Uma transformação silenciosa, mas profunda, vem redesenhando o mapa da moradia nas grandes cidades brasileiras: a crescente influência da população 60+ na dinâmica urbana e no setor imobiliário.
Segundo o IBGE, 93,3% das pessoas com mais de 70 anos vivem em vias largas e 36,7% estão em áreas com maior arborização – o maior índice entre todas as faixas etárias.
“Essa pesquisa é a prova definitiva do que venho dizendo: o 60+ de hoje não busca isolamento. Pelo contrário. Está ativamente escolhendo bairros com melhor infraestrutura, mobilidade e qualidade de vida”, reforça Martin Henkel, CEO da SeniorLab e especialista em consumo 60+.
A mudança, segundo o executivo, não é uma tendência pontual, mas um movimento definitivo. “O consumidor maduro está criando novas exigências e moldando o futuro da moradia nas grandes cidades.”
60+ muito além do assistencialismo
Por muito tempo, a indústria imobiliária olhou para o público maduro com um viés assistencialista, criando soluções voltadas apenas para cuidados básicos e acessibilidade funcional. Na avaliação de Henkel, esse olhar precisa ser definitivamente superado.
“O 60+ de hoje não quer ser cuidado, ele quer protagonismo, bem-estar, socialização e, principalmente, independência”, destaca. “O conceito de ‘vida ativa e conectada’ tem exigido dos empreendimentos muito mais do que rampas e barras de apoio.”
A tendência é que os novos projetos imobiliários incorporem soluções que atendam diferentes momentos da vida, mas sem estigmatizar o público. “Acessibilidade, por exemplo, tem que ser discreta, elegante e integrada ao design. Mesmo quem tem alguma limitação física prefere não ser lembrado disso o tempo todo”, comenta.
Nesse cenário, espaços de convivência, academias ao ar livre, áreas verdes generosas e, mais recentemente, quadras de pickleball – modalidade que tem conquistado o público maduro no Brasil – também aparecem como elementos cada vez mais valorizados nos novos empreendimentos voltados ao público 60+.
O novo olhar sobre a moradia sênior
De acordo com Henkel, elementos como planta horizontal, ausência de escadas, janelas amplas e boa iluminação natural têm grande peso no processo de escolha.
Ele cita ainda detalhes que, muitas vezes, são negligenciados pelo mercado: banheiros espaçosos, ruas com pouco trânsito e áreas de recreação infantil para receber os netos.
Segundo o especialista, até mesmo fatores como a facilidade para embarque e desembarque de transportes por aplicativo entram no radar. “Pode parecer um detalhe, mas o fato de o Uber conseguir ou não parar na porta, virou critério decisivo em algumas regiões”, conta.
Além do imóvel, o entorno também precisa atender ao padrão de vida desejado. Supermercados, farmácias, serviços de saúde e lazer ao alcance de uma caminhada segura são cada vez mais valorizados por esse consumidor. É o caso da aposentada Eny Novaes, de 72 anos.
“Vim para Perdizes (São Paulo) há dois anos justamente pelo conforto de ter tudo perto de casa. O bairro tem muitas ladeiras, não favorece as caminhadas. Mas desço até o Parque da Água Branca, encontro com uma turma que gosta de andar e me divirto”, diz.
Longevidade como motor de transformação
A convivência intergeracional, muitas vezes vista apenas como um conceito social, é um “verdadeiro investimento no futuro das cidades”.
Bairros que reúnem diferentes faixas etárias e promovem espaços de encontro acabam naturalmente mais valorizados. “Essa mistura gera vitalidade e segurança. Gente, comércio, lazer e movimento trazem sensação de proteção e impactam diretamente a qualidade de vida”, afirma Henkel.
Mas o especialista faz um alerta: é preciso entender os limites desse convívio. “Bairros boêmios, com bares ruidosos, por exemplo, não são atraentes para o cliente sênior”, aponta. Para ele, o desafio do setor imobiliário e do poder público é criar espaços que estimulem a troca entre gerações “sem abrir mão do conforto, da acessibilidade e da tranquilidade”.
60+: da adaptação à inovação
Henkel destaca que ainda persiste um olhar reducionista sobre a longevidade nas estratégias urbanas. “Precisamos parar de tratar o envelhecimento como um desafio e começar a vê-lo como a grande oportunidade do século”, afirma.
“O que o setor imobiliário e os gestores públicos precisam entender é que não se trata de adaptação, mas de inovação. É preciso ir além do óbvio e criar ecossistemas que promovam bem-estar, autonomia e conexão”, defende.
O especialista finaliza com uma provocação ao mercado. “A maioria absoluta dos moradores que optam por empreendimentos de Senior Living está fugindo da solidão dos antigos lares. O recado é claro: ‘me incluam e serei um bom cliente’”, conclui.