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Planos de saúde: cancelamento unilateral pode estar perto do fim

Planos de saúde: cancelamento unilateral pode estar perto do fim

ANS registra crescimento de 99% em reclamações sobre interrupções, e presidente da Câmara dos Deputados anuncia acordo com operadoras.

Sobre os cancelamentos unilaterais de planos de saúde realizados pelas operadoras recentemente, parece que haverá um desfecho em breve. Isso porque o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), informou no dia 28 de maio que chegou a um acordo com as operadoras de planos de saúde para suspender os cancelamentos injustificados relacionados a certas doenças e transtornos.

Em suma, a medida vem em resposta ao aumento significativo nas reclamações de consumidores sobre rescisões unilaterais dos planos de saúde nos últimos meses.

No X, antigo Twitter, Lira postou assim:

Tweet do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).

As queixas contra os planos de saúde

Segundo o Procon-SP, somente entre abril e maio deste ano, as reclamações ligadas a cancelamentos unilaterais dos planos de saúde aumentaram em 85%. Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aponta que no primeiro trimestre de 2024 houve um crescimento de 99% nessas reclamações. A comparação da autarquia foi feita em relação mesmo período do ano passado.

Atualmente, a legislação que regulamenta os planos de saúde coletivos permite cancelamentos. O grande problema está na diferença de tratamento jurídico entre os planos de saúde coletivo e individual.

“O plano de saúde individual não pode ser cancelado unilateralmente, mas apenas em casos de inadimplência ou fraude, mediante notificação prévia de 60 dias”, explica Stefano Ribeiro Ferri, especialista em Direito do Consumidor e Saúde, e assessor da 6ªTurma do Tribunal de Ética da OAB/SP.

Ferri comenta ainda que no tocante aos planos coletivos, esses podem sim ser cancelados de forma unilateral, também mediante prévia notificação de 60 dias. “Analogamente, se o beneficiário estiver internado ou em tratamento, ainda que seja coletivo o plano não pode ser cancelado, desde que o beneficiário esteja em dia com as mensalidades”.

Reunião com planos de saúde

O presidente da Câmara anunciou a novidade após uma reunião com representantes do setor de planos de saúde. Essa reunião foi para discutir o Projeto de Lei nº 7.419, de 2006, que trata da atualização da Lei dos Planos de Saúde.

Essa matéria agrupa 270 iniciativas legislativas que, em conjunto, têm o potencial de modificar toda a estrutura jurídica do mercado de saúde suplementar e flexibilizar as regulamentações para os planos de saúde. No entanto, sobre o acordo firmado com as operadoras, Lira não entrou em detalhes. Entretanto, a iniciativa de Lira pode reduzir a chance de abertura de uma CPI sobre o tema.

Nos próximos dias, o presidente da Câmara dos Deputados irá se reunir com órgãos e representantes no campo da defesa do consumidor.

“Fomos escutar a ANS, os setores que representam as empresas e as próprias empresas. Elas decidiram suspender o cancelamento unilateral dos contratos, a fim de que possamos sentar à mesa, estabelecer critérios, alcançar um texto equilibrado e resolver ou mitigar esses problemas que afetam a todos”.

CPI e notificações da Senacon

Wadih Damous, secretário Nacional do Consumidor.

No momento, o deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) já coletou 197 assinaturas para instalar a comissão de investigação na Câmara, sendo que eram necessárias 171 assinaturas. Além disso, na semana passada, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, notificou 16 operadoras e 4 associações do setor para prestarem esclarecimentos sobre os cancelamentos unilaterais de contratos.

O secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous considera inadmissível a crescente prática de cancelamentos unilaterais de planos de saúde. Em seu parecer, a prática expõe a vida e o bem-estar de milhares de consumidores, especialmente aqueles submetidos a tratamento contínuo.

Damous enfatizou que a Senacon está empenhada em garantir que as operadoras de saúde respeitem os direitos dos consumidores, assegurando transparência e segurança. Ele ressaltou ainda que estão sendo tomadas medidas rigorosas para combater esses abusos “e para que os beneficiários possam ter suas necessidades atendidas com dignidade e respeito”.

Judicialização no setor

Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), houve um aumento de 65% de novos processos na saúde suplementar entre os anos de 2020 e 2023.

Foto: Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Recentemente, a FGV/SP realizou um estudo, coordenado pelo professor Daniel Wang, com recorte no Estado de São Paulo. O material traz uma análise de todas as decisões de 1ª e 2ª instância do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) relativas a planos de saúde proferidas entre 2018 e 2021. As decisões foram divididas em três grupos.

Em primeiro lugar, estava a negativa de cobertura assistencial. Nesse caso, todas as decisões relativas a ações que questionam a recusa da operadora de saúde de ofertar um tratamento específico ao consumidor. Em segundo lugar, foram agrupados os casos de reajustes de mensalidade, com as decisões relativas a ações de usuários que questionam aumento na mensalidade de seus planos. E, por fim, o terceiro eixo diz respeito à “manutenção do contrato e suas condições”, apelidado de “contrato”. Ele abarca as decisões relativas a ações de usuários contra modificações ou a descontinuidade de seus contratos de plano de saúde.

As causas de litígios na saúde

Daniel Wang, especialista em judicialização na saúde.

De acordo com o pesquisador Daniel Wang, especialista em judicialização na saúde, os dados revelam que a recusa de cobertura assistencial é a principal causa de disputas judiciais envolvendo planos de saúde em São Paulo. Essa questão representa mais da metade das decisões tomadas nas duas instâncias. Por outro lado, as disputas relacionadas a reajustes de mensalidade e manutenção de contratos são menos frequentes, embora ainda sejam responsáveis por um número considerável de decisões.

Entre 2018 e 2021, o TJSP proferiu 205 mil decisões relativas a planos de saúde na 1ª e 2ª instância. Isso equivale a uma média de 50 mil decisões por ano, versando a maioria sobre cobertura assistencial. Ademais, em 80% das demandas judiciais de 1ª instância relativas a cobertura assistencial aos pedidos são deferidos. Enquanto nas ações envolvendo questões contratuais, esse índice cai para 60%, e fica em 41% nos casos sobre reajuste.

Nat-jus

Em apenas três de 600 casos na 2ª instância, há informação de que foi realizada perícia judicial. Entretanto, o Tribunal informa que a perícia deveria ocorrer em nove casos.

O mais curioso é que em nenhum deles há menção de parecer do Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário, conhecido como “Nat-jus“. Importante destacar que esse setor fornece às varas e câmaras do Tribunal notas e respostas técnicas embasadas cientificamente que auxiliam na análise de pedidos relacionados a procedimentos médicos e fornecimento de medicamentos.

Em decisões de 2ª Instância relacionadas à negativa de cobertura e reajuste, o TJSP fundamenta suas decisões sobretudo na sua própria jurisprudência (56% dos casos). Já as decisões alicerçadas no Código de Defesa do Consumidor (CDC) correspondem a 42%. Isso é mais do que na Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde), com 23%.

Importância do Rol da ANS

Glauce Carvalhal, diretora jurídica da CNSeg.

Glauce Carvalhal, diretora jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), explica então a importância do funcionamento do Rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para os consumidores. “A regulamentação garante que eles possam usufruir de um conjunto mínimo de serviços essenciais. Isso evita que as operadoras excluam de maneira arbitrária ou neguem coberturas importantes”.

Glauce Carvalhal destacou os critérios principais considerados no Rol de Procedimentos da ANS. Entre eles estão:

  • A existência de evidências científicas que comprovem a efetividade dos novos tratamentos; a avaliação dos impactos econômicos;
  • Os efeitos na melhoria da qualidade de vida e no aumento de sua duração;
  • A superioridade em relação aos tratamentos já existentes;
  • Além das metodologias reconhecidas internacionalmente e pelo SUS para sua incorporação.

Ela também ressaltou que muitos países utilizam mecanismos semelhantes ao Rol da ANS. Com efeito, entre eles estão Estados Unidos, Inglaterra, Escócia, Itália, Alemanha, Suíça, Portugal, Espanha, Coreia do Sul, Japão, Austrália, Canadá, México, Colômbia e Argentina. “O que demonstra a eficácia desse modelo”.

Rol X Judicialização

Para Carvalhal, o Rol de Procedimentos é um documento em constante evolução, pois ele transforma incertezas em riscos minimamente previsíveis, calculáveis e controláveis. Ele concilia o conhecimento técnico com a viabilidade econômica dos planos individuais e coletivos, além de reduzir comportamentos oportunistas.

Ademais, o Rol simplifica a escolha do consumidor e promove a segurança e proteção do paciente. “Em outras palavras, apenas os procedimentos com segurança comprovada e resultados clínicos mais eficientes são incorporados”, explica Carvalhal.

Os depoimentos de Glauce Carvalhal e a apresentação da pesquisa da FGV/SP foram concedidas durante o 1º Seminário de Desjudicialização da Saúde. O evento ocorreu em maio de 2024, em São Paulo.

Para acessar o Seminário, na íntegra, basta clicar no link ao lado: I SEMINÁRIO DESJUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE.

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