Desde o dia 1º de janeiro, 2 mil felizardos finlandeses tiveram a honra de começar a receber o que, para muitos, será o benefício do futuro: a chamada renda básica universal.
Trata-se de um salário fixo pago mensalmente pelo governo, em dinheiro, livre de impostos, para usar no que quiser e sem exigência nenhuma de contrapartida. A pessoa não precisa estar doente, nem ser aposentada, nem estar estudando, nem ser pobre, nem ter filhos, nem dar satisfação do que gasta. Nada.
A princípio, parece que um grande lapso de loucura passou pelo governo da Finlândia, o primeiro país do mundo a testar o modelo em nível nacional. Mas o que, há algumas décadas, poderia ser algo totalmente sem sentido, vem nos últimos anos ganhando adeptos de vários países e de todas as ideologias.
Para seus partidários, uma comunidade crescente de economistas e gestores públicos que vão da Índia aos Estados Unidos, a ideia de um salário básico e fixo pago pelo governo tem muito mais a cara do que será o sistema de seguridade social do futuro do que o que temos hoje – um conjunto de auxílios espalhadas (aposentadorias, pensões, seguro-desemprego etc.) e elaborados no início do século 20 com base em teorias do século 19, como as do ideólogo alemão Bismarck (1815-1898).
Mais do que isso: a renda básica é uma das poucas soluções sólidas propostas até aqui para responder ao boom de desemprego que se espera com a consolidação de uma nova economia digital.
O fantasma do desemprego
Com robôs e algorítimos que poderão substituir desde motoristas de ônibus até o back office de escritórios inteiros, o desemprego é um dos principais temores da chamada “4º Revolução Industrial”.
Isso não só pode elevar a pobreza e piorar as condições da vida de bilhões de pessoas no mundo como também, por consequência, paralisar o consumo e a própria economia.
“Embora a renda básica pareça um desafio fiscal hoje, em um mundo onde a tecnologia substitui os empregos e a renda básica é necessária, os avanços tecnológicos devem gerar abundância de recursos e o custo de vida deve cair dramaticamente”, escreveu Sam Altman, sócio-fundador da californiana Y Combinator.
A aceleradora do Vale do Silício começou um piloto próprio de renda mínima com 1.000 pessoas na cidade vizinha de Oakland em maio do ano passado.
A lista de apoiadores que em algum momento já defenderam algo do gênero é grande e inclui nomes tão díspares como Martin Lurther King e o Nobel expoente da ideologia neoliberal Milton Friedman. Canadá, Holanda e Índia estão entre outros países que também já lançaram testes em algumas cidades ou os planejam para breve.
Incondicionalidade e improdutividade
No caso da Finlândia, o programa irá pagar um benefício de 560 euros para 2.000 desempregados do país escolhidos aleatoriamente. O valor será pago incondicionalmente por dois anos, e a ideia é justamente fazer um pequeno laboratório para descobrir, na prática, se o sistema funciona.
Os desempregados foram escolhidos para a “primeira turma”, mas a ideia final é que todos os cidadãos recebam o auxílio. As pessoas sem emprego, no entanto, são um grupo especialmente sensível para o teste.
Beneficiárias do tradicional seguro-desemprego, elas acabam rejeitando bicos, vagas de meio período ou oportunidades de empreender, já que o recebimento de qualquer renda corta imediatamente o direito ao seguro.
Elas preferem então esperar por um trabalho integral que volte a cobrir suas necessidades, sem precisar do risco de acabar sem o benefício, sem o bico e sem emprego. E isto também acaba travando a economia.
“Algumas pessoas acham que a renda básica vai resolver todos os problemas sob o sol e outras acham que ela vem do Satã para destruir a ética do nosso trabalho”, disse, ao New York Times, Olli Kangas, coordenador de pesquisas da Kela, a agência oficial da Finlândia responsável pela gestão dos benefícios sociais do país. “Minha expectativa é que a gente possa criar algum conhecimento sobre o assunto.”
Nem tudo são flores
É claro que não é sem contestação que uma ideia tão idealista ganha corpo – e não são argumentos como “as pessoas usariam o dinheiro para beber” ou “ninguém ia querer trabalhar” que estão na pauta.
A prática, inclusive, indica o contrário. Em uma tentativa do gênero rodado no interior do Canadá nos anos 70, chamado “Projeto Mincome”, verificou-se que a redução na força de trabalho foi modesta entre aqueles que recebiam o pequeno salário (de até 5% entre as mulheres e 1% entre os homens).
Um outro estudo feito por pesquisadores do Banco Mundial e da Universidade de Stanford, com dados sobre programas de transferência de renda em países da África, Ásia e América Latina, verificou que o consumo de álcool e cigarro na verdade caiu entre os beneficiários, e não o contrário.
São a incerteza e, principalmente, os custos vultuosos os principais temores dos especialistas que rejeitam a ideia.
Na Suíça, foi feito um referendo em junho do ano passado para a aplicação ou não da renda fixa no país, mas a ideia foi rejeitada nas urnas. Altos custos e medo de uma invasão de imigrantes atrás do benefício pesaram nos votos.
Um cálculo feito pela revista The Economist mostrou que, nos Estados Unidos, trocar o sistema de benefícios atuais, que custam 26% de seu PIB (desconsiderado o sistema de saúde), por uma renda nivelada de US$ 10 mil ao ano paga a todos, faria o custo subir a 35% do PIB – quer dizer, o governo ia ter achar fontes para cobrir mais 9% do PIB em impostos.
Em sua visão, é um custo muito alto a se pagar por uma causa, a do desemprego gerado pelas novas tecnologias, que ainda é incerta. “Preocupações de que o avanço tecnológico significaria o fim do emprego sempre se provaram equivocadas; conforme trabalhos eram fechados nas fazendas, novos eram criados nas fábricas”, diz o artigo da revista.
“Em vez de onerar a sociedade com reformas radicais do estado de bem estar social baseadas no extermínio de empregos por uma revolução tecnológico que ainda não aconteceu, os governos deveriam fazer um uso melhor das ferramentas que já têm.”