento e negócios do país, impactando milhares de lideranças e influenciando decisivamente as estratégias de empresas que tenham o consumidor como centro de suas atividades. Com o passar dos anos, ela transcendeu o universo do conteúdo para verdadeiramente se tornar uma ideia ou talvez história que teve um início, mas está longe de um fim. A cada dia, a cada momento, um novo comportamento, uma nova ideia é apresentada para narrar a evolução do consumidor.

A origem da inspiração que levou à criação de Consumidor Moderno combina a chegada do Plano Real, de 1994, com a existência do Código de Defesa do Consumidor (vigente desde 1990). O idealizador de Consumidor Moderno, Roberto Meir, teve a convicção profunda de que, desta vez, teríamos uma trajetória econômica diferente, e que o Brasil veria nascer um novo consumidor, mais exigente, mais informado, mais consciente, mais seletivo, em suma, moderno. A bem da verdade, é o mesmo perfil do consumidor atual, o que atesta que ele evolui, constantemente, ao incorporar os canais digitais à sua comunicação em tempo real.

É claro que havia fatos contrários, inclusive econômicos, que pesavam contra a criação de um meio de comunicação que se propunha a fazer a narrativa da evolução de uma sociedade de consumo que prometia se consolidar daquele momento em diante. Mais do que isso; era difícil acreditar que um novo programa econômico baseado em uma moeda estável teria melhor sorte que os outros tantos lançados e malogrados nos anos 1985–1994, curiosamente, desde o advento da chamada Nova República, pródiga em planos econômicos heterodoxos.

ANTES DAS PRIVATIZAÇÕES, O CONSUMIDOR CHEGAVA A PAGAR US$ 5 MIL POR UMA LINHA TELEFÔNICA E, MESMO ASSIM, ERA OBRIGADO A ESPERAR POR DOIS ANOS.”

ROBERTO MEIR,
PUBLISHER DA CM

Em janeiro de 1994 – portanto um mês antes do lançamento do Plano – a inflação medida foi de 42% em apenas um mês. Pior: considerando os 30 anos que antecederam o Real, houve um acúmulo de inflação de 1,1 quatrilhão por cento – ou um aumento de 16 dígitos em três décadas. Na prática, o que os pacotes anteriores fizeram foi cortar zeros da nossa moeda – mais precisamente 12 até a chegada do Real.

Outro fator de peso na idealização de Consumidor Moderno foi a iminente e inexorável privatização das telecomunicações, em 1998. Os impactos da popularização da telefonia fixa por um lado e, fundamentalmente, da chegada da expansão acelerada da telefonia móvel, por outro, dariam ao consumidor o poder da conexão e da inclusão para exercerem seu poder em busca de produtos e serviços melhores, em linha com a sua evolução. O consumidor muito mais informado finalmente tinha as condições plenas de comparar preços, produtos, serviços e marcas e exercer o seu poder legítimo e equilibrar as relações de consumo. “Antes das privatizações o consumidor chegava a pagar US$ 5 mil por uma linha telefônica e, mesmo assim, era obrigado a esperar por dois anos. Com a privatização, a oferta mudou. Telecomunicações seriam um dos pilares de um novo consumidor”, recorda Meir.

Ou seja, Consumidor Moderno nasceu e se expandiu acreditando nos princípios que norteiam sociedades e mercados capazes de fazer pessoas e empresas realizarem seu potencial por meio das relações de consumo éticas e sustentáveis. Abria-se aí um horizonte para colocar o Brasil entre os protagonistas da economia global.

DESDE O INÍCIO UMA CRENÇA IMUTÁVEL: COLOCAR O CONSUMIDOR NO CENTRO DO NEGÓCIO

Cidadão do mundo, Roberto Meir viajava incansavelmente pelo mundo atrás de ideias e insights que pudessem colaborar para a formação e o aprimoramento de uma cultura de negócios centrada no cliente. De maneira ininterrupta, Consumidor Moderno especializou-se em divulgar tendências, provocar reflexões para que as empresas de nosso mercado pudessem incorporar tendências de comportamento, de atendimento e respeito ao cliente em seus negócios. Se hoje essas ideias são um mantra de praticamente todas as companhias, essa realidade causava perplexidade nos idos de 1995. De fato, o publisher era uma voz altissonante sobre o tema na década de 90.

Após lançar essa visão, embasada em muitos estudos sobre como os consumidores aguçaram a curiosidade de conhecer as empresas que forneciam os produtos e serviços com os quais eles transacionavam, Consumidor Moderno participou, Roberto Meir à frente, dos primeiros debates acerca dos conflitos e das diferenças entre gerações e os impactos da nova economia que já se desenhava no fim dos anos 90 nos EUA, com a expansão da rede mundial de computadores, a hoje onipresente internet.

Esse intercâmbio valioso era praticamente único no Brasil, País que só então começava a sair de uma longa hibernação, fechado para o mundo (processo que se iniciou timidamente com o governo Collor, mas que ganhou impulso mais significativo na segunda metade dos anos 90) e levou Consumidor Moderno a especializar-se na produção de insights e conteúdos que se revelaram precisos e conquistaram grande repercussão e reputação no cenário corporativo nacional que começava a se transformar, bafejado pelos novos ares de modernização. Um bom exemplo foi a abordagem conceitual de “lealdade do cliente” e como isso poderia ajudar na perenização do relacionamento com as empresas e no aumento do valor de contribuição. Este insight desdobrou-se em inúmeros outros, tais como: pós-venda, programas de fidelidade, recorrência, ciclo de vida do cliente e muitos outros que hoje fazem parte do cotidiano e da agenda de empresas realmente atentas aos clientes.

Consumidor Moderno também abordou de maneira pioneira a necessidade da definição de perfis do consumidor. Hoje, não existe negócio digital sem antes pensar nos perfis de público que serão alcançados pela empresa. Essa visão foi lançada em 1997, com a exposição de uma ideia poderosa: a necessidade de as empresas entenderem e construírem os perfis de seus clientes. A ideia parecia algo impraticável naquele momento. Embora o mercado consumidor brasileiro já estivesse em expansão acelerada perto dos anos 2000, falava-se em uma relação com o consumidor de via única: “eu ofereço e você consome”. A CM defendia rigorosamente o inverso.

Aliás, o uso de indicadores de qualidade em uma época em que imperavam os frios dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi outro trunfo da bem-sucedida trajetória de Consumidor Moderno. Desde o início, ela se manteve fiel ao princípio de que as empresas deviam criar, modelar negócios pautados em carinho e respeito ao cliente na hora de oferecer um produto ou serviço.

Essa crença se materializou com estudos dedicados a entender os sentimentos do consumidor, como foi o caso do estudo “Empresas que Mais Respeitam o Consumidor” (conhecido também como Prêmio Respeito), em 2003, e que considerou indicadores realmente emocionais. Hoje, alguém duvida que a “moda” é entender o sentimento do consumidor por meio do seu comportamento nas redes sociais ou no relacionamento digital com as empresas?

OS PRIMEIROS SACS

A revista CM também se dedicou a entender os efeitos, sejam eles diretos, sejam indiretos, do mais amplo estudo sobre as relações de consumo. Um deles foi entender os rumos da área de atendimento ao cliente, que surgiu pequena e escondida, dentro de uma economia, e se transformou em um setor bilionário e um dos maiores empregadores do País.

Roberto lembra que os primeiros serviços de atendimento ao consumidor (SAC) surgiram no Brasil na indústria. Naquele momento, os SACs recebiam algumas cartas e raros telefonemas. Quando um eventual cliente ousava criticar um produto, a empresa respondia com um mimo: ele recebia outro produto igual com um pedido de desculpas. Embora a medida fosse louvável em prol do cliente, a ideia não resistiria ao crescente número de consumidores que ingressaram no mercado.

“Quando lancei a revista e essa visão, logo fui convidado para conhecer as áreas de atendimento ao cliente de empresas como Unilever, Philips, Colgate, Brahma (antes da criação da AMBEV), O Boticário, Avon, TAM e outras companhias, as quais pediam para que eu fosse conhecer os seus SACs. Na época, era tudo meio artesanal e quem realmente dominava tanto a defesa do consumidor quanto o relacionamento eram as empresas de bens não duráveis. A indústria era protagonista naquele tempo. Mas o mercado mudou e hoje é crucial entender que as empresas de serviços são aquelas que sofisticaram e aprimoraram sensivelmente o atendimento ao consumidor. A indústria perdeu o protagonismo e vem perdendo relevância”, comenta.

A CM entendeu que o grande volume de consumidores das empresas de serviços – teles, bancos, concessionárias de energia, seguros — resultaria na criação de negócios especializados no relacionamento com o consumidor. Era necessário compreender o tamanho e os números superlativos de clientes já naquele tempo, para entender que a terceirização dos SACs e da gestão de clientes fazia total sentido. Meir soube da existência de companhias que realizavam esse tipo de serviço e foi conhecer “in loco” as suas atividades em mercados maduros, caso dos Estados Unidos.

“Uma das rotinas da Consumidor Moderno e da empresa como um todo foi sempre desenvolver intercâmbio com outros mercados, seja por meio de evento, seja por meio de reuniões ou missões de negócios, incorporando ideias de mercados mais maduros. Foi por causa dessa política que o Roberto (Meir) viu surgir empresas exclusivamente dedicadas a se relacionar com o consumidor. Em um mercado gigantesco como o nosso, fazia muito sentido defender essa ideia”, lembra Jacques Meir, diretor-executivo de Conhecimento do Grupo Padrão.

Assim, em 1998, Consumidor Moderno publicou justamente a necessidade do desenvolvimento de um setor de relacionamento com o cliente – os antigos call centers, que iniciaram uma trajetória repleta de grandes movimentos, desenvolvimento tecnológico, transformação digital e geração de empregos no Brasil.

A aposta estava correta e o setor realmente mostrou força. No ano passado, segundo números da consultoria de negócios E‑Consulting, o setor de relacionamento com o cliente movimentou mais de R$ 54 bilhões. Esse número é composto pelo somatório do atendimento feito dentro das empresas que lidam diretamente com o consumidor (internalizado) e as empresas terceirizadas.

PIONEIRISMO NA CIÊNCIA DO CONSUMIDOR

Outro conceito pioneiro foi a introdução do CRM ou Customer Relationship Management, em outras palavras, um elaborado sistema de gestão de relacionamento com o consumidor. E aí novamente, Consumidor Moderno se destacou ao deslocar a primazia da cultura de relacionamento sobre a ênfase no software como panaceia capaz de resolver todos os problemas de relacionamento e assegurar a lealdade do cliente. A plataforma procurou educar as empresas para não investirem na tecnologia apenas, ela seria um meio para suportar o desenvolvimento de uma cultura focada no cliente.

A CM desenvolveu esse conceito com o passar dos anos até chegarmos nos complexos modelos de Big Data atuais. Ainda assim, o princípio inicial continua válido: a tecnologia por si não garante o melhor atendimento do cliente e muito menos assegura a produção de insights e inovações, é um meio capaz de acelerar esses processos. A centralidade do cliente é o elemento basal da estratégia e não um software qualquer.

A trajetória da Consumidor Moderno também abordou todas as implicações da quimera da omnicanalidade, ou uma estratégia única para o atendimento do consumidor em diferentes canais de relacionamento. Naquele momento, final da primeira década dos anos 2000, CM entendeu que os diversos canais precisariam “conversar” entre si, para que o consumidor pudesse iniciar um atendimento, um diálogo com a empresa pelo telefone e continuá-lo no e‑mail sem prejuízo da informação. O fundamento era mostrar aos gestores de clientes que o cliente exigia resposta rápida em um mundo que assimilava comportamento digital velozmente.

Mais uma vez, a ideia estava muito à frente do seu tempo. Prova disso foi a aprovação, em 2008, de uma norma que estabelecia regras de como atender o consumidor deveria ser atendido por telefone (o chamado Decreto do SAC) para os chamados setores regulados da economia (bancos, empresas de telecomunicações, seguradoras e outras). Ou seja, enquanto o governo estava preocupado com a forma e o tempo de o consumidor ser atendido (no caso, em até um minuto), a revista já dizia que essa comunicação deveria ocorrer em outros canais, inclusive os digitais.

E, por falar em digital, a trajetória do consumidor na internet também mereceu inúmeros conteúdos de Consumidor Moderno, reportagens, entrevistas, vídeos, posts. Em 2008, a revista lançou, de forma pioneira, o primeiro blog corporativo da América Latina para uma empresa de telefonia móvel. A motivação aqui era transferir para um canal digital uma grande quantidade de interações a partir de notícias e serviços direcionados para os clientes. O conteúdo assim agia como esteio do relacionamento relevante entre empresa e cliente. Isso porque CM já enxergava o poder ascendente dos millennials, geração que provocou profundas alterações nos modelos de consumo e trabalho (bastante discutíveis por sinal. E as polêmicas em torno da atividade dos millennials também são fonte de insights que Consumidor Moderno leva às lideranças das empresas continuamente).

Uma das consequências mais evidentes do protagonismo da geração millennial foi desvendar a formação de uma nova mentalidade: o fim do “ter” e o início da era do “ser”. No fundo, Consumidor Moderno defendeu a ideia de um produto que poderia ser oferecido como serviço, e não apenas isso: tudo realmente poderia ser um serviço. Na ocasião, em 2016, a revista chamou essa ideia de “servicificação”. A Uber, e a maneira como a empresa mudou a relação das pessoas com os carros, é um dos principais exemplos dessa tendência. No entanto, é possível estender o conceito para praticamente todos os tipos de produtos materiais: da oferta de softwares (hoje vendidos como serviços pagos todo mês) até cereais matinais, de cosméticos até mesmo à oferta de casas de veraneio.

PÓS-CONSUMIDOR: UMA PONTE PARA O FUTURO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO

Nos dias de hoje, a Consumidor Moderno mantém a sua força como principal hub de insights para inovação dentro do universo do consumo. Em 2018, CM trouxe para o mercado, em âmbito global, a ascensão do pós-consumidor. Foi durante o CONAREC, principal evento de comportamento do consumidor e inteligência relacional do mundo, em uma apresentação do especialista norte-americano Joe Pine (ver entrevista na página 62) que o conceito formulado pela CM ganhou projeção global. Em linhas gerais, a tendência consiste no entendimento de que o consumidor é um sujeito mutável conforme sua necessidade de momento (leia-se consumo), que não pode ser classificado dentro de uma faixa etária, e muito menos encaixado dentro de um rótulo preestabelecido. E é, por força do estilo de vida digital e de sua consciência ampliada, cada vez mais impaciente, intolerante e insatisfeito.

Na prática, isso significa dizer os consumidores podem refletir sua insatisfação com vícios de qualidade e informações disfuncionais, sua intolerância com regras e zonas de fricção que dificultam as transações ou trazem problemas inesperados ou francamente desconexos da oferta principal e impaciência com tudo o que tome seu tempo. Ao mesmo tempo, o pós-consumidor diluiu os limites e as barreiras entre perfis demográficos a tal ponto que um jovem de 20 e poucos anos pode adotar um perfil mais maduro na hora de comprar um terno ou um carro e, ao mesmo tempo, assumir um lado mais jovem ao comprar histórias em quadrinhos. Por outro lado, uma pessoa com mais de 70 anos pode se dedicar à prática de atividades físicas ou esportes radicais sem deixar de lado a vontade de tomar o café da tarde com os amigos e cozinhar para o neto recém-nascido. Não há idade para o consumo. Todas as barreiras etárias, de gênero ou qualquer outro rótulo que se convencionou fracionar e agrupar à sociedade foram extintos (veja reportagem na página 66 desta edição).

No entanto, isso não significa que estamos perto de uma configuração que se assemelhe a uma “anarcoeconomia”. Consumidor Moderno entende que é necessário, imperativo, construir fortes conexões e vínculos com os clientes, valorizando as diferentes identidades que os clientes podem assumir ao longo de sua vida produtiva. Todas as ideias possuem conexões unindo passado, presente e futuro em uma linha do tempo fluida e em constante renovação.

Ao longo deste ano, Consumidor Moderno novamente vai se empenhar em trazer um novo conjunto de tendências para apoiar as decisões dos executivos, ainda mais diante do enfrentamento das consequências da pandemia de coronavírus que toma o mundo de assalto. Ela irá abordar como se combinam e se multiplicam sete arcos temáticos que vão ditar os rumos das relações de consumo daqui por diante. Sobre essa tendência, inclusive, você poderá ler mais nas próximas edições. É ela que vai ditar o que será o futuro.

NÃO HÁ IDADE PARA O CONSUMO. TODAS AS BARREIRAS ETÁRIAS, DE GÊNERO OU QUALQUER OUTRO RÓTULO QUE SE CONVENCIONOU FRACIONAR E AGRUPAR À SOCIEDADE FORAM EXTINTOS.

OS PRÓXIMOS 25: VIDA DIGITAL, ISOLAMENTO E O MODELO D2C

Mas, e o que podemos esperar para os próximos 25 anos? Todo o exercício de futurologia em um momento de intensa transformação digital pode configurar um achismo. No entanto, existem evidências sólidas de que caminhamos para um novo padrão de sociedade de consumo. Há cinco anos, por exemplo, não existiam marketplaces como o iFood ou o Gympass. Há dez anos, ninguém imaginava que existiria um mercado para aplicativos de mobilidade como a Uber ou a 99 ou que estaríamos aptos a operar negócios inteiros na nuvem (vide a transformação radical da Microsoft). Hoje, essas empresas são protagonistas do momento atual das relações de consumo, e ainda assim essa nova hegemonia tem chances de estar com os dias contados.

Outras mudanças importantes no universo das relações de consumo já se avizinham. Uma delas, segundo Roberto Meir, é que a indústria deve retomar um diálogo franco e recorrente com o consumidor final – algo que ela transferiu deliberadamente para o varejo. “Penso que, em pouco tempo, a indústria deve retornar para o jogo do relacionamento com o consumidor. Ela perdeu isso nos últimos anos ao terceirizar esse contato com o varejo. A indústria precisa voltar para esse jogo”, afirma Meir. O D2C, “Direct to Consumer”, representado por negócios inovadores como Dollar Shave Club (identificado pela Consumidor Moderno em 2013 e adquirido pela Unilever por US$ 1 bilhão poucos anos depois) representa a oportunidade de a indústria retomar seu diálogo e aprofundar a interação com o consumidor por meio de servicificação, assinaturas e engajamento.

Outros movimentos no caminho da servicificação já podem ser vistos tanto no exterior quanto no Brasil. A Nestlé, por exemplo, comercializa produtos diretamente para o cliente final em sua loja virtual, e até mesmo em uma loja física. A JBS, uma das maiores indústrias de alimentos do mundo, também já oferece as suas famosas carnes pela internet em países como a China.

Roberto Meir entende que as empresas continuarão no processo evolutivo de entender o consumidor e a sua respectiva jornada de contato com a marca. Isso deve resultar em uma reavaliação dos canais usados para comunicação e pode chegar a uma conclusão que parece lógica nesses tempos de digitalização. O telefone como dispositivo de contato cederá lugar para os novos e cada vez mais variados dispositivos digitais de comando de voz, toque, vídeo. Se setores tradicionais da economia se empenham para marcar a sua presença no mundo virtual. Também não será surpresa ver empresas como a Uber disponibilizando um canal de atendimento que emule o telefone, ainda que baseado em plataforma digital. A base é que o estilo de vida digital vai prevalecer e será cada vez mais acessível.

EXPRIMIR O MELHOR DE MIM PODE SER O NOVO LUXO.”

PETER KRONSTROM, HEAD LATAM
DO COPENHAGEN INSTITUTE FOR
FUTURES STUDIES

Há coisas que as empresas não colocam na jornada. Um negócio digital, por exemplo, precisa compreender o poder do momento e a necessidade que os clientes têm de se autoexpressarem de diversas formas. “Exprimir o melhor de mim pode ser o novo luxo”, como afirma o Head Latam do Copenhagen Institute for Futures Studies, CIFS, Peter Kronstrom. E esse “eu melhorado” tem na vida digital um elemento poderoso de estímulo. Por outro lado, a mesma imposição dos canais digitais diminui as aflições do momento de isolamento que submete milhões de consumidores mundo afora por conta da crise do coronavírus. E qual será o consumidor que irá emergir dessa quarentena? Mais ansioso, mais voltado para viver intensamente, mais equilibrado entre corpo e mente? Mais inseguro?

A humanidade deverá entrar em um ciclo de consumo (ou seja, o momento de descoberta, adesão e fim do uso) diferente. A insensatez do descarte (pense na quantidade e no dano que milhões de celulares descartados anualmente representam) dará lugar a uma nova consciência na qual viver melhor e um modelo de consumo mais eficiente serão exigidos. Consumidores e empresas irão repensar seu relacionamento em função desse momento. Por outro lado, a obsolescência de produto poderá ser incrivelmente desacelerada.

Claro, é fato que vivemos em uma era de “aceleração”. Um exemplo é a linguagem do cinema. No passado, as cenas tinham takes que duravam minutos. Isso está mudando. Hoje, cenas de películas como Os Vingadores duram microssegundos. A atenção do consumidor é uma fração do tempo do que era no passado”, destaca. Isso porque estávamos nos especializando em viver cada vez mais intensamente por curtos momentos, mesmo tendo a perspectiva de viver por muito mais anos que as gerações anteriores. A audiência e a atenção nunca foram tão fragmentadas. Será que nesse momento de isolamento, iremos recuperar a capacidade de dar mais tempo ao nosso tempo?

O efeito prático desse movimento já é sentido nas relações de consumo, segundo Meir. Ao se cansar rapidamente, o consumidor precisa que o espaço do desejo de consumo seja prontamente substituído. Infelizmente, é quase impossível acompanhar a velocidade desse movimento dentro de uma lógica do marketing dos dias de hoje. Então, fica o dilema: como ocupar o amor mutante do consumidor?

Uma possibilidade é o resgate de marcas do passado. Meir cita como exemplo o retorno da Balenciaga, uma marca espanhola que foi um dos grandes ícones da alta-costura no início do século 20 – inclusive rivalizando com a francesa Chanel. No entanto, a marca perdeu relevância nos anos 60 e acabou adquirida pelo Grupo Gucci no início de 2000. A Balenciaga renasceu a partir de bolsas, e se consolidou entre os novos e endinheirados consumidores com os seus tênis coloridos e camisetas ao custo de US$ 1 mil. “As marcas precisam pensar se querem obter 10 segundos de fama ou construir relacionamentos mais sólidos com os clientes, a partir da inserção mais profunda e legítima em suas vidas.” A Chrysler, com o PT Cruiser, o retorno do disco de vinil e as geladeiras em estilo retrô da Brastemp são outros exemplos dessa busca pelo resgate da autenticidade e da conexão emocional com os clientes.

OS PRÓXIMOS 25: ENGAJAR E CRIAR VÍNCULOS

Olhando para o futuro, Consumidor Moderno procura traçar cenários mais sólidos acerca do futuro do atendimento ao cliente. Melhor dizendo: vai mostrar como a busca pelo engajamento e pela criação de vínculos com o consumidor, além da sensação de pertencimento são o novo mandamento da agenda corporativa.

A primeira boa notícia é que as companhias que um dia foram chamadas de call centers estão longe de desaparecer do cotidiano. Na verdade, as empresas de relacionamento, agora denominadas Customer Process Outsourcings – CPOs, – têm tudo para entrar em um processo de grande expansão, mas apenas se realmente estiverem interessadas em destinar os seus esforços em ideias como experiência do cliente e designer de voz.

Os recentes movimentos da Amazon ajudam a explicar esses dois movimentos. Em outubro do ano passado, a empresa de Seattle, conhecida por sua experiência com o consumidor, lançou o dispositivo Echo, que possui a mundialmente famosa assistente virtual Alexa.

Um insight poderoso da experiência de voz é entender que os consumidores têm nos assistentes uma tecnologia capaz de absorver a terceirização de suas decisões e escolhas de consumo. É possível predeterminar listas de compras, serviços e ofertas e atribuir as transações para os dispositivos sem que as marcas possam ter acesso ao consumidor. É fácil imaginar o desafio que a robotização da vida traz para as empresas.

UM INSIGHT PODEROSO DA EXPERIÊNCIA DE VOZ É ENTENDER QUE OS CONSUMIDORES TÊM NOS ASSISTENTES UMA TECNOLOGIA CAPAZ DE ABSORVER A TERCEIRIZAÇÃO DE SUAS DECISÕES E ESCOLHAS DE CONSUMO.

OS PRÓXIMOS 25: UMA JORNADA COM PICOS DE BOAS EXPERIÊNCIAS

O futuro anabolizado pelo advento da vida digital e pela necessidade de viver intensamente cada momento também deve reservar mudanças significativas quanto à ideia da jornada de experiência do consumidor:

Segundo Jacques Meir, uma ideia que deve ganhar força é que essa jornada não necessariamente deverá ser formada por bons momentos, ou dentro da “ditadura da mediocridade”. Na verdade, empresas devem dedicar os seus esforços para criar momentos de “pico”, em que a experiência do cliente seja surpreendente, inesperada e gratificante, capaz de tomar a posição mental de todo o resto do processo transacional.

“Um exemplo é a experiência proporcionada pelos parques da Disney. As filas representam uma chateação para o consumidor, mas isso faz parte da inevitável jornada de relacionamento da companhia. O importante é o que a Disney oferece no momento exato: o pico da experiência. O uso do brinquedo é inesquecível para o consumidor, pois foi pensado pela empresa justamente para causar ótima impressão”, explica o diretor-executivo de Conhecimento do Grupo Padrão.

“Quando você sistematiza algo, isso vira uma rotina. O que é bom um dia pode se tornar cansativo em outro momento. A rotina cansa o consumidor, por isso é preciso que as companhias entendam a ideia de customer surprise, que é a preocupação com o momento da experiência do cliente”, completa Roberto.

OS PRÓXIMOS 25: DEFESA DO CONSUMIDOR E AUTORREGULAÇÃO

A agenda do Poder Público também deve reservar algumas gratas e bem-vindas novidades para o universo das relações de consumo. Em 2015, Roberto Meir afirmou que a agenda pública em 2020 seria ocupada por ideias como mediação de conflitos via internet, e até por empresas verdadeiramente interessadas em simplificar processos para que possam ser evitadas ações na Justiça. E mais: que plataformas on-line de mediação asseguradas pelo poder público livrariam o mercado da atuação dos ambientes de “pichação virtual” que se autodenominam “sites de reclamação” que tanto mal fazem à harmonia das relações de consumo no país. Uma jabuticaba que só ajuda a criar uma imagem do Brasil como país do litígio, algo impensável para o desenvolvimento de uma sociedade de consumo justa e próspera.

De fato, vemos essa visão se materializando. Roberto anteviu a criação da plataforma Consumidor.gov e um esforço legítimo e conjunto de diferentes atores (incluindo o próprio Judiciário) em prol da resolução de conflitos antes de uma ação judicial. Na prática, o que se vê hoje é o Consumidor.gov.br sendo incorporado ao processo judicial em fase experimental no Distrito Federal. A ideia é que isso avance em outros Estados.

“Quando uma pessoa distribui uma ação no Juizado Especial, tem a opção de fazer uma negociação on-line via Consumidor.gov.br. Se essa negociação for efetivada, sai com o acordo judicial. Senão, aquilo que foi alimentado vira uma petição inicial no PJE. Nós tivemos reunião na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para esclarecer sobre o acesso à Justiça, que tinha uma preocupação com a participação do advogado no uso da plataforma. Nós adequamos as condições de uso, mas, aparentemente, o que está ocorrendo é que muitos advogados ainda preferem pular a negociação e ir direto para o litígio. Isso denota uma questão ligada à formação do advogado na faculdade, hoje muito voltada ao litígio”, explica Luciano Timm, Secretário Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça.

Empresas também deverão adotar de maneira voluntária, e sem a ajuda do Poder Público, a mediação de conflitos. O Mercado Livre, por exemplo, estabeleceu em contrato a possibilidade de composição amigável de um problema de consumidor realizado no seu marketplace. Além disso, existem diversas startups e também um número cada vez maior de advogados que prestigiam os acordos em vez da briga nos tribunais.

O Poder Público também pode mudar o chamado Decreto do SAC e definir os rumos do atendimento ao consumidor dentro dos setores regulados. A norma, criada em 2008, poderá incorporar o ambiente digital e, assim, ser o ponto de partida para um modelo resolutivo.

Hoje, infelizmente, não é isso que acontece. Empresas e até mesmo alguns órgãos públicos de defesa do consumidor reconhecem que a lei apenas transformou o atendimento ao cliente em corrida contra o tempo, em que o objetivo é apenas dar uma resposta em até 60 segundos. Resolutividade se tornou algo secundário. A própria Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) está desenvolvendo um estudo para entender o impacto da norma no cotidiano e já flerta com mudanças, inclusive quanto à regra do um minuto.

O ambiente para a reclamação do consumidor também poderá encontrar outros caminhos nos próximos anos – e a rede social desponta como principal meio de comunicação. Hoje, a imensa maioria das queixas registradas no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) é registrada em unidades físicas dos Procons. Em São Paulo, a Fundação Procon já iniciou um processo de digitalização do atendimento. Hoje, o órgão responde a algumas dúvidas de consumidores em suas redes sociais e até mesmo nas páginas das empresas, após serem “convocados” por meio do “tagueamento” feito por clientes insatisfeitos.
Se o futuro dos conflitos deve passar pela mediação feita pelo Consumidor.gov.br ou por ferramenta similar, a queixa do consumidor poderá sair do mundo físico e invadir as redes sociais.

OS PRÓXIMOS 25: PROTEÇÃO DE DADOS, PRIVACIDADE E TRANSPARÊNCIA

A proteção e o uso de dados pessoais é outro tema que inevitavelmente estará no centro dos debates tanto de empresas quanto de consumidores nos próximos anos. E isso não é apenas no Brasil.

Ter ou discutir uma lei de dados se tornou imperativo mundo afora desde que a Europa aprovou, em 2016, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (da sigla em inglês GDPR). A norma entrou em vigor em 2018 e, desde então, está no epicentro de muitos debates públicos e corporativos globais. Nos Estados Unidos, por exemplo, já existe uma lei similar no Estado da Califórnia e, agora, há uma discussão para a criação de uma norma federal.

Na América do Sul, países como a Argentina já possuem uma lei de proteção de dados. Aliás, o recente apoio americano ao ingresso argentino no bloco econômico de países ricos que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) teve como um dos trunfos justamente a existência de uma lei de dados.

No caso do Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrará em vigor em agosto deste ano – isso se o Congresso Nacional não mudar a data de vigência, algo que já vem sendo discutido. Independentemente de a lei começar a valer ou não daqui a poucos meses, ela já está causando grande repercussão nas relações de consumo e dentro do universo corporativo.

Hoje, o mundo corporativo tem intensificado o uso de dados massivos na antecipação de desejos do consumidor. Por outro lado, há discussão se isso seria ético ou até mesmo ilegal. A LGPD criou parâmetros para os dados pessoais, sendo o mais conhecido o consentimento.

DANIEL DOMENEGHETTI, CEO DA DOM STRATEGY PARTNERS

Na avaliação de Daniel Domeneghetti, CEO da DOM Strategy Partners, esse cenário poderá resultar em mudanças importantes nos negócios, que podem ser divididas em três grandes tendências alusivas à proteção de dados para os próximos anos: proteção; comodidade e conveniência; e rentabilização.

Na primeira delas, Domeneghetti afirma que a ideia vai muito além do texto legal da LGPD. “Proteção tem a ver com identidade, legitimidade e liberdade. A proteção é um assunto indiscutível porque beira a irresponsabilidade com os dados do cidadão. Nesse sentido, o papel de cliente e cidadão se mistura. E mais: você está em uma situação em que más práticas viram crime. Penso que a LGPD não é suficiente porque não abarca toda a questão vinculada à proteção. Nela, eu falo de privacidade, individualidade e até direito ao esquecimento”, afirma.

A segunda tendência é a denominada comodidade e conveniência. A ideia, segundo ele, está relacionada aos benefícios oriundos do tratamento de dados que poderá antecipar os desejos dos consumidores. É válido fazer o trade off, a transação entre mais privacidade e menos benefícios e vice-versa?

Por fim, Domeneghetti destaca como terceira tendência a necessidade de as empresas aprenderem a rentabilizar a partir do tratamento de dados – o que ainda não existe. Roberto foi mais longe e afirma: já há alguns anos que seria justo ver o consumidor cobrar pelo uso de seus dados. Uma vez que as empresas gastam altíssimos valores para realizar o tratamento dos dados, é lícito considerar que nada disso tem valor efetivo sem a anuência do consumidor. “Os clientes podem simplesmente se posicionar contra o uso de seus dados na formação de perfis e exigir uma remuneração para qualquer política nesse sentido”, afirma Meir.

Os próximos 25 ainda reservam espaços para produtos como carro elétrico e até veículos voadores – não necessariamente carros. No entanto, segundo o próprio Roberto Meir, é difícil avaliar o que poderá ocorrer de fato nos próximos 25 anos. É sabido que o ambiente digital será o meio. No mais, tudo será possível, especialmente nas relações de consumo. O essencial, contudo é saber que a evolução do consumidor sempre obrigará as empresas a colocá-lo permanentemente no centro de seus negócios.

SUMÁRIO – Edição 288

As relações de consumo acompanham mudanças intensas e contínuas na sociedade e no mercado. Vivemos na era da Inteligência Artificial, dos dados e de um consumidor mais exigente, consciente e impaciente. Mais do que nunca, ele é o centro de tudo: das decisões, estratégias e inovações.
O consumidor é digital sem deixar de ser humano, inovador sem abrir mão do que confia. Ele quer respeito absoluto pela sua identidade, quer ser ouvido e ter voz.
Acompanhar cada passo dessa evolução é um compromisso da Consumidor Moderno, agora um ecossistema de Customer Experience (CX), com o mais completo, sólido e original conhecimento sobre comportamento do consumidor, inteligência relacional, tecnologias, plataformas, aplicações, processos e metodologias para operacionalizar a experiência de modo eficaz, conectando executivos e lideranças.

CAPA: Camila Nascimento / Rhauan Porfirio
BANCO DE IMAGENS: Adobe Stock / Shutterstock


Publisher
Roberto Meir

Diretor-Executivo de Conhecimento
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A editora não se responsabiliza pelos conceitos emitidos nos artigos ou nas matérias assinadas. A reprodução do conteúdo editorial desta revista só será permitida com autorização da Editora ou com citação da fonte.
Todos os direitos reservados e protegidos pelas leis do copyright,
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publicados nesta revista, salvo expresso
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Consumidor Moderno ISSN 1413-1226

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SUMÁRIO – Edição 288

As relações de consumo acompanham mudanças intensas e contínuas na sociedade e no mercado. Vivemos na era da Inteligência Artificial, dos dados e de um consumidor mais exigente, consciente e impaciente. Mais do que nunca, ele é o centro de tudo: das decisões, estratégias e inovações.
O consumidor é digital sem deixar de ser humano, inovador sem abrir mão do que confia. Ele quer respeito absoluto pela sua identidade, quer ser ouvido e ter voz.
Acompanhar cada passo dessa evolução é um compromisso da Consumidor Moderno, agora um ecossistema de Customer Experience (CX), com o mais completo, sólido e original conhecimento sobre comportamento do consumidor, inteligência relacional, tecnologias, plataformas, aplicações, processos e metodologias para operacionalizar a experiência de modo eficaz, conectando executivos e lideranças.

CAPA: Camila Nascimento / Rhauan Porfirio
BANCO DE IMAGENS: Adobe Stock / Shutterstock


Publisher
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