A Bahia é o primeiro Estado do País a ter um programa de enfrentamento ao racismo nas relações de consumo. O secretário nacional do Consumidor, Wadih Damous, assinou o termo junto com o secretário de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia, Felipe Freitas.
O novo instrumento foi celebrado na abertura da 33ª Reunião da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). O evento ocorreu no dia 7 de março, em Salvador-BA.
Em suma, o novo programa desenvolverá políticas públicas de combate as práticas discriminatórias. Sua ação se dará na oferta de bens e serviços, em um estado onde a maioria da população é formada por pessoas pretas e pardas. As intervenções começam na conscientização da população. Ademais, o programa promoverá qualificação no atendimento público e privado para abolir atos de discriminação. Serão capacitados órgãos como Procon-BA e Poder Judiciário também.
Bases do programa
O programa tem por base a aplicação das normas estabelecidas pelo Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa do Estado da Bahia. Mas não é só. Ele também abarca outras legislações, entre elas, a Lei nº 4.137/1962, de repressão ao abuso do Poder Econômico, e a Lei nº 7.716/1989, que trata da injúria racial.
Wadih Damous, em seu pronunciamento, disse que o assunto “racismo nas relações de consumo” não é abstrato, nem tampouco meramente acadêmico.
“Pelo contrário, o tema é pautado na realidade brasileira. Se nós abrirmos nosso notebook agora, nesse instante, vamos nos deparar com pelo menos uma situação de racismo em lojas, restaurantes, bares… São casos de pessoas negras que têm uma bolsa revistada pelo segurança somente porque são negras. Um cidadão negro que entra no shopping center já atraindo os olhares hostis dos seguranças e dos demais consumidores pelo simples fato de ser negro. Não são episódios isolados. São casos que fazem parte do nosso cotidiano. Assim, é necessário que trabalhemos, em conjunto, em um amplo movimento antirracista, porque o racismo causa repulsa. O racismo é inaceitável. O racismo mata”.
CDC como instrumento antirracista
Wadih Damous ilustrou a sua fala citando o lamentável episódio de 2020, em que dois indivíduos brancos agrediram e assassinaram um homem negro em um supermercado Carrefour em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, na véspera do Dia da Consciência Negra.
Já Felipe Freitas falou da importância do Código de Defesa do Consumidor para a sociedade em geral. O secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos do Estado da Bahia afirma que esse conjunto de leis, que tem o objetivo principal de equilibrar a relação entre consumidores e fornecedores e assegurar o respeito aos direitos dos consumidores, garante as devidas medidas de reparação em caso de desrespeito.
Na explicação de Felipe Freitas, trata-se, portanto, de um instrumento que vai além das relações de consumo, proporcionando ampla defesa da cidadania.
“O CDC permite que nós tenhamos condições de refletir sobre as desigualdades econômicas, que têm efeitos perversos, sobretudo sobre os excluídos”, explicou Felipe.
Sobre o racismo nas relações de consumo, Felipe Freitas enfatizou que o mal não apenas prejudica as vítimas diretamente, mas afeta toda a sociedade, promovendo divisões e desigualdades. Ele julga que o problema é uma “responsabilidade de todos nós, como membros da sociedade”: “É nosso dever lutar contra o racismo e trabalhar juntos para criar um mundo mais inclusivo e igualitário”.
Mais novidade
Nesse ínterim, outra novidade anunciada no encontro é um projeto voltado para estudantes das escolas públicas do Estado da Bahia, e que também combaterá o racismo, A ação, que envolve a equipe técnica do Procon-BA e recebeu incentivos do Fundo Estadual, consiste em divulgar peças que abordam os inumeráveis males que o racismo causa dentro das instituições de ensino,
A ideia é que o projeto se reverbere para pais, amigos e, portanto, toda a sociedade. “Precisamos ter mecanismos mais complexos do ponto de vista político e jurídico para lidar com esse problema. E no campo do Direito do Consumidor é possível construir e manejar instrumentos de altíssimo nível”.
A sociedade moderna é essencialmente fundamentada na produção. Ou seja, prosperamos quando produzimos – e consumimos.
Energia elétrica
Outro assunto comentado durante a abertura do 33º Encontro da Senacon com o SNDC foi a demora no reestabelecimento dos serviços de energia elétrica. Os consumidores afetados pelo problema enfrentam grandes prejuízos.
Além de danos causados aos equipamentos eletroeletrônicos, a falta de energia também compromete a rotina diária das pessoas, afetando o trabalho, a segurança e o bem-estar de todos.
A ocorrência de falhas no fornecimento de energia gera um efeito cascata nos setores produtivos, impactando a economia na totalidade.
Empresas de diversos segmentos, desde pequenos comércios até indústrias de grande porte, sofrem com a interrupção das atividades, o que resulta em perdas financeiras significativas e até mesmo a demissão de funcionários.
“Isso aconteceu no fim do ano passado em São Paulo. Aconteceu no Rio Grande do Sul. E tem ocorrido com frequência no Rio de Janeiro e em diversas regiões do Brasil atormentando a vida dos cidadãos e cidadãs consumidores, trazendo prejuízos irrecuperáveis, sobretudo para a população mais pobre”.
“Sem Procon não há consumidor”
Por sua vez, a promotora de Justiça do Estado da Bahia, Thelma Leal de Oliveira, começou sua fala ressaltando que “sem Procon não há defesa do consumidor”. E, para a reflexão dos participantes, Thelma levantou os atuais problemas dos transportes aquaviários da Bahia e em outras regiões do país.
A empresa Internacional Travessias, responsável pelo Sistema Ferry-Boat no Estado, recebeu uma multa de R$ 1 milhão da Codecon de Salvador devido a diversas falhas na prestação do serviço. As irregularidades incluem caos nas filas, falta de higiene nas embarcações, precariedade dos equipamentos, além de dois acidentes de colisão em 2023 e uma pane elétrica que deixou uma embarcação à deriva. O prefeito Bruno Reis ameaça interditar o serviço caso a empresa não resolva os problemas.
Abate clandestino
Segundo Thelma, o abate clandestino é outro problema grave no Nordeste, visto que pode transmitir doenças dos animais para os humanos, como a toxinfecção alimentar, a tuberculose e a brucelose. Para os consumidores, saber a procedência dos produtos evita danos à saúde. A carne merece atenção especial e em muitas localidades, não sabemos a procedência das carnes”.
Já a coordenadora da Defensoria Pública Especializada Cível e de Fazenda Pública, Ariana de Souza da Silva focou seu discurso no superendividamento. “Na Defensoria Pública nós temos núcleos especializados em Defesa do Consumidor. “Os núcleos especializados em Defesa do Consumidor desempenham um papel fundamental na Defensoria Pública. Através de sua atuação direcionada, essas unidades têm como objetivo principal proteger e garantir os direitos dos consumidores, auxiliando-os em casos de possíveis abusos ou infrações cometidas por empresas e fornecedores de produtos ou serviços”.
Proteção de direitos
Tiago Venâncio, superintendente do Procon-BA, acredita que a reunião em Salvador é uma “virada de chave” para o Estado e para todo o Brasil. “Temos importantes projetos, e estamos avançando. Vamos em breve lançar o “Você Vai Longe”, de educação financeira, e pretendemos levar o quanto antes o tema para as escolas”.
Por fim, o diretor do Conselho Estadual de Defesa do Consumidor (Condecon), Zilton Krüger Netto, falou da importância dos órgãos de defesa do consumidor na proteção dos direitos de todos os cidadãos: “São melhorias que refletem em nós também”.
O encontro contou com membros das Associações Brasileira de Procons (Procons Brasil) e do Ministério Público do Consumidor. Ademais, integrantes do Fórum Nacional dos Juizados Especiais, Conselho Nacional das Defensorias e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também marcaram presença.