Estou falando da oportunidade de criarmos políticas públicas sérias para águas urbanas; para colocarmos o planejamento a longo prazo das cidades na frente dos lucros imediatos de meia dúzia de empresa; de redesenharmos todos os córregos e rios com novos parques lineares; de construirmos canais laterais para drenar separadamente águas de esgoto e de chuva; de coletarmos todo o esgoto e tratarmos com estações nas fozes de cada rio e córrego; de criarmos patamares tão elevados de tratamento de esgoto que possamos reutilizar na rede de abastecimento; de desativarmos as avenidas marginais de todos os rios e córregos para alargamos os leitos e criarmos projetos paisagísticos para os terreno adjacentes; de termos portanto um transporte público descente; de desapropriarmos área de planícies aluviais.
Tudo isso é muito caro? Sim, mas caro será o prejuízo causado pela crise econômica na cidade em função do desabastecimento. Se começarmos a internalizar todos os custos nas análises de políticas públicas, veremos que é muito mais barato fazer de outra forma.
Caro é ter pessoas com os pés em córregos poluídos todos os dias; é caro para a vida delas, mas é caro também ? para aqueles que só veem números ? para os investimentos necessários depois em saúde pública. Caro é não fazer: o prejuízo econômico da crise hídrica, nada mais é que o capital que não foi investido no passado em um sistema fluvial, agora elevado a enésima potência.
Precisamos, antes de tudo, desconstruir a ideia de que não há projetos e que tudo isso é utópico. Para ficar em um mesmo exemplo, vejam os projetos orientados por Alexandre Delijaicov na FAUUSP; quase todos feitos em São Paulo e perfeitamente exequíveis para os rios da cidade. Ou mesmo o projeto do Hidroanel Metropolitano, coordenado pelo mesmo professor.
Parafraseando Slavoj Zizek: para os políticos no poder, agora desesperados, a situação ?é catastrófica, mas não grave?, porque poderá ser empurrada com a barriga com ações emergenciais e ao custo de fortes restrições à população; para aqueles que pensam que existe algo além a ser feito, a situação ?é grave, mas não catastrófica? porque, com a coragem de enfrentarmos o problema, a possibilidade de fazermos diferente se anuncia mais do que necessária, se anuncia inevitável.
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Gabriel Kogan é arquiteto, formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e jornalista; desenvolveu mestrado em Gerenciamento Hídrico no UNESCO-IHE (Holanda), onde pesquisou as origens históricas das enchentes em São Paulo.
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