Um mergulho de uma semana na NRF Big Show e no varejo de Nova York – e volto para o Brasil com a expectativa de um ano promissor e repleto de desafios, que vão além da superfície das ideias, conceitos e tecnologias que vimos nos últimos dias.
Está claro que o varejo de hoje exige uma visão ambidestra: uma de curto prazo, focada na execução e em eficiência; e uma de futuro, que busca identificar tendências e trazê-las para o mundo real. Em ambas, também podemos notar que alguns aspectos, como a importância da loja física e das pessoas, não mudarão.
Começando pelo curto prazo, 2024 é um ano de cuidar da operação do varejo, para que ele seja mais eficiente, produtivo e rentável. Muitas apresentações na NRF Big Show destacaram a importância de acertar na execução da estratégia – mesmo quando o tema era Inteligência Artificial (e falarei dele daqui a pouco), havia uma grande preocupação em sair do discurso vazio e conectar ao dia a dia da operação.
Para nós, que fazemos parte do mundo de varejo, a ênfase em rentabilidade, eficiência e execução é muito poderosa. Afinal de contas, soluções financeiras e de dados, além da gestão de vendas e meios de pagamento, são cruciais ao integrar funcionalidades para negócios de todos os tamanhos. Elas concretizam a proposta de valor, proporcionando conveniência através de transações ágeis, tanto no físico quanto no digital. Tecnologias associadas personalizam o relacionamento com o cliente, facilitando a gestão de estoque, balanço e outras funcionalidades essenciais.
Hora de reinventar a loja
A ideia da loja física como um ponto de experiência foi muito reforçada durante o evento. Essa seria uma forma de fazer o ponto de venda tradicional ganhar relevância, e existe muito o que fazer nesse sentido. Nos últimos anos, o grande varejo americano deu muito foco ao digital (o que é muito necessário), mas está cada vez mais claro que a loja física pode encantar o cliente e tornar este canal complementar a uma experiência total.
Por mais incrível que seja o e-commerce, a experiência de compra precisa ir além de aspectos mais racionais como preço baixo, entrega rápida e frete grátis. Existe um grande potencial nesse tipo de venda ainda a ser muito explorado e com perspectivas para encantar. Para evoluir, o varejo americano, em geral, procurou integrar a loja física ao digital. A loja tradicional enfrenta maior dificuldade na competição se não se apoiar fortemente no encantamento, algo ainda limitado na experiência de e-commerce e marketplaces convencionais.
Casos como o da Reformation, da Starbucks Reserve Roastery e de diversas flagships da Quinta Avenida, em Nova York, mostram que existe muita oportunidade para trazer emoção para a loja física. Toda loja deveria ser uma flagship, por sinal: se todo ponto de venda é uma oportunidade de arrebatar o coração dos clientes e gerar experiências de compra que os fidelizam, ela precisa receber o carinho que costuma ser dedicado somente aos espaços que são referência em excelência para toda a cadeia da marca.
É fundamental reconhecer que as lojas físicas podem explorar os cinco sentidos, proporcionando uma experiência sensorial envolvente. Da visão à audição, do olfato ao tato, as lojas podem criar um ambiente que transcende simples transações comerciais. A combinação de música cuidadosamente selecionada, iluminação atmosférica, decoração inspiradora e espaços convidativos pode transformar cada visita em uma experiência memorável. Estes elementos não apenas estimulam a vontade de compra, mas também criam um ambiente acolhedor que convida as pessoas a explorarem e se entregarem a uma experiência única, além claro, da vontade voltar.
Com isso, vemos que a experiência da loja física precisa evoluir – e essa mudança passa pela omnicanalidade e jornada do cliente em loja. Em vez de tirar pessoas da operação para reduzir custos, ou ainda transformar o ponto de venda em um ponto de distribuição para as entregas online, foi muito discutida na importância de pensar na experiência do cliente como um todo. Há espaço para o digital e para o físico, pois os clientes têm motivações e missões de compra diferentes. Assim, digital e físico precisam se complementar.
Uma tendência que foi citada na feira e que faz esse mix de digital e físico é o live commerce – a venda de produtos por meio de lives nas redes sociais ou no site das marcas. Hoje, metade dos consumidores online chineses acompanham pelo menos uma live por dia, e os vendedores nas lojas físicas podem ser também os apresentadores desses programas. E por que não? Por que não podemos pensar no vendedor como o “agente de relacionamento com o cliente”, e não como o responsável por registrar os pedidos dentro da loja? Repensar a atuação do vendedor pode destravar oportunidades de vendas.
Isso é algo que já temos experimentado por aqui e é claro que essa ação integrada passa pelos meios de pagamento. Soluções de pagamento podem ser o hub que conecta digital e físico de forma transparente, pois o consumidor já está acostumado a ter vários meios à disposição – e a pagar digitalmente por compras físicas.
Um exemplo disso que observamos nos últimos anos é o crescimento do uso de links de pagamento. Isso destaca a mudança no relacionamento entre vendedor e cliente, permitindo vendas em qualquer lugar e a qualquer momento. Ele possibilita que as empresas vendam produtos e serviços para seus clientes em seus canais preferidos, oferecendo uma experiência de pagamento mais suave, evitando filas e agilizando o processo de pagamento. O ecossistema de meios de pagamento é omnichannel por definição e pode servir de inspiração para o varejo repensar seu relacionamento com os consumidores.
E a Inteligência Artificial?
IA foi o grande assunto da NRF Big Show, e era impossível escapar de alguma palestra que no mínimo citasse a tecnologia. Mas esse tem sido o grande tema de todos os eventos de negócios do último ano – então já era esperado.
O fato é que finalmente a IA “pegou”. Sistemas que usam a tecnologia já estão presentes em muitas atividades, mas de forma simplificada. O ChatGPT jogou luz sobre a IA Generativa, que cria conteúdos a partir de suas bases de dados – e isso encanta todo ser humano.
Mas é claro que foi falado de IA de forma cautelosa. No varejo, esse é o momento de entender a tecnologia e construir casos de sucesso. Mais importante ainda: é a hora de fazer a lição de casa. Em um evento que teve uma pegada de muito pragmatismo, o grande alerta foi para a necessidade de coletar, estruturar e analisar os dados de comportamento dos clientes antes de se aventurar em investimentos em IA. E, principalmente, em como irá de fato contribuir com resultados efetivos.
Esse é o início de uma nova jornada para o varejo. O uso de IA tem avançado em alguns segmentos como o de pagamentos, pois a tecnologia contribui para a avaliação dos riscos e combate a fraudes, entre outras aplicações. Quanto mais o varejo vai sendo sensibilizado sobre o potencial de uso das soluções e, principalmente, quanto mais forte a cultura digital nas empresas, maior é a oportunidade para avançar no uso da IA nas mais diversas áreas.
Quando todo o varejo estava de olho na parte racional da experiência de compra de cada indivíduo, tentando navegar nas tendências de tecnologia entre as quais a aplicação cada vez mais intensa da IA parece ser o divisor de água, mas não podemos nunca esquecer a parte essencial de cada cliente: o coração. Mais informado, exigente e, acima de tudo, empoderado, também tendo a tecnologia como aliada, é preciso buscar encantá-lo combinando empatia, qualidade e atenção para tornar as interações entre consumidor e marca únicas e inesquecíveis – e de um jeito especial.
Renata Daltro é VP Comercial de Grandes Contas da Cielo