O iPad foi apresentado ao mercado brasileiro como uma espécie de “prancheta digital”. No agora longínquo ano de 2010, época em que o fundador da Apple, Steve Jobs, apresentou o aparelho, o termo tablet não era nada conhecido por aqui. No momento do lançamento, inclusive, piadas foram feitas sobre o aparelho: muitos o chamavam simplesmente de “iPhonão”.
O desconhecimento e as sátiras, no entanto, não evitaram que o produto rapidamente caísse no gosto popular no País. O ápice aconteceu em 2014, quando foram vendidos 9,5 milhões de aparelhos. De lá para cá, contudo, foi queda livre.
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Para se ter uma ideia, no ano passado, foram comercializadas apenas 4 milhões unidades. Uma queda de 57,9% em comparação ao apogeu. Muitos poderiam culpar a crise econômica para justificar a queda de vendas no Brasil. De fato, ela ajudou. Mas as vendas apenas traduzem movimento similar que é visto em todo o mundo.
Um grande exemplo é a própria Apple. Se foi ela a responsável pela criação deste no mercado, agora ela não o enxerga como fundamental para o seu crescimento. Ao contrário. Para se ter uma ideia da queda, em 2013 foram vendidos 71 milhões iPads em todo o planeta. Já no passado, a Apple comercializou apenas 20,6 milhões. Como bem se base, o motor das vendas da companhia fundada por Jobs continua sendo o iPhone.
Seleção natural
Todo mercado que cresce a duplo dígito atrai os olhos da concorrência. Com os tablets não foi diferente. O aumento das vendas puxadas pelos tablets da Apple e de outras multinacionais como Samsung e Lenovo, chamou a atenção da indústria brasileira. Logo, diversas companhias locais passaram a atuar para abocanhar uma fatia de um mercado bilionário. O problema é que a qualidade não acompanhou.
Diversas fabricantes começaram a apostar no público infantil. Logo, diversos tablets direcionados para crianças passaram a inundar as prateleiras de lojas de eletrônicos e de varejistas de brinquedos. “Houve uma grande infantilização do mercado”, diz Wellington La Falce, analista da IDC Brasil. “E essa faixa etária acabou se tornando o mais importante para a indústria brasileira.”
Isso aconteceu, segundo La Falce, porque os pais preferem iniciar os filhos na tecnologia por meio de tablets, mais fáceis de controlar, do que por smartphones. Ao mesmo tempo, houve queda nos preços dos aparelhos nacionais – o que não aconteceu com os produtos importados, como os iPads.
Esse movimento ficou expressivo na distribuição da participação de mercado em volume no País. Enquanto a Apple tem menos de 1% de marketshare, as companhias brasileiras Multilaser e DL lideram com praticamente 60% de todo o mercado. A Samsung aparece em terceiro com cerca de 20%.
Uma empresa que também preferiu deixar um pouco de lado esse mercado canibalizado foi a Positivo. Um dos motivos foi o crescimento dos “phablets”, smartphones de telas entre 5.7 e 7 polegadas. “Com smartphones apresentando telas cada vez maiores, os consumidores preferem os celulares de tela grande aos tablets”, diz Cinthya Ermoso, gerente de Produtos da Positivo Tecnologia.
A estratégia adotada pela companhia foi apenas vender produtos sob encomenda. Agora, somente os pedidos dos varejistas são atendidos, sem um investimento maior no ponto de venda ou incentivo à produção. Uma área que a companhia ainda está de olho nesse mercado, no entanto, é o educacional. “Principalmente através de pesquisa em escolas e instituições de ensino, que mostram o quanto os tablets são bem aceitos entre alunos de 8 a 14 anos”, diz Cinthya. Por isso, licitações públicas podem ser um caminho adotado pela indústria.
Mais sofisticação à vista
A Samsung, que domina o mercado de smartphones no Brasil com cerca de 50% de participação, tem voltado a observar melhor os tablets. A companhia sul-coreana decidiu partir para o segmento premium. Tablets acima de R$ 800 foram os escolhidos pela a empresa. Um dos exemplos dessa investida foi o lançamento do Samsung Galaxy Tab S3, um tablet de 9,7 polegadas e processador Snapdragon 820, ao custo de R$ 3 mil.
Para Antônio Quintas, vice-presidente da divisão de dispositivos móveis da Samsung Brasil, essa mudança de rota aconteceu por conta de mudanças de comportamento do consumidor e readequação das expectativas do mercado. Segundo ele, o tablet nasceu para ser um produto individual, tal qual o smartphone.
Com o tempo, entretanto, foi se mostrando que o tablet passou a ser um produto como o computador, que seria dividido entre os familiares e algo mais voltado para o entretenimento. “Por conta disso, a troca dos produtos acaba acontecendo de maneira mais lenta”, afirma Quintas. “Mesmo assim, eles vão querer produtos com qualidade muito superior ao modelo anterior.”
A Apple, por sua vez, lançou um produto mais barato. O “iPad”, sem sufixos “Pro” ou “Air”, veio para ser um tablet de entrada. Mas, como tudo que é Apple, o preço deve ser bem salgado no mercado brasileiro. Ao mesmo tempo, também vem atualizando a suas versões premium. Por isso, em junho, a Apple anunciou os modelos de 10,5 polegadas, inédito até então, além de novidades tecnológicas no iPad Pro de 12,9 polegadas.
Bolha tecnológica
Com produtos ultrapassando os R$ 2 mil, é esperado que o mercado de tablets volte a se recuperar, pelo menos em faturamento. Em volume, contudo, vai ser algo praticamente impossível. De acordo com La Falce, da IDC, o mercado pode ser comparado com uma bolha que estourou.
“Teve uma empolgação muito grande, que não se sustentou”, afirma ele. Já para este ano, é esperada uma estabilização nas cifras movimentadas. Uma notícia e tanto para um setor que almejou ter uma importância tão grande quanto dos smartphones.