A pretensão resistida é um artifício usado por alguns juízes sob o argumento de poderia evitar a judicialização das relações de consumo no País – justamente um dos assuntos que mais demandam o judiciário. Na prática, funciona a assim: o consumidor é “convidado” a buscar um acordo amigável antes de processar a empresa na Justiça.
Ocorre que a pretensão resistida não é uma regra, portanto nem todo juiz utiliza esse artifício. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG), no entanto, quer mudar essa realidade. Por meio de um projeto de lei, ele quer obrigar o consumidor a tentar um acordo com a empresa antes do ingresso de uma ação na Justiça. Nesse caso seria obrigatório mesmo.
O assunto não agradou a Ordem dos Advogados do Brasil, que lançou nesta segunda-feira (31) a campanha “Acesso Pleno à Justiça – OAB em Defesa da Liberdade do Consumidor“. O objetivo da iniciativa é justamente contestar a exigência de que consumidores devem reclamar nos canais de atendimento de fornecedores de produtos e serviços como requisito para entrar com um processo judicial contra empresas – o que alguns definem como pretensão resistida.
“A exigência de reclamação administrativa prévia ou uso dos SACs como requisito para o recebimento da ação judicial é incompatível com o sistema de proteção e defesa do consumidor e com o direito de acesso à Justiça do consumidor lesado, constitucionalmente assegurado. Precisamos lutar contra isto a favor não só dos consumidores, mas da própria advocacia”, disse a presidente da Comissão Especial de Defesa do Consumidor, Marié Miranda.
Mariè defendeu o uso de meios alternativos de conflitos, porém afirmou que ele deve ser opcional. “A OAB é a grande apoiadora dos meios alternativos de resolução de conflitos nas relações de consumo. Entretanto, como fiel cumpridora da Constituição Federal e ciente das normas de Estado emanadas dela, não aceitará o desvirtuamento de nenhum direito e garantia fundamental que limite a proteção do consumidor”, completou ela.
Defesa da liberdade do consumidor
A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, assinalou a importância da discussão do direito do consumidor e do acesso pleno à Justiça em defesa da liberdade do consumidor. “Nas discussões que tínhamos na OAB, que é um pouco a minha casa, desde sempre e para sempre, naqueles idos da década de 80, pensávamos em três elementos do mesmo cenário de uma cidadania plena: direitos sociais, direitos da cidadania e direitos do consumidor. Por isso, os direitos do consumidor foram incluídos como direitos fundamentais”, lembrou a ministra.
O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins, destacou a importância do acesso à Justiça. “Este debate é triplamente importante porque discute um dos temas mais essenciais para todos os operadores do direito e para a cidadania, amparado na nossa Constituição Federal: o acesso pleno à Justiça. Trata ainda da liberdade do consumidor, esse direito básico expresso no Código de Defesa do Consumidor. Lembrando que a defesa do consumidor é consagrada nos artigos 5º e 170 da Constituição cidadão de 1988. Envolve também a participação da OAB, cujo compromisso institucional é a defesa da sociedade, em especial quando houver violação dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição”, afirmou o presidente do STJ.
A campanha Acesso Pleno à Justiça – OAB em Defesa da Liberdade do Consumidor abordará as ameaças ao pleno acesso à Justiça, direito e garantia fundamental. O tema, como se sabe, sequer pode ser objeto de Emenda Constitucional. Na avaliação da entidade, a limitação de acesso pleno do consumidor ao Poder Judiciário e a imposição de arbitragem são ameaças a esses direitos constitucionais, inclusive conduzida por entes privados, para resolução de conflitos nas relações de consumo.
Pesquisa e outras pautas
Uma recente pesquisa produzida pelo Ministério Público de Minas Gerais em parceria com a FIPE pode, inclusive, ser o fiel da balança sobre o tema da pretensão resistida. Uma das conclusões é que o consumidor procura, sim, as empresas para resolver os seus problemas. Pior: na média, ele procura a companhia em até quatro oportunidades, sendo que nem sempre o problema é resolvido.
O estudo foi citado na live de lançamento de campanha da OAB, assim como outros assuntos que devem ser incorporados na campanha. Uma delas, por exemplo, foi a revisão do decreto do SAC. A minuta está com a Senacon e, entre outras coisas, regula canais digitais, transfere para as agências reguladoras a definição de tempo de espera no atendimento por telefone e muito mais. A própria condução da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) foi algo de algumas críticas.
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