Símbolo máximo de sucesso e liberdade no século 20, o automóvel cada vez mais perde espaço no interesse dos jovens e das pessoas em geral. De um lado, o desejo por bens materiais perde espaço para vivências e experiências na lista de prioridades. De outro, uma revolução tecnológica reformula esta indústria a partir da forma como a conhecemos, com conceitos como o carro autônomo, que dispensa o motorista, ou o compartilhamento, conforme o formato promovido pelo Uber ou por aplicativos de carona.
“No passado possuir um automóvel era uma coisa essencial, era sinônimo de liberdade e de conquista para qualquer jovem, mas esse interesse hoje é cada vez menor”, diz Rodrigo Borer, presidente do portal especializado Webmotors. “O futuro do automóvel será completamente diferente, as vendas talvez sejam menores, e as fabricantes têm que repensar o seu modelo de negócio”. Borer foi o mediador de um painel desta quarta feira no Conarec 2016 que reuniu representantes da indústria automobilística para discutir os impactos destas mudanças.
Em uma pesquisa feita pela Webmotors, 13% dos entrevistados afirmaram que não pretendem ter um veículo próprio no futuro. Apenas 9% disse já ter utilizado algum aplicativo de compartilhamento de viagem, como o Uber, mas 68% disse que tem interesse em usá-los. Além disso, embora o carro autônomo pareça uma realidade ainda distante – 57% acha que o produto demorará mais de dez anos para chegar no Brasil -, 46% dos entrevistados afirmaram não só que teriam interesse em ter um destes, como também muitos deles estariam dispostos a pagar mais por isso.
“Os consumidores de hoje estão mais focados em adquirir coisas que agregam algum valor a ele do que em adquirir uma coisa que qualquer outra pessoa pode ter igual”, disse o diretor de marketing da Hyundai Motor no Brasil, Cassio Pagliarini. Uma pesquisa feita recentemente pela montadora junto a jovens de 20 a 25 anos revelou que a primeira prioridades deste grupo, hoje, é possuir uma formação no exterior, seguida do desejo de viver fora. “O automóvel não está mais entre essas prioridades. Estamos falando de valores que você traz para dentro de si, e não de coisas das quais tem a posse”, acrescentou.
Outra pesquisa, feita pela marca sueca Volvo, descobriu que 40% dos jovens de até 21 anos na Europa não têm carteira de motorista e não têm a pretensão de tirá-la. “Os meus clientes daqui a 20 anos terão sido conectados desde sempre. Vocês já tentaram tirar um tablet de uma crianca de cinco anos? O mundo dela acaba”, brincou o diretore de assuntos governamentais e pós-venda da Volvo Car no Brasil, Jorge Mussi Filho. “Imagine essa pessoa dirigindo por 40 minutos, presa no trânsito, sem poder compartilhar informação. Se tiver um carro, o mínimo que ela vai querer é que alguém dirija por ela. São 40 minutos em que podemos estar fazendo dezenas de outras coisas e ficam perdidos ali.”
Adriana Girão, gerente de planejamento da Fiat, destacou que é errôneo pensar que esta seja uma tendência só dos jovens, e que, se até aqui, as marcas sempre estiveram preocupadas em se promover por meio dos atributos de seus veículos, agora começam a ter que incluir as pessoas no diálogo também. “É uma tendência cultural. As pessoas estão pensando menos em posse e mais em uso das coisas, e nós temos que entender esse recado”, disse. Uma campanha recente do Punto para a TV, por exemplo, fala do carro como uma coisa que fica boa parte do tempo parada na garagem enquanto o dono anda de bicicleta. Os canais de relacionamento e interação com clientes também deixa aos poucos de se limitar àqueles que compraram o produto da marca para englobar também quem adquire o veículo usado ou simplesmente que acompanha a Fiat pelas mídias sociais.
Pablo Averame, diretor de produto da PSA Peugeot Citroën, acredita que, conforme é obrigada a se rever, a indústria automobilística deve migrar de um papel em que é mera fabricante de produtos para quase uma fornecedora de serviços. Isso inclui a incorporação da tecnologia nos veículos e parcerias com empresas de outras naturezas, como Google, Samsung ou Apple. “Seremos menos uma indústria da propriedade do carro e mais da experiência que se tem ao usar este carro. Evoluímos de algo focado no produto para algo focado no cliente. O que parece algo óbvio, mas até muito pouco tempo não era.”