O ano de 2018 mal contou 10 dias e já vemos “analogias” e homenagens a um ano midiático e, por extensão, infelizmente considerado mítico: 1968. A revista Veja dedicou quase duas dezenas de páginas em sua edição inaugural do ano para demonstrar – no entender da publicação – as “fortes referências e influências de 1968” sentidas agora, 50 anos depois. Uma perda de tempo considerável e sem sentido.
Por que temos tanto apego ao passado, ainda mais considerando uma época na qual o Brasil exibia farta debilidade política, comandado como republiqueta de Bananas, ao sabor de uma ditadura que se escancarava depois de 4 anos atuando de modo um tanto envergonhado (conforme definição de Elio Gaspari, melhor biógrafo do período)? Mesmo em um plano maior, onde incluímos movimentos culturais expressivos – para aquela década – e também manifestações políticas de algum peso histórico – a Primavera de Praga e as revoltas estudantis na Alemanha e na França, 1968 foi um ano que, quando muito, marcou o início de uma mídia que faz da ampliação dos fatos uma regra de ouro e da espetacularização e do exagero seu alimento.
Não, não há nada em 1968 que devemos considerar relevante para compreender ou pensar 2018, salvo o registro histórico que nos faz ter a dimensão dos fatos e enquadrá-los no contexto adequado. Estamos em um ano diferente, social, política, cultural e economicamente falando. O Brasil de 1968 mal tinha 90 milhões de pessoas. Hoje, somos mais de 202 milhões, dos quais, 90% vivendo em áreas urbanas. Somos uma sociedade razoavelmente digital, enquanto há 50 anos, mal se contabilizavam rádios nos confins do país. Vivemos em uma democracia, repleta de novos problemas, a anos luz de distância de governos autoritários, esquizofrênicos, que mal disfarçavam sua falta de traquejo com a política e o contraditório.
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A sociedade hoje é mais atuante e tem voz, procurando acomodar e ser tolerante com todas as minorias, denunciando abusos e injustiças, coisas impensáveis 5 décadas atrás. O único traço que nos une a 1968, exceção a célebres personagens da época que ainda estão – felizmente – vivos e produtivos, é o limbo ideológico que nos aprisiona e nos faz reféns de uma polarização datada.
As ideias de nossa “esquerda” mais atuante politicamente são as mesmas do nada saudoso 1968: contrárias ao capitalismo de corte americano, inspiradas no bolchevismo tosco que hoje se fantasia de bolivarianismo do “século XXI”, e ainda imbuídas de uma “Missão superior” que conduzirá todos à Terra Prometida da fartura sem produção e investimento. O contraponto está justamente naqueles que guardam nostalgia do autoritarismo senil de 1968, vendendo uma ideia de “segurança” que desconhece por completo a realidade do Brasil de hoje, um país que está amarrado ao atraso e que tem medo de encarar o presente.
Uma boa ideia para 2018, ano de eleições e Copa do Mundo, de recuperação econômica e de muito debate acerca dos rumos que o país deve tomar, é enterrar 1968. Deixemos Daniel Cohn-Bendit e as pichações de “É proibido, proibir” para documentários e buscas do Google. Deixemos a Tropicália, Panis et Circensis, hippies, Flower Power, assassinatos de Bob Kennedy e Martin Luther King como fatos relevantes que ocupam seu lugar de direito na história. Deixemos o espírito juvenil de contestação como tendência sempre pronta a fazer barulho, a cada geração de modo diferente.
O momento é de olhar para frente, para o Brasil que queremos ser, que podemos ser daqui a 5 anos, preparando terreno para um país melhor e mais amigável e acolhedor em 2068. Temos problemas de sobra para perdermos tempo contemplando nostalgicamente um ano tão distante quanto 1968. É hora de trabalho e sacrifício. É o momento, sobretudo, de criarmos os fatos que possam fazer deste 2018 o ano em que nos livramos de um passado idealizado para sobrepujar as agruras do presente.