Uma certeza cada vez mais recorrente entre juristas brasileiros é a necessidade de uma atualização do Código de Defesa do Consumidor (CDC). A reforma, no entanto, não diz respeito ao CDC como um todo – afinal, trata-se de uma das normas mais elogiadas do gênero no mundo. Hoje, em decorrência das transformações sociais, o código precisa recepcionar temas não previstos há 25 anos, tais como o superendividamento (o montante da dívida é superior aos rendimentos da pessoa), o comércio eletrônico (e a própria internet) e até mesmo pontos importantes, como a ação civil pública, que, embora seja um instrumento em uso no país, não alcançou a eficácia imaginada por seus legisladores.
Esses três temas estão nos três projetos de lei já aprovados no Senado Federal e atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, em Brasília. Os assuntos foram discutidos no painel “Os Desafios Atuais do Direito do Consumidor”, dentro do XIII Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, organizado pelo Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).
A professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma das autoras dos projetos de reforma do CDC, Claudia Lima Marques, afirmou que o código está em fase de atualização. O novo texto, inclusive, está em sintonia com as recentes diretrizes da ONU aprovadas no ano passado.
Após a exposição inicial, Claudia indagou ao outro painelista, Antonio Hermán Benjamin, ministro do Superior Tribunal de Justiça e justamente um dos redatores do CDC, a respeito do tema da reforma do Código. O que se viu foi uma aula de cidadania.
Herman Benjamin afirma que o debate sobre o código não deveria considerar apenas aspectos legais, mas também aqueles igualmente pertinentes ao consumidor. Assim, ele falou sobre os entornos social, legislativo e judicial.
O primeiro aspecto abordado foi o social e, nesse momento, uma confissão: há 25 anos, o CDC foi produzido para uma minoria da população. “O Brasil é bem diferente daquele da promulgação do código. Continuamos um país imensamente desigual, mas não temos pessoas passando fome como naquela época. Quando o CDC foi promulgado, era uma legislação para uma minoria. Não dizíamos isso naquele tempo. Afinal, quem não tem o que comer não vai utilizar o Código. Quem não tem filho na escola, não vai reclamar da mensalidade. Hoje, é uma lei usada por uma maioria esmagadora”, afirma.
Em seguida, o ministro do STJ mencionou as causas e efeitos de um entorno exclusivamente legislativo do CDC. Segundo ele, nenhuma lei “nasce” perfeita ou alcança a sua eficácia imediatamente – inclusive, esse foi um dos erros de Napoleão Bonaparte. “O CDC por mais que seja elogiado, precisa mudar. Não é mudar para tirar direitos. Naquele tempo, por exemplo, não havia e-commerce. Havia endividamento, claro, mas não o superendividamento. Não sabíamos que uma ação civil pública demoraria 15 anos para ser julgada ou sequer seria julgada”, explicou.
Por fim, o ministro citou justamente o aspecto judicial. Diante de uma plateia formada também por juízes, ele criticou algumas posturas adotadas por juízes, como, por exemplo, a preferência por ações de consumidores individuais para o cumprimento de metas estabelecidas pela corregedoria do judiciário. Ao mesmo tempo, evita-se justamente as ações coletivas pela complexidade do assunto e que fatalmente demandará mais tempo para o debate. “Há ações civis públicas que ficam paradas. Infelizmente, é preferível 25 processos individuais que aumentem a estatística para a corregedoria”, afirma.
* A reportagem da revista Consumidor Moderno viajou a convite da Brasilcon