A discussão sobre a necessidade de regulamentar plataformas digitais tem avançado cada vez mais no mundo, principalmente na Europa. Essa movimentação tem como objetivo combater abusos e arbitrariedades das big techs, que concentram serviços e dominam o mercado digital. Esse domínio, combinado com a falta de regulamentação, ocasiona problemas concorrenciais sensíveis, falta de transparência e gera dependência comercial tanto das empresas anunciantes, quanto dos próprios consumidores em relação às plataformas.
Na última semana, o deputado federal João Maia (PL/RN), apresentou um projeto de lei em Brasília, que busca regulamentar e taxar a atuação de empresas como Facebook, Twitter e Google no Brasil. O PL nº 2768/22 é inspirado no Ato de Mercados Digitais, aprovado pelo Parlamento Europeu, que faz parte de um pacote de legislações que pretende criar um ambiente digital mais responsável, transparente e justo.
Em resumo, a proposta do deputado João Maia quer que a Anatel passe a regulamentar e a fiscalizar a operação de plataformas digitais no Brasil. No texto passa a ser competência da União, por meio da agência reguladora, disciplinar o funcionamento das plataformas com “receita operacional anual igual ou superior a R$ 70 milhões” que oferecem serviços ao público brasileiro. Para isso, o projeto de lei propõe uma alteração na Lei Geral de Telecomunicações e acrescenta, entre as atribuições da Anatel, as funções de:
- Expedir normas quanto à operação das plataformas digitais que oferecem serviços ao público brasileiro, fiscalizando e aplicando sanções;
- Deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação aplicável às plataformas digitais que oferecem serviços ao público, bem como sobre os casos omissos;
- Compor administrativamente conflitos de interesse envolvendo operadores das plataformas digitais ou usuários profissionais;
- Reprimir infrações dos direitos dos usuários;
- Exercer as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
A ideia é que as big techs passem a ter deveres de transparência junto à Anatel, o que pretende garantir que elas tenham um tratamento isonômico e não discriminatório em relação aos usuários; se adequem às normas brasileiras de proteção de dados; e fiquem impedidas de proibirem o acesso à plataforma por parte de usuários profissionais, ou seja, aqueles que usam as redes “no âmbito das suas atividades profissionais ou comerciais” para “fornecer serviços ou bens” a outros usuários.
Também fica determinado que as plataformas digitais sigam os princípios da liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, repressão ao abuso do poder econômico; e ampliação da participação social na discussão e na condução de assuntos de interesse público.
Além disso, o PL prevê a criação do Fundo de Fiscalização das Plataformas Digitais, através da cobrança de uma taxa anual às plataformas, no valor correspondente a 2% da receita operacional bruta da empresa no país. Caso o projeto seja aprovado, as big techs que descumprirem a norma que estabelece a taxação em cima da gerência que será feita pela Anatel da atuação dessas plataformas no país, estarão sujeitas ao pagamento de juros de 1% por mês de atraso.
Os juros que podem incidir sobre a taxa cobrada às empresas é apenas um exemplo das sanções previstas no texto que começa a tramitar no Congresso Nacional. Outras sanções, como advertência com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas; multa de até 2% do faturamento dependendo da gravidade da falta cometida; suspensão temporária ou proibição das atividades da plataforma no Brasil, também estão previstas na proposta legislativa.
O projeto de lei apresentado pelo parlamentar João Maia na Câmara dos Deputados está na Mesa Diretora, que decidirá por onde ele irá tramitar. Por ser um tema que está em alta e que, a exemplo da Europa, vem sendo muito discutido não só no legislativo, como também no judiciário brasileiro, é possível que o texto passe por inúmeras alterações antes de ser votado em plenário. É provável que a transição de governo, no executivo, também impacte diretamente nesse trâmite.
É preciso jogar dentro das quatro linhas
O desejo de que as Big Techs se enquadrem nas leis brasileiras já vem há muito tempo sendo evidenciado nas casas legislativas, nos tribunais e nas próprias discussões da sociedade civil. Essa discussão avançou nos últimos meses. O combate às fake news, por exemplo, encontra como uma das principais dificuldades a falta de regulamentação das plataformas digitais de busca e das redes sociais no país. Questões relacionadas à proteção de dados pessoais, dados sensíveis, também esbarram no domínio e nas arbitrariedades das big techs.
O maior controle das plataformas digitais é um tema que está sendo discutido, por exemplo, pelo Tribunal Superior Eleitoral, que acredita que o Google deve ser tratado como empresa de mídia. No Supremo Tribunal Federal, começou a ser discutida em setembro a adoção do Acordo de Assistência Judiciária-Penal entre os governos brasileiro e norte-americano como procedimento padrão para a solicitação de dados feita por autoridades brasileiras a empresas com sede nos EUA.
No Supremo Tribunal de Justiça, em uma discussão sobre o tema foi determinado que empresas que prestam serviços de internet no Brasil sejam submetidas à legislação brasileira, mesmo que as operações sejam feitas por filiais ou envolvam armazenamento de dados em nuvem. A própria Anatel também vem debatendo o assunto no ambiente administrativo.
Fora do país, além da União Europeia, a regulação das plataformas digitais está sendo discutida no Reino Unido, no Congresso Norte-Americano e também internamente na Alemanha, que tem debatido um novo capítulo para a lei de defesa da concorrência no país. De modo geral, especialistas consideram as propostas por vezes pretensiosas, porém necessárias.
“Não é sequer preciso um exame aprofundado sobre os modelos de negócio utilizados pelas gigantes do mercado digital para saber que os recursos a que elas têm acesso podem ser abusivos. No mais, para que o saldo seja positivo, medidas resolutas para eliminação do desequilíbrio causado pela posição de dominância das plataformas digitais devem entrar em jogo”, afirmou Marcela Gambardella, advogada especialista na área de direito digital e proteção de dados em artigo publicado no Correio Braziliense.
Segundo ela, no geral, para que os usuários tenham acesso a serviços transparentes e mais seguros, é preciso que medidas sejam tomadas para combater práticas desleais e abusivas das Big Techs. A advogada acredita que o caminho para esses avanços não será simples e contará com grande resistência por parte dessas gigantes do mercado, mas que em todo o mundo já se caminha nesse sentido.
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