O governo de Michel Temer, empossado definitivamente há pouco mais de um mês, com a decisão final do impeachment de Dilma Rousseff, aposta muitas e muitas fichas na aprovação da chamada “PEC do teto” (proposta de emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos públicos à correção pela inflação do ano anterior, e isso por um período de 20 anos). A ideia é buscar estabelecer um freio permanente sobre a tentação gastadora que os governos têm, que ultrapassa a lógica e a racionalidade. A votação está marcada para essa semana, nos dias que antecedem o Feriado de Nossa Senhora. Muito apropriado. Caso a PEC não seja aprovada, será um Deus nos acuda…
A discussão sobre a PEC ultrapassou os limites do campo político e alcançou a sociedade, com doses cavalares de boatos e lendas. Disciplinar os gastos do governo, de qualquer governo é elementar, necessário, imprescindível. Governos gastam muito e gastam mal. Quanto mais criam tentáculos que demandam recursos, mais pressão criam sobre os indivíduos e as empresas, mais necessidade têm de asfixiar a atividade econômica – para que se sustentem sob o peso de suas estruturas. Governos gastadores não governam e nem se deixam governar.
Mas o debate sobre os limites do gasto público também rende uma reflexão válida para empresas e consumidores. Que modelo de País queremos? Um país gastador celebra anos de consumismo desenfreado e pouca criação efetiva de riqueza duradoura, expressa em condições de vida mais sustentáveis. Países poupadores sofrem com a perda de dinamismo inovador, com economias medíocres, que já não nutrem ambições de assegurar ciclos de crescimento expressivo. O Brasil tem vocação para gastador. Muito pela sua condição de nação emergente, de grande população, grande extensão territorial, e muita lição de casa para ser feita no sentido de proporcionar condições básicas e justas para que toda a população possa ter condições de buscar sua felicidade individual. Nossos ciclos de crescimento se basearam sempre em atirar pessoas ao mercado consumidor sem preparo para lidar com a evolução do próprio mercado. Desinformação e falta de preparo redundaram em endividamento excessivo das famílias e em empresas com pouca capacidade de investimento e produtividade ruim.
GOVERNOS GASTAM MUITO E MAL.
QUANTO MAIS CRIAM TENTÁCULOS QUE DEMANDAM
RECURSOS, MAIS PRESSÃO CRIAM SOBRE OS
INDIVÍDUOS E AS EMPRESAS
Defender um país que tem um governo exemplar no manejo dos recursos disponíveis é sinalizar para empresas e consumidores que a regra é consumir, investir e vender de maneira mais consciente. Nenhum custo novo pode ser assumido sem contrapartida de receita. Mais do que isso, ao fim e ao cabo, governos não criam recursos e empresas também não. A diferença é que empresas criam desejos que estimulam a demanda. Governos recolhem impostos para financiar despesas e são desastrosos quando resolvem estimular a demanda. Impostos são fruto do dinamismo da atividade econômica. Esse dinamismo, por sua vez, depende da existência de confiança que lubrifique a relação entre consumidores e empresas, nas compras, nas vendas, nas ofertas, nos produtos, nos serviços, na capacidade de assumir riscos e compromissos. Vender em 12x sem juros não é sinal de qualidade ou de confiança na economia. É antes um recurso danoso, sem paralelo em economias maduras, que convida o consumidor a se endividar e a perpetuar uma cultura gastadora que produz desigualdade e ineficiência.
É compreensível que a ideia de oferecer crédito aos consumidores, particularmente à baixa renda, seja uma forma de tornar acessível artigos de consumo que estão, em seu preço absoluto, muito acima da renda média geral. Mas a lógica diz que os consumidores devem aprender a acumular o capital que seria investido em parcelas para então, após alguns meses, poderem adquirir o produto ou serviço sonhado. Em tempos de crise, a opção por oferecer carnês e vantagens especiais é irresistível. Mas o país precisa aprender a viver sem gastança.
A crise atual está formando uma legião de “caçadores de ofertas”. Essa legião só irá aumentar – destruindo valor para as empresas – quanto mais estimularmos a economia com doses repetidas de estímulo à gastança irrefletida. É hora de empresas darem o exemplo e venderem de forma mais racional e qualificada – entendidos os limites da geração e manutenção do caixa para garantir a sobrevivência do negócio – varejo à frente. Não basta exigir dos governos que gastem menos e obedeçam estreitamente os limites do orçamento. Nossos consumidores precisam aprender a lidar com os limites dos seus próprios orçamentos e a consumir com mais qualidade.
O varejo que aprender a informar os consumidores a usar melhor os seus recursos garantirá a sua perenidade, porque fará da confiança o esteio do seu negócio.
*Jacques Meir é diretor de conhecimento e plataformas de conteúdo do Grupo Padrão