Há quase dez anos, no final de 2008, a Rainha Elizabeth assistiu a uma detalhada apresentação na London School of Economics (LSE), uma das mais prestigiosas escolas de economia e política do mundo, sobre o que havia causado a crise financeira que estourou um ano antes nos Estados Unidos. Ao final, a rainha perguntou a seus anfitriões: “Se era algo tão grande, por que ninguém previu?”. Responder à pergunta da matriarca britânica é uma tarefa diária com que profissionais da academia e dos mercados têm de trabalhar desde então. Em um mundo inconstante como o nosso – com mudanças políticas, tecnológicas, econômicas – como é possível atuar com tamanha gestão de riscos? O Recover Money tentou responder.
André Rossi, sócio e diretor de marketing da NUMBR, lembra que hoje temos uma grande onda de dados – o Big Data. Porém, o especialista não confia totalmente em sua capacidade. “Todo tipo de informação coletada gera um grande emaranhado de análises possíveis – como pegar tudo isso e transformar em informação?”, questiona.
Alex Agostini, economista-chefe do Austin Rating, uma das mais renomadas agências de risco do Brasil, conta que a empresa começou com base de dados de análises de empresas e balanços. “Desenvolvemos indicadores próprios que confrontam padrões de mercado. Analisamos níveis de solvência, rentabilidade”, conta. A ideia é ver se as companhias estão bem em comparação a outras do mesmo segmento.
No dia a dia, é feito o acompanhamento dos principais indicadores macroeconômicos. É preciso entender como a economia vai influenciar a atividade da empresa, como melhora a análise de risco. “Cada evento, cada análise de risco é uma forma de compartilhar conhecimento, histórico, tem um grande potencial”, explica. E conta que o Brasil é um país muito interessante com relação à geração de informações. Ao mesmo tempo, o Real é uma moeda com pouco tempo de vida, o que torna complicado construir uma série histórica consistente.
A agência utiliza todas as informações sobre o território nacional, de Fundação Getúlio Vargas (FGV) a Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – são mais de 30 mil séries utilizadas. Um trabalho e tanto. Porém, as vezes, é simplesmente uma questão de ver as informações por outro ângulo. Agostini conta que a agência já fez uma análise “nova” com informações que já existiam do Banco Central. “Analisamos a satisfação dos clientes com o setor bancário a partir do ranking de instituições financeiras com maior número de reclamações”, lembra. O processo foi simples: selecionar as empresas que não estavam nas reclamações e comparar com outras variáveis, como taxa de juros, crédito disponível, etc. Assim, construíram o panorama positivo.
Expertise
Para Fernando Magesty Silveira, gerente nacional da Caixa Econômica Federal, os dados são fundamentais. “Gerir uma carteira de aproximadamente R$ 400 bilhões de crédito imobiliário não é muito fácil. Não existe uma fonte muito rica de informações sobre isso”, conta. “Na Caixa, que detém praticamente 65% das transações imobiliárias do País, é possível reproduzir dentro do banco uma série variável de perfis dos consumidores que pedem crédito”.
Ao longo do tempo, a empresa avalia criteriosamente os dados de cada tomador e vai calibrando os modelos de risco para novas concessões. É preciso saber o perfil de renda e diversos outros indicadores. “Também tenho meu site de simulação. Não exijo que o cliente conheça meus produtos. Basta falar renda, localidade, quanto ele quer tirar, que já caracterizamos a situação para ver onde se enquadra e ele ainda entra no banco de prospects”, discorre. Basicamente, tudo se torna dado. Dessa forma, é possível construir a carteira de cliente e analisar a tendência de qualidade da carteira. “É preciso pensar no futuro porque o cliente contrata uma operação de 15, 20 anos. Preciso estar minimamente seguro sobre os pagamentos”.
Essa análise de perfil, para o executivo, é fundamental. E precisa ser feita com muito cuidado. Afinal, recusar um cliente saudável pode significar uma grande perda para o banco. Nesse sentido, Victor Hugo Germano, fundador da Lambda3, exemplifica que é possível fazer análises de crédito se baseando até mesmo nos posts de redes sociais do público (os chamados dados não estruturados do Big Data). “É preciso dar viabilidade para que estatísticos e matemáticos façam sistemas de análise”, analisa.
Em sua visão, a gestão de risco está totalmente ligada a agilidade das tomadas de decisão. “Se algo que não estava previsto acontece, é preciso agir rápido para responder”, destaca.
Impactos
A inteligência dos dados é fundamental para a saúde contábil das empresas e da população. O gerente nacional da Caixa lembra de uma máxima que considera essencial:“A estabilidade financeira é um bem publico”. “Quantas oportunidades já perdemos? Não há mais espaço para erros no Brasil. Precisamos unir esforços para recuperar o país, qualquer esforço que tenhamos no sentido de trazer prosperidade, mecanismos seguros de concessão de crédito para levantar a economia é válido”, avalia.
Silveira é categórico: números são números e eles são bons nos momentos em que a qualidade de vida da população melhora. “Qualquer esforço nesse sentido não será uma perda de tempo, muito pelo contrario, é o que precisamos para ter uma nova era”, conclui.