Todos os dias pela manhã, o empresário Flávio Del Nero acorda com um pão quentinho sobre a sua mesa. Detalhe: a cada dia, vem de uma padaria diferente. Isso acontece porque Del Nero é o principal responsável por gerir as estratégias de expansão da padaria Dona Deôla, que tem 21 anos de existência e 20 pontos de venda espalhados por São Paulo. Para saber se o produto de todas as filiais está com qualidade condizente ao histórico da padaria, ele precisa degustar os pães diariamente.
Este tipo de comportamento de Del Nero está longe de ser uma exceção no mercado de padarias. O setor é conhecido por ser pulverizado regionalmente e com a forte presença do padeiro, que geralmente é o dono do negócio e, as vezes, da própria receita dos produtos. As unidades, geralmente, são de bairro e sem nenhuma conexão com outros estabelecimentos. São raros os exemplos como o da Dona Deôla, que ultrapassam uma ou duas unidades em funcionamento.
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Mesmo sendo um setor formado, principalmente, por pequenos e médio empresários, as padarias continuam movimentando cifras bilionárias ano após ano. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Panificação (ABIP), o faturamento nacional do setor foi de R$ 84,7 bilhões no ano passado. E esse número não foi maior por conta da crise econômica recente do País. Somente em 2017 as padarias apresentaram uma queda real de 3%.
Apesar da retração, o número de padarias espalhadas pelo Brasil continua alto. De acordo com a ABIP, são 63,2 mil padarias. Ou seja, o faturamento bilionário somado à quantidade de lojas faz brilhar os olhos de diversos investidores, que enxergam uma oportunidade grandiosa no setor.
O maior exemplo dessa cobiça financeira foi a aquisição da padaria Benjamin Abrahão. Os fundos Península, do empresário Abilio Diniz, e o Innova Capital, que tem Jorge Paulo Lemann como um dos cotistas, fizeram a compra em agosto de 2015. Isso logo chamou a atenção de todos: por que dois dos homens mais ricos do Brasil colocaram o dinheiro em uma padaria?
Esta pergunta vem sendo respondida aos poucos. A meta do Benjamin, que perdeu o sobrenome nesta nova fase, é ambiciosa: ser “a maior rede nacional de padarias”. Até 2020, a ideia da companhia é ter 500 pontos de venda da Benjamin no Brasil, sendo 150 em São Paulo. A missão é ousada, mas até agora a expansão vem sendo lenta. Desde a compra, a rede saiu de sete para 12 unidades, entre lojas de ruas e quiosques em shoppings e universidades em São Paulo.
Neste ano, uma grande mudança foi vista na companhia. A família Abrahão, que continuava tocando o negócio juntamente com os investidores, saiu da sociedade. Felipe Abrahão, neto do falecido fundador, que dava nome à padaria, cuidava da produção desde 2001 e também se desligou. Por isso, o mercado observa atentamente os próximos passos da rede.
Investimentos além de Abílio e Lemann
A compra da Benjamin ajudou a acender o alerta dos investidores: se dois dos homens mais ricos do Brasil pensam em ganhar dinheiro, por que não colocar o meu nessa jogada? Por isso, assédios a redes começaram a ser recorrentes. Del Nero, da Dona Deôla, afirma que recebe assédios de investidores para auxiliar na expansão da empresa. Se vier uma boa proposta, ele vende. Mas nada, até agora, seduziu a família Mirandez – Del Nero é casado com Vera, uma das sócias do negócio juntamente com os irmãos Armando e Antônio.
Por isso, a Dona Deôla decidiu expandir as padarias com o próprio bolso. Atualmente, dos 20 pontos de venda, seis são padarias convencionais, que também funcionam como um centro de distribuição para as outras lojas. As outras quatorze estão divididas em quiosques em hospitais e unidades localizadas dentro de companhias, como Odebrecht e a multinacional Reckitt Benckiser.
O que dificulta a expansão de maneira mais acelerada da Dona Deôla é a questão logística. Uma padaria, como se sabe, é uma indústria em tamanho reduzido. Logo, encontrar espaços em São Paulo, cidade em que a empresa quer focar a expansão, está cada vez mais difícil. Por isso, a tônica do crescimento será a abertura em espaços locados dentro de outros estabelecimentos.
Tudo isso, segundo Del Nero, para os produtos não perderem o frescor da padaria. Ele diz isso por um simples motivo: a Dona Deôla não quer apostar em produtos congelados ou semi-congelados para fazer o negócio fermentar. Houve até uma tentativa, mas o resultado não foi satisfatório. Ou melhor: o sabor não convenceu.
“O cliente que procura uma padaria quer produtos sempre frescos e ele percebe quando algo é congelado”, afirma o empresário. Esse tipo de prática, no entanto, vem estimulando outros players no mercado.
Pão com franquia
A empresa paulista Pão To Go pensa diferente. Aliás, a própria companhia surgiu com uma proposta distinta. Em 2013, o fundador Tom Ricetti percebeu que existia um mercado nada explorado: o drive-thru de pão quentinho. Afinal, em diversos momentos, um cliente só quer pegar alguns pães e voltar correndo para casa e o trabalho.
A procura por uma vaga de estacionamento, por exemplo, poderia desestimular o consumo. Foi dessa maneira que a empresa, que hoje tem 31 lojas, nasceu. Mas com o tempo, Ricetti percebeu que também havia clientes procurando um espaço para relaxar e tomar um café. Logo, novos modelos, como cafeterias e quiosques, precisaram ser criados.
De fato, espaços para refeições e pequenos lanches se tornaram uma fonte de receita imprescindível para esse setor. De acordo com um estudo feito pela consultoria ECD Food Service, os produtos de panificação representam somente 36% do faturamento total das padarias no País.
Em algumas praças, como São Paulo, esse percentual cai para 27%. “Essa multicanalidade ajuda as padarias a sobreviverem em períodos de crise”, afirma Enzo Donna, fundador da ECD Food Service. “Mas ainda há um espaço muito grande para aumento de eficiência.”
A forma encontrada pela Pão To Go foi apostar em franquias e nos produtos congelados. Apenas 4 das 31 lojas que levam a bandeira da companhia são próprias – e a meta é abrir 50 novas franquias no ano que vem. A respeito dos produtos congelados, Ricetti afirma que é a única forma de se conseguir fazer a expansão sem perder a qualidade – e ele garante que tem muita qualidade.
O cliente, de acordo com o empresário, não consegue perceber a diferença e gosta do produto. “Temos um grande desafio logístico, pois há uma área de operação que também é responsável por toda a distribuição”, diz Ricetti, que confirma que o negócio e lucrativo. E adivinhe: fundos estão de olho na Pão To Go.
O foco é a educação
Não é só o varejo, no entanto, que tenta transformar o setor. Parte da indústria de panificação, especialmente dos fabricantes de ingredientes, aposta em produtos e até mesmo em treinamento para aumentar a eficiência. É o caso da Puratos, indústria belga especializada em panificação.
Em 2014, a companhia investiu R$ 60 milhões em uma fábrica na cidade de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo. Entre os produtos da companhia estão misturas em pó para pães e doces e geleias.
O Brasil é peça chave para a meta da companhia de alcançar um faturamento de € 2 bilhões até 2020. Mas, ao chegar no País, a empresa encontrou um setor pouco eficiente e, como dito, muito pulverizado, o que dificultava o contato com os padeiros. Para entender melhor o mercado, a companhia europeia decidiu fazer pesquisas. Alguns números chamam a atenção, especialmente ligados à mão de obra.
Em países europeus, como a Alemanha, é necessário ter uma especialização para exercer a profissão de padeiro. Uma espécie de curso técnico. No Brasil, apesar da existência de treinamentos similares, apenas 17% dos profissionais possuem algum tipo de certificação.
“A grande maioria dos padeiros são aqueles ‘de olho’, que aprenderam com a prática”, diz João Ribeiro, diretor de marketing da Puratos.
Por isso, a empresa trabalha com distribuidores e padeiros para profissionalizar o setor. De acordo com Ribeiro, ensinamentos práticos ajudam as padarias a ter melhores resultados. Exemplo: alguns produtos específicos podem ter a massa preparada e conservada por uma semana antes de assar, otimizando várias horas do tempo dos padeiros. E recheando o bolso dos proprietários.
Trabalho similar faz o Instituto do Desenvolvimento da Panificação. A instituição, que faz parte da SAMPAPÃO, Sindicato e Associação dos Industriais de Panificação e Confeitaria de São Paulo, tem uma escola totalmente voltada para a formação de novos padeiros. Iniciada em 2002, oito mil profissionais, até agora, foram qualificados – boa parte deles com bolsas de estudo.
Pãozinho? Vai lá no posto Ipiranga
Todos estão de olho nas oportunidades, sem exceção. Prova disso é o avanço de lojas de conveniência nesse mercado de padarias. Segundo o pensamento dos investidores, as pessoas querem pão de maneira fácil e rápida. Se der para abastecer o carro, melhor ainda. A am/pm, rede de lojas de conveniência do Grupo Ultra, que controla os postos Ipiranga, pode ser considerada também a maior rede de panificação do Brasil.
Das mais de 2,2 mil unidades da am/pm, 740 possuem o serviço de padaria. E a intenção é aumentar esse número exponencialmente. “O posicionamento de “Posto Completo” do Ipiranga coloca em prática o modelo de varejo de proximidade, de loja de vizinhança e, cada vez mais, de mini-mercado do bairro, o que encanta e fideliza o cliente”, afirma Marcello Moneró, gerente executivo da am/pm. Os produtos chegam congelados e são distribuídos com logística própria do Grupo Ultra, o que reduz e muitos os custos com a área.
As lojas de conveniência, aliás, ameaçam muito as padarias, segundo Antero José Pereira, presidente da SAMPAPÃO. “Qualquer lugar que venda um pãozinho tira um pedaço do nosso mercado”, diz ele. “Por isso, temos que nos reinventar sempre.”
Mercado premium
Um exemplo dessas mudanças é o aumento de boulangeries, como são chamadas as panificadoras à moda francesa. A palavra, aliás, significa padaria, em francês. Pães fermentados por horas (ou até mesmo dias) resultam em um alimento de maior valor agregado. Os estabelecimentos também recebem o glamour necessário para chamar a atenção das classes mais abastadas.
E estes pães estão chegando na mesa dos mais endinheirados. Alguns deles chegam a ultrapassar os R$ 50 por quilo. Outras pessoas, inclusive, estão fazendo pães em casa e anunciando nas redes sociais.
“Isso, no entanto, é algo com que lutamos contra, pois é como produzir na clandestinidade”, afirma Pereira. “Precisamos cobrar o pagamento de impostos por todos os participantes do mercado.”
Smart Fit das padarias
O setor de padarias se assemelha muito ao de academias: negócios familiares e muito regionalizados. Cada um com suas características singulares. Por conta disso, muitos enxergavam uma dificuldade muito grande para se expandir ao de academia: um negócio caro, por conta do investimento em aparelhos, e pouco expansível.
Em meio a esse pensamento, surgiu a Smart Fit, controlada pelo grupo Bio Ritmo. A ideia foi reduzir custos como salários de professores e apostar em academias de ginásticas bem equipadas e com custos competitivos com as academias de bairro. Deu certo. A marca está em expansão forte por todo o Brasil e América Latina.
Segundo Enzo Donna, da ECD Food Service, o setor de padarias também vem procurando um modelo que seja rápido de expandir e ele acredita que, em breve, teremos uma rede nacional de padarias.
Para ele, quem conseguir aliar os produtos semi-prontos a uma expansão que consiga aliar experiência e qualidade vai sair na frente. Desta forma, diz Donna, será questão de tempo surgir uma verdadeira “Smart Fit das padarias”. É o que esperam clientes e investidores. As apostas começaram e todos estão de olho.