Parece clichê, sim, é um clichê, mas eles só existem por um motivo: carregam consigo verdades incontestáveis. Os fundamentalistas anticonsumismo infantil agem tal qual ditadores malucos, usam proteção como eufemismo de privação e se utilizam da máxima psicológica mais frequente entre os opressores: um dia vocês agradecerão por isso.
A batalha para a proibição contra a publicidade tem uma roupagem nobre, mas asua abordagem não se mostra eficaz para a coibição do consumismo infantil. O cumprimento da resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que veda toda publicidade e comunicação comercial dirigida a crianças, poderá gerar uma perda de pelo menos R$ 33,3 bilhões por ano para a economia, deixar de recolher um valor de R$ 2,2 bilhões em impostos e cortar cerca de 720 mil empregos com a restrição total à publicidade dirigida ao público infantil.
Os dados resultam de simulações do impacto das restrições realizadas pela consultoria GO Associados, do economista e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gesner de Oliveira, e foram debatidos hoje, em um seminário realizado em São Paulo. O estudo foi feito a pedido da Mauricio de Sousa Produções (MSP), empresa do cartunista Mauricio de Sousa, criador da Turma da Monica, e hoje a maior produtora de conteúdo infantil do país. ?Chegamos a resultados fortes e, ao mesmo tempo, conservadores, pois o impacto pode ser muito maior do que esse. Além da Maurício de Sousa, há muitas outras empresas do segmento infantil que devem sentir os efeitos da restrição?, disse Oliveira, coordenador do levantamento.
Mas isso é suficiente? Aparentemente tal proibição subestima os limites da publicidade, que não está confinada aos outdoors, licenciamentos e propagandas de TV, o ponto de venda é e sempre será um dos pontos de contato mais relevantes para a criança – que é bem informada e atualmente sabe o que quer. Para Monica de Sousa, diretora executiva da MSP, a empresa ?não acredita da proibição; somos pela educação e aprendizado. Com a restrição à publicidade infantil, voltamos a uma era em que não havia produtos para crianças. Será uma conquista perdida e o fim do mundo lúdico infantil.?. Segundo Monica, ?as crianças voltarão a consumir produtos que não são para ela, mas para adultos. As pessoas que acreditam na proibição não sabem a importância do lado lúdico para a criança?.
Gesner de Oliveira lembra dos benefícios da publicidade para o aumento da concorrência, já que ela é a maneira como novos players ingressam no mercado. ?Restringir a publicidade limita a competição e gera efeitos concorrenciais danosos?, afirma o economista. Neste sentido, a Resolução 163 do Conanda, ao restringir a publicidade de produtos infantis, acaba por inibir a entrada de novos players no mercado, transformando-se numa grande barreira ao aumento da competição entre as empresas. ?Um mercado fechado diminui a oferta de produtos e os incentivos à inovação, e os players já estabelecidos ou aqueles que não são atingidos pela restrição acabam dominando o mercado, o que configura aumento de preço e redução da diferenciação e da qualidade dos produtos?, explica Gesner de Oliveira.
O economista afirma ainda que o ambiente de insegurança jurídica causado pela resolução inibe futuros investimentos em produtos destinados ao público infantil, restringindo ainda mais a oferta, a competição e a inovação. ?Por tudo isso, o que se verifica é que a resolução do Conanda tem como consequência última o prejuízo daqueles a quem se pretende defender, os quais se deparam com produtos de qualidade inferior e preços mais elevados.?
A pergunta óbvia é por que proibir e não educar? De quem é o interesse no veto total desse tipo de publicidade? De ninguém, nem mesmo os radicais saem vencedores com isso. Se publicidade é informação, é realmente benéfico privar essa informação? Ou será que tudo pode ser feito de outra maneira?
Proibir possivelmente não é a maneira mais eficaz de coibir o consumismo infantil. E não está perto disso, porque a raiz do problema é cultural, hereditária e extremamente contagiosa. Somos primariamente e biologicamente feitos para aprender com o exemplo (isso não é comportamental, os neurônios-espelhos são os responsáveis, por isso também sabemos comer, dormir e andar). Logo, não é só privar a criança do contato com a propaganda, é dar o exemplo e, mais, educar o povo brasileiro para o consumo que se abre.
Afinal, se hoje temos milhões de novos consumidores no mercado, essa tutela a médio prazo só serve para transformarmos algo comum a qualquer sociedade em desenvolvimento em tabu, além de criar consumidores despreparados. ?Proibir é cortar toda possibilidade de diálogo. Temos que pensar juntos um modo de proteger as crianças?, afirmou Mauricio de Sousa durante sua participação no debate. ?Desde sempre tivemos muito cuidado com tudo o que produzimos em nossos estúdios. A ética permeia todas as nossas histórias, fazemos um material universal, que respeita o espírito humano.?
Na era do hiperconsumidor, subestimar sua inteligência pode ser um erro fatal para todas as esferas que podem ser afetadas.