São 100 milhões de processos no Brasil. Com este número, Ricardo Morishita Wada, diretor de pesquisas e projetos do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), deu início ao painel ‘Entendendo as motivações que levam o consumidor ao litígio. Lições e ações para a resolução negociada de conflitos’, que reuniu executivos importantes durante A Era do Diálogo 2016. “Este é um número imenso. Sabemos que o Brasil tem estrutura de acesso à justiça, mas também sabemos que não é algo simples, demanda esforço. Sendo assim, por que o consumidor tem buscado a justiça?”, questionou Morishita.
Claudia Silvano, diretora do Procon-Paraná e presidente da Associação Brasileira de Procons, respondeu contando a história de uma consumidora que foi atrás do Procon por causa de um chip de celular que custa dez reais. “Quando o Procon fez contato com a empresa, a resposta foi que o caso seria solucionado em 40 dias. Não tenho dúvida que esse caso virou judicial e esse chip vai sair mais caro. Esse é o preço do descaso. O consumidor procura o judiciário porque não tem a resposta que deveria ter”, conta.
Atendimento empoderado
Para Claudia Pires Rodrigues Wharton, diretora da Central de Relacionamento do Grupo Segurador Banco do Brasil e MAPFRE, as empresas culturalmente não colocam o cliente como seu principal foco, apesar de ele ser seu principal patrimônio. “O atendimento não está em escala de prioridade, não há um empoderamento desses canais para que eles tenham autonomia de resolução, e, para o consumidor, parece que o meio de conquistar o que ele tem direito é na justiça”, pondera.
Eugenio Velasques, diretor executivo do Bradesco Seguros S/A, alerta que é preciso “adotar o consumidor”. “Começamos a adotar o consumidor de forma mais ativa, menos escondida na figura do corretor. Nossa ouvidoria é mediadora entre os conflitos, empoderada”, comenta.
Relações transparentes
Um ponto importante foi levantado por Renato Cuenca, Executive Manager da TIM Celular. Para ele, há uma crise de credibilidade, é importante construir relações de confiança com o cliente e, para tanto, é preciso mudar a cultura. “Acredito que as empresas resolvem aquela situação tópica, mas perdem a oportunidade de resolver de modo aprofundado, porque não veem a experiência como um todo, não analisam a raiz do que incomodou o cliente. É preciso observar a dinâmica que pode suscitar essa e outras demandas do cliente”, diz.
Ele continua lembrando que o mercado de Telecom é dinâmico, inovador, competitivo, regulamentado, mas precisa enfrentar a questão da comunicação dos contratos de maneira clara. “O cliente não conhece o produto. Ele está mudando, saindo de voz para dados. O desafio é comunicar adequadamente o que ele está comprando. Se isso acontece na hora da venda, dá para sustentar a relação”, afirma Cuenca.
Por fim, Paulo Pompilio, diretor de relações corporativas do GPA, lembra que atender bem o cliente é fundamental não só para evitar processos, mas por uma questão de concorrência. “Vale a pena sim atender bem ao cliente, porque hoje a concorrência tá na sua cara. Por mais que não reclame, o consumidor troca de canal. É nosso dever fazer o pós-venda melhor. Vejo com otimismo o diálogo para isso”, completa.
O que fazer para evitar a judicialização excessiva?
Na segunda rodada do debate, essa importante questão foi levantada por Ricardo Morishita. “Imagino que cada ação pague mais ou menos 2500 reais. Ou seja, vemos que ela não melhora a vida das pessoas, gera um custo, demora para ter resultado. Ou seja, o ideal é evitar. Mas como?”, questionou.
“Várias coisas podem ser feitas. A primeira é as empresas optarem por canais preliminares, começando pelos seus canais de atendimento. O Consumidor.gov.br é uma oportunidade de ouro. Se, eventualmente, chegar a Procon, que se resolva nos canais preliminares”, indica Claudia Silvano. Para ela, se essas oportunidades forem perdidas, o caso já começa a ficar grave. “Tirem os crachás, se coloquem na condição de consumidor. Fazer o certo não tem preço”, pede a diretora.
“É preciso mesmo ter a humildade de se colocar no lugar do consumidor”, concorda Claudia Pires Rodrigues Wharton. “Ele é hipossuficiente, não entende todas as regras e leis vinculadas. A ideia é admitir as falhas, mas mostrar que temos buscado entender a causa, para que não se repita”, completa.
Ouvir o cliente, em todas as esferas
Para Eugênio Velasques, a indústria seguradora tem que prestar contas primeiramente ao consumidor. “No SAC, temos cerca de 80 mil ligações por mês, das quais 37% são reclamações num primeiro momento e mais 27% são reclamação em segundo momento (ligações que começam com uma informação e viram reclamação). Temos que ver onde está a consciência de exercer nosso papel de gestor, em nome do consumidor, de maneira correta”, alerta.
Renato Cuenca, da Tim, focou na importância da questão da mediação. “A solução passa por isso. É importante resolver as questões com atendentes especializados, com capacidade de fazer uma conciliação. Isso impede o processo de continuar, o que representa alto custo. Essa prática positiva a TIM está implementando”, revela.
O Executive Manager completa sua participação com um elogio ao Consumidor.gov.br, que traz o conceito de mediação em sua essência, e lembra da importância de ouvir o cliente, inclusive pela presença dele em conselhos consultivos. “É bom ouvir o cliente para ter mais informações para identificar sua demanda e trabalhar de forma preventiva. Isso é positivo para evitar que casos críticos avancem para uma esfera custosa que traz danos para a imagem da empresa e torna o cliente detrator da marca. Isso não tem preço para nenhuma organização”, conclui.
Desafio
No final do painel, Paulo Pompilio propôs um pacto como setor ao Procon, depois de lembrar que é muito importante se atentar ao contrato – o que está lá precisa ser entregue, esse custo é da empresa e não do cliente. “O setor supermercadista gostaria de ter um fórum de trabalho de antecipação de atritos. Uma forma de diminuir conflitos futuros é antecipar o problema e trabalhar como setor para resolver”, completa, propondo ao Procon que trabalhem juntos nesse sentido.
Aceitando o desafio, Claudia Silvano, do Procon, conclui: “o que a gente quer é resolver a vida do consumidor da melhor forma possível”.