Um tema tem chamado a atenção de juristas nos recentes debates sobre a recém-aprovada lei do superendividamento – norma inserida dentro do Código de Defesa do Consumidor (CDC): é o chamado mínimo existencial.
De acordo com a lei, superendividamento é a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”. Mas o que exatamente a lei quis dizer com “mínimo existencial?
O mínimo existencial
Por enquanto, a própria lei do superendividamento não é capaz de responder sobre o significado do mínimo existencial. No entanto, a própria norma prevê a necessidade de uma regulamentação sobre o tema no futuro.
No entanto, isso não significa que o mínimo existencial já não exista no direito brasileiro. E a ideia é bem simples de entender.
Pense, consumidor, o quanto você ganha por mês e qual o destino desse dinheiro. Muito provavelmente tem gente que dirá alimentação, saúde, educação e moradia. E é exatamente o que significa o mínimo existencial: as contas básicas da vida do consumidor.
No caso da lei, a ideia é evitar que a prestação da renegociação avance justamente sobre as contas básicos do consumidor.
Por exemplo: uma pessoa possui parcelas em atraso de um empréstimo e da compra de uma geladeira, além de uma dívida de internet. O consumidor, com base na lei, chama todos esses credores para uma negociação e informa que irá pagar uma valor por um determinado período de tempo. A parcela da renegociação não poderá avançar sobre o que é essencial para a vida do consumidor.
“Basicamente estamos falando da ideia de preservação da dignidade de um mínimo vital e que é variável de acordo com o tamanho e a extensão da família. É um conceito que decorre da ideia da dignidade da pessoa humana. A lei (do superendividamento) diz que isso (mínimo existencial) terá que ser regulamentado por decreto para trazer bases objetivas da aplicação da lei”, explica Vítor Morais de Andrade, professor, especialista em direito do consumidor e sócio do Morais Andrade Advogados.
Sophia Martini Vial, ex-presidente da ProconsBrasil e especialista em direito do consumidor, também destaca a importância de uma regulamentação que defina o conceito de mínimo existencial. No entanto, ela ressalta que a jurisprudência existente hoje dá caminhos para o entendimento sobre o que é o mínimo existencial.
“Mesmo sem a regulamentação, isso não significa que a lei não possa ser aplicada. Podemos utilizar o parâmetro da jurisprudência. Sendo muito básica nas minhas palavras, o mínimo existencial seria o necessário para a pessoa sobreviver. Então, os gastos que ela tem comprovadamente com moradia, alimentação, despesas relativas a plano de saúde, medicamentos, relativas as escolas dos seus filhos, é o que se entende sobre o mínimo que ela precisa garantir para sobreviver.
Aposentados e regras nos estados e municípios
Sophia destacou ainda que alguns grupos da sociedade já possuem um percentual definido sobre o que é o mínimo existencial, como é o caso dos aposentados. No entanto, há exceções.
“No caso dos aposentados e dos pensionistas, já foi definido que o máximo que (um banco ou financeira) poderia consignar é 35% (da renda do consumidor). A regra foge a isso quando há uma lei municipal ou estadual, que prevê a possibilidade de aumentar a margem consignável. Então, o que se faz? Diminui-se por lei o mínimo existencial. Temos como exemplo o caso das forças armadas em que se pode consignar o soldo em até 70%”, disse.