Um dos assuntos já incluído na pauta de discussão do Congresso Nacional é a reforma da lei 9656/1998, mais conhecida como a lei dos planos de saúde. Em linhas gerais, a ideia é estabelecer um novo parâmetro para a oferta desse benefício no país, considerando aspectos não apenas sob a ótica do consumidor, mas também do próprio mercado que oferta o benefício. E um dos assuntos que vem chamando a atenção é a necessidades de uma gestão empresarial mais eficiente das companhias envolvidas na oferta dos planos no País.
De fato, o assunto está na pauta da saúde privada e é um principal tema principal do 1º Congresso Nacional de Saúde Disruptiva (CONSADI), um evento que acontece nos dias 27 e 28 de abril, em Brasília. Uma das responsáveis pelo evento é Luciana Silveira, especialista em gestão e regulação de saúde, empresária e escritora. Ela falou sobre os principais gargalos na saúde e falou até mesmo sobre um assunto sensível: o modelo de remuneração entre planos de saúde e médicos. Confira a entrevista:
Consumidor Moderno – Muitos especialistas afirmam que um dos grandes problemas da saúde privada esteja diretamente relacionado aos problemas da gestão empresarial nesse segmento. Em tese, isso resultaria em gastos excessivos e, claro, o fim de algumas empresas. Gostaria de saber os principais problemas de gestão na saúde privada no País.
Luciana Silveira – Há uma necessidade premente de mudança no modelo de gestão de saúde em diversos aspectos, pois o paradigma atual não é sustentável. Cito como exemplo a mudança de cultura das empresas e do próprio consumidor voltada à prevenção de doenças e promoção da saúde; a organização das informações de saúde em um prontuário eletrônico universal, evitando-se a repetição desnecessária de exames, o desperdício e o aumento de custos; e um modelo de remuneração de prestadores, médicos e demais profissionais da saúde que estimule e valorize a qualidade e os desfechos clínicos dos tratamentos e não a quantidade.
O termo saúde disruptiva trazido pelo Congresso remete a reinvenção de ideias e ações. Em outras palavras, esses são temas que têm a pretensão de analisar e discutir de forma ampla os desafios e as perspectivas do sistema de saúde com os diferentes atores da cadeia produtiva da saúde.
CM – Quais tecnologias ou ideias podem contribuir para uma gestão mais eficiente? Fala-se muito no uso de IoT na saúde…
Luciana – A medicina e a tecnologia se unem para oferecer aquilo que há de melhor aos pacientes e impactam diretamente na gestão do cuidado e na utilização adequada de recursos na saúde. Isso reduz o tempo de recuperação, diminuindo assim a ocorrência de procedimentos invasivos e agilizando exames e resultados.
No nosso evento iremos falar sobre Big Data, Machine learning, prontuários eletrônicos e robótica e outras tecnologias que aplicadas à medicina têm revolucionado os processos de diagnóstico e o tratamento de doenças, melhorando e prolongando a vida dos pacientes, além de facilitar o trabalho de profissionais da saúde. Isso está resultando em maior precisão nos diagnósticos, possibilitando assim maior exatidão na escolha do tratamento para determinada patologia.
Utilizando o conceito de inteligência artificial na saúde, computadores com alta capacidade de processamento podem armazenar milhares de dados para sugerir ao médico, com base em indicadores, uma lista de potenciais diagnósticos de doenças e indicar possíveis tratamentos. Esses sistemas fazem cruzamentos de dados e reconhecem semelhanças e padrões em enfermidades que oferecem aos médicos elementos que os ajudam na tomada de decisão.
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CM – Há uma discussão na ANS sobre um novo modelo de remuneração. Fala-se em feefor service e até no assalariamento, todos eles consagrados fora do país. Qual modelo seria o mais apropriado para o País?
Luciana – Esse debate começou no Laboratório de Desenvolvimento, Sustentabilidade e Inovação Setorial da ANS, em 2015. A proposta da Agência reguladora tem sido discutir o tema remuneração com foco na sustentabilidade do setor.
A discussão gira em torno do modelo atual de pagamento que incentiva o consumo em detrimento da busca pelo melhor resultado– o fee for service ao invés do fee for performance.
A relação dos médicos com as operadoras é por vezes conflituosa. Os médicos se queixam por entenderem que são mal remunerados. As operadoras reclamam da falta de racionalidade na solicitação de exames e dos gastos excessivos com materiais emedicamentos como órteses, próteses e materiais especiais (OPME).
Acredito que a solução passa pelo reconhecimento de que o modelo deve estar centrado no paciente, ou seja, de fato deve-se gastar somente com aquilo que for realmente necessário, evitando-se o desperdício e protegendo o paciente. E para que não restem dúvidas sobre a necessidade do que está sendo solicitado, é possível lançar mão de diretrizes clínicas. Porém, vencida a questão da racionalização de recursos, é necessário recompor o ganho e valorizar a atividade médica para, na mesma perspectiva, incentivar a gestão eficiente do cuidado ao paciente.
CM – E por falar em agência reguladora, há alguma medida ou postura da ANS que estaria prejudicado a saúde privada no País?
Luciana – Acredito sinceramente nas instituições e, embora entenda que a regulação ainda precisa avançar em algumas questões, não posso deixar de reconhecer os enormes benefícios trazidos pela regulação desde a criação da ANS, pois o setor de planos de saúde operava segundo suas próprias regras e deixava o consumidor – elo mais vulnerável desse sistema – desprotegido.
Foram estabelecidas regras para entrada e saída de operadoras do mercado, monitoramento econômico-financeiro e assistencial das operadoras, fiscalização da atuação dessas empresas quanto ao cumprimento dos contratos, foi criada uma lista mínima obrigatória de coberturas que é atualizada a cada dois anos, foram estabelecidos prazos máximos de atendimento, foram criadas regras de manutenção do plano por aposentados e demitidos, entre tantas outras ações que eu tive a oportunidade de acompanhar.