A desastrosa gestão de recursos hídricos promovida pelas três instâncias governamentais em São Paulo, sobretudo o estado por meio de sua concessionária, leva a cidade a iminência de um desastre social nos próximos anos. Apesar das fortes chuvas de verão, os níveis dos principais reservatórios parecem estagnados, como já vinham alertando especialistas. Previ isso em um texto publicado em 1º de Outubro.
Caso não seja ampliada a oferta de água vinda de outras fontes ? diferentes das atuais ?, os reservatórios custarão muito para se recuperar. A demanda superou a oferta e as represas existentes se tornaram, por causa do estresse hídrico imposto pelas políticas públicas voltadas para o lucro, ineficientes. Esse fenômeno político/físico é bem conhecido do nordeste brasileiro, onde as represas secam rapidamente nos períodos nos quais mais precisam deles:
1- Com o reservatório seco, a água da chuva atinge um solo permeável. A água então infiltra para o lençol freático, sem que haja escoamento superficial (run off). A área de captura da água da chuva não é mais o grande espelho d?água anterior, mas a pequena área remanescente dos volumes mortos;
2- A recarga dos reservatórios pode ser feita pelo próprio fluxo dos rios. As chuvas recarregam o lençol freático e assim aumentam os fluxos de água das nascentes. O problema aqui é que esse não é um processo linear e nem imediato. Isso depende de muitos fatores, inclusive o desmatamento das regiões de cabeceira que impacta a capacidade de recuperação das nascentes;
3- O verão traz a chuva, mas também o calor e com ele a evaporação. Ou seja, boa parte da água que cai dos céus volta para a atmosfera rapidamente. Isso é natural, mas o baixo nível dos reservatórios acelera esse processo: o volume baixo significa diminuição da inércia de evaporação. Um volume de água maior tem uma taxa de evaporação muito menor em relação ao todo. A superfície exposta ao ar aumenta em proporção ao volume total de água quando o volume é baixo.
A recuperação desses reservatórios será difícil e a situação poderá ser dramática até a próxima estiagem. Avisos de especialistas sobre a má gestão não faltaram; vieram desde começo dos anos 2000, e discursos mais alarmantes, há um ou dois anos. Isso teria sido tempo suficiente para grandes investimentos se concretizarem.
As medidas tomadas e os planos emergenciais parecem vir tarde demais e ainda são tímidas demais. Para reverter o problema precisaremos de investimentos muito rápidos a valores estratosféricos. E isso se tornará pior a cada dia: o tempo continua passando sem que haja uma mudança verdadeira na gestão das águas aqui.
* Gabriel Kogan é arquiteto, formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e jornalista; desenvolveu mestrado em Gerenciamento Hídrico no UNESCO-IHE (Holanda), onde pesquisou as origens históricas das enchentes em São Paulo.
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