No mês passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um julgamento que de tão importante ganhou o apelido entre os juristas de “A tese do século”. Em suma, empresas foram à Justiça para discutir se o PIS/Cofins, que é um imposto federal, poderia ser aplicado sobre a base de faturamento da empresa o que inclui o valor pago anteriormente em ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços), que é estadual.
Em março de 2017, o STF entendeu que a incidência é ilegal, portanto, o correto seria cobrar o PIS/Cofins sobre produto ou serviço já sem o ICMS. No entanto, a decisão não colocou um ponto final na cobrança que já ocorre há aproximadamente 20 anos.
Antes da decisão do STF, algumas empresas obtiveram decisões favoráveis na Justiça (inclusive no próprio Supremo) para reaver o que foi cobrado indevidamente pela União. Na mesma decisão de março de 2017, o STF reconheceu às decisões julgadas anteriormente e alongou ainda mais o debate: afinal, será que todo mundo teria o direito de reaver antes de 2017 o valor cobrado pelo governo federal?
Em maio deste ano, o mesmo STF respondeu a essa pergunta. A maioria dos ministros entendeu que a devolução antes de 2017 caberia apenas àqueles que questionaram o valor na Justiça antes do julgamento do STF. Quem ingressou depois, a data inicial de contagem do direito é contado a partir de 2017.
Entre os motivos que levaram o STF a impor uma data limite, há o risco de rombo dos cofres públicos em caso do pagamento do retroativo anterior a 2017. A Procuradora Geral da Fazenda Nacional (PGFN) chegou a estimar o montante a ser devolvido em R$ 258,3 bilhões.
Mas o que tudo isso tem a ver com o consumidor? Na realidade, há quem defenda que o contribuinte/cliente seria o maior beneficiado sobre os pouco mais de R$ 250 bilhões. Durante anos, foi ele quem pagou o imposto que foi incluído no preço final do produto ou serviço. A máxima é tão verdadeira que a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) discute a possibilidade de devolver esse valor na conta de energia para o consumidor.
Um dos que acreditam nessa tese é Eliseu Martins, um dos maiores contabilistas do País, professor da USP e diretor da Comissão de Valores Imobiliários (CVM). Sobre o assunto, ele concedeu a seguinte entrevista para a Consumidor Moderno:
Consumidor Moderno – O senhor poderia explicar como seria a devolução para o consumidor do PIS/Confins que incidiu sobre o ICMS?
Eliseu Martins – É simples. Se existe um imposto sobre a venda, principalmente sobre o preço de venda, a empresa vai ter direito a repor (o que foi pago indevidamente).
Primeiro, eu quero dizer que é uma grande injustiça social o uso desse mecanismo (decisão do STF). As empresas estão reavendo (esse dinheiro) em muito mais do que de fato pagaram. Isso, para mim, é inaceitável. Quando o comerciante vende qualquer coisa por R$ 1 mil, por exemplo, existem os R$ 180 de ICMS a ser pago ao estado de São Paulo, aqueles 18% que aparecem na nota (fiscal). Mas não é isso o que ela realmente recolhe. Na verdade, esses R$ 180 representa tudo o que foi recolhido ao longo de toda a cadeia produtiva. Então, ele calcula da seguinte maneira: R$ 180 que aparece na nota menos os R$ 90. No fim, ele recolhe R$ 90 (a mais). As empresas pegam o dinheiro de volta e mais um “trocadão”.
Eu não consigo entender como um Supremo Tribunal Federal (STF) consegue fazer isso. Cada um na cadeia tem que receber a sua parte de fato. A prática brasileira é incluir na nota fiscal o valor final/total do imposto, mas não é o que a empresa recolheu.
CM – E como deveria ocorrer de fato?
E.M – Se olharmos a questão sob o ponto de vista da economia, temos que observar quem pagou de fato esse imposto a mais. Eu entendo que foi o consumidor, e não a empresa. A empresa recebe do consumidor os R$ 1 mil, pega R$ 90 e recolhe para o governo. Ela é uma intermediária entre o efetivo pagador, que é o consumidor final. Tanto isso é verdade que isso (valor) não é incluído contabilmente e muito menos existe no conceito de receita da empresa. A receita líquida exclui esse imposto sobre os quais ela é uma mera intermediária. Então, é o consumidor quem pagou.
CM – Então, a saída seria devolver esse dinheiro para o consumidor?
E.M – O que estou defendendo de fato? Devolver para o consumidor é impossível. Então, que não se devolva esse valor e ponto. E por quê? Se eu devolver os R$180 indevidamente para uma empresa que deveria ganhar R$ 90, quem vai pagar esse imposto a ser devolvido é o contribuinte de novo.
O contribuinte já pagou o imposto quando ele comprou. O contribuinte vai pagar R$180 para o Estado, que, por sua vez, vai devolver para a empresa. Então, o governo deveria chegar nas empresas e dizer: daqui pra frente, você não vai pagar mais. Acabou. No entanto, ele deram o direito ao retorno para as empresas que reclamaram na Justiça e que tinham uma decisão transitada e julgada.
Quem entrou na Justiça e conseguiu a decisão, vai receber o dinheiro de volta. Quem não entrou antes de 2017, não tem o direito de receber. Então, além de fazer o consumidor pagar mais uma vez o valor, você está fazendo com que essa divisão seja injusta. As empresas maiores, que tomaram iniciativa, pagaram advogado e fizeram de tudo, esses vão levar mais do que pagaram. E as outras que não entraram na justiça, ou não chegaram a ter sentença nenhuma na justiça, não tem o mesmo direito?
CM – Caso o dinheiro fosse devolvido ao consumidor antes de 2017, qual seria o valor estimado?
E.M – Ninguém sabe. O próprio IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) fez uns cálculos há alguns anos. Mas é lógico: se ele (IDEC) tiver dúvida, ele vai optar pelo valor maior. Mas também pode ser o contrário. É possível que a mesma entidade peça um valor menor para não assustar (o governo). A empresa tende a dizer que o valor é menor para não assustar o governo. Os cálculos que eu tenho visto mais recentemente giram ao redor dos R$ 250 bilhões (mais precisamente R$ 258,3 bilhões, segundo estimativas da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, a PGFN), mas eu não tenho a condição de avaliar se esse número está correto ou não. Mas você veja: quanto foi de dinheiro para a pandemia? Para pandemia foi algo perto dos 500 bilhões.
CM – Mas, então, qual seria a decisão perfeita, segundo a sua perspectiva?
E.M – Eu acho que a decisão perfeita seria não devolver, pois não há como devolver de uma maneira justa. Não se devolve. Quem pagou, pagou. Paciência! Vamos nos concentrar daqui para frente, mas abriram a exceção para aquelas empresas porque existem outras decisões do STF no passado e daí fizeram isso.
No entanto, a pior decisão teria sido: todo mundo que pagou entra agora na justiça e recebe. Aí seria um caos. Então, a decisão não chegou a ser ruim, mas foi injusta por esses pontos que eu te falei.
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