Nesta segunda-feira (27), o diretor do Procon São Paulo, Fernando Capez, causou polêmica ao dar uma interpretação polêmica sobre o depósito indevido de valores oriundos de empréstimo consignado que não foram solicitados pelo consumidor. Segundo ele, a prática será interpretada como uma “amostra grátis” dos bancos para clientes ou que não precisaria ser devolvido.
A afirmação aconteceu após a divulgação de um levantamento feito pelo Procon-SP sobre o número de reclamações de crédito consignado.
“Quando uma instituição financeira coloca na conta do cidadão um valor sem que ele tenha pedido, este valor pode ser considerado uma amostra grátis. E, portanto, não deverá ser cobrado. Além disso, quaisquer juros ou encargos que venham a ser cobrados terão que ser devolvidos em dobro, conforme previsão legal”, defende Capez.
Capez ainda continuou. “As empresas que estão depositando valores nas contas de aposentados e pensionistas sem a devida autorização devem ficar alertas, pois o Procon-SP irá aplicar os artigos 39 e 42 do Código de Defesa do Consumidor e elas terão que arcar com a perda do valor depositado e com a devolução em dobro de todos os juros e encargos cobrados. O consumidor deve procurar o Procon-SP para garantir os seus direitos”, avisa Capez.
De acordo com Vitor Hugo do Amaral Ferreira, advogado, ex-dirigente de Procon e mestre em direito do consumidor, a interpretação do Procon São Paulo está equivocada e está relacionada ao enriquecimento ilícito.
“O CDC, antes mesmo da vigência da sua atualização com a lei 14.181/2021 (lei do Superendividamento), fazia previsão serviço e produto não solicitado poderia configurar como amostra grátis, portanto o consumidor não faria o pagamento. Agora, entendo que é uma interpretação extensiva e equivocada dizer que os valores concedidos em um empréstimo sem a solicitação do consumidor possam ficar com o consumidor. A aplicação da norma pode configurar, inclusive, enriquecimento sem causa. Então, o consumidor daquele valor que não tenha sido solicitado, ele deve fazer a devolução do valor, contudo ele não vai fazer pagamento de nenhuma taxa, de nenhum juro ou nenhum efeito que esse valor não solicitado tenha sido gerado para ele. Esse é o entendimento e o que estabelece o que o código traz, que é o equilíbrio nas relações de consumo”, afirma Ferreira.
Ferreira afirmou ainda que esse tipo de interpretação poderia banalizar o direito do consumidor. “É importante frisar que o CDC tem se consolidado há três décadas, contudo interpretações equivocadas nesse sentido podem, inclusive, banalizar tanto o sistema de defesa do consumidor quanto o próprio direito do consumidor. A norma é muito clara e, hoje, temos que ter agentes de defesa do consumidor preocupados com política de efetividade aos consumidores e não criar interpretações que possam gerar o caos na aplicação do CDC”, afirma.
O estudo
Sobre o estudo feito pelo Procon-São Paulo, o levantamento aponta que os números do primeiro semestre deste ano já superaram o resultado do ano passado inteiro.
De acordo com o levantamento, foram registradas 6.542 queixas até agosto deste ano em São Paulo contra 6.502 em 2020. Ainda de acordo com o levantamento, na comparação entre os primeiros semestres deste ano com o do ano passado, o aumento foi de 156%.
Queixas
Segundo o Procon, a maior parte das queixas dos consumidores está relacionado a empréstimo não solicitado. Alguns clientes alegam que tentaram solucionar o problema diretamente com o banco, mas sem sucesso.
Em muitos casos, o problema só é constatado quando as primeiras parcelas começam a ser descontadas da conta.
“Depositar valores na conta do consumidor sem autorização é uma prática abusiva. O primeiro passo que deve ser adotado é formalizar uma reclamação com a instituição que concedeu o empréstimo. Em seguida, o consumidor precisa entrar em contato com o Procon de sua cidade”, explica Fernando Capez, diretor executivo do Procon-SP.
Crédito Consignado
O crédito consignado é concedido por meio de empréstimo pessoal ou cartão de crédito e o desconto das parcelas acontece direto no salário ou benefício mensal; o principal atrativo são as taxas de juros menores que nas modalidades tradicionais de crédito, como cheque especial, crédito direto ao consumidor e cartão de crédito.
Existe uma modalidade de crédito consignado voltada especificamente a quem recebe benefícios de aposentadoria ou pensão por morte pagos pela Previdência Social e o órgão que estabelece as regras para os bancos e financeiras que oferecem esse tipo de crédito é o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).