No dia 17 de fevereiro, entrou em vigor, na União Europeia, a Lei de Serviços Digitais. Na prática, a nova legislação exige que as plataformas de tecnologia façam mais para combater o conteúdo ilegal online e que coloca em risco à segurança pública. As regras já se aplicavam às big techs em 2022, e agora se estendem a todos os serviços de hospedagem.
Nesse ínterim, a Lei de Serviços Digitais proporcionará aos usuários meios efetivos para denunciar atividades ilícitas. Um dos focos estará na proteção dos menores, e, por isso, está proibida completamente a segmentação de anúncios baseados em perfis ou dados pessoais de crianças e adolescentes, considerados “usuários mais vulneráveis”.
Privacidade e capacitação
A capacitação é outro objetivo da Lei de Serviços Digitais. As plataformas serão obrigadas a fornecer informações detalhadas sobre porque determinados anúncios estão sendo exibidos para os usuários, bem como a identidade do anunciante. Com isso, espera-se uma maior transparência nos algoritmos de recomendação. A consequência, segundo a legislação, será um maior controle sobre a exposição a conteúdos publicitários.
Ademais, a proibição de anúncios direcionados com base em dados sensíveis, como crenças políticas, religiosas e preferências sexuais, também está incluída nas obrigações das plataformas. Essa medida visa evitar a discriminação e proteger a privacidade dos usuários.
Luisa Brasil, especialista em Direito Digital do Opice Blum Advogados, comenta que a União Europeia tem se posicionado na vanguarda da regulamentação de temas ligados à internet e novas tecnologias. “A GDPR, o AI Act e o Digital Markets Act, bem como o DSA (Digital Services Act) são exemplos de legislações robustas que tentam dar uma resposta efetiva para a complexidade das relações ocorridas em meios virtuais, sejam elas relações interpessoais, de serviços, de consumo ou de trabalho”.
Queixas
Outro aspecto importante da Lei de Serviços Digitais envolve facilitar o envio de reclamações por parte dos usuários. Por conseguinte, será estabelecido um processo acessível e eficiente para que os usuários possam relatar qualquer situação que viole seus direitos.
As regras serão fiscalizadas por uma Comissão específica. A função desse órgão será garantir a aplicação coerente das normas em todos os Estados-Membros e garantir que todos os usuários da União Europeia tenham os mesmos direitos e proteções.
Para o advogado Alexander Coelho, sócio do Godke Advogados e especialista em Direito Digital, a Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA) representa um marco importante na regulamentação do ambiente digital. “Trata-se de uma evolução necessária no contexto regulatório para o ambiente digital, especialmente considerando o impacto e a influência que as grandes plataformas têm na sociedade contemporânea”.
Tik Tok é alvo da Lei de Serviços Digitais
Nessa semana, a Comissão Europeia iniciou uma investigação contra o TikTok. Os motivos são vários: em primeiro lugar, o processo se dá para saber se a empresa está fazendo o suficiente para proteger crianças e adolescentes em sua plataforma. A empresa chinesa, que é propriedade da ByteDance, é suspeita de infringir as regras de conteúdo viciante e prejudicial, de proteção para menores, escassa transparência na publicidade e uso dos dados dos usuários.
Thierry Breton, comissário europeu para o mercado interno, decidiu agir após analisar um relatório de avaliação de risco do aplicativo de vídeo curto, juntamente com suas respostas às solicitações de informações. O TikTok respondeu à decisão da Comissão destacando que implementou medidas pioneiras para proteger os crianças e adolescentes e impedir que menores de 13 anos acessem a plataforma. A empresa assegurou que continuará colaborando com especialistas e a indústria para garantir a segurança dos jovens.
Investigação
A investigação está inserida no escopo do Ato dos Serviços Digitais (DSA) e visa avaliar os impactos negativos dos algoritmos da plataforma, a conformidade com normas de privacidade e segurança, a disponibilização de um repositório confiável de anúncios e a transparência. Essa investigação se soma a uma análise preliminar sobre o relatório de análise de risco e as respostas do TikTok enviado ao regulador europeu. A princípio, caso as falhas sejam confirmadas, a rede social poderá receber uma multa de até 6% de sua receita global, conforme previsto no DSA.
O TikTok é uma plataforma online de grande porte (VLOP), consoante o DSA, devido ao fato de ter 36 milhões de usuários ativos mensais na Europa [dados de abril de 2023].
Brasil
O senador Alessandro Vieira apresentou o projeto de Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na internet, também conhecido como PL das Fake News, no Brasil, em 2020, e o Senado aprovou no mesmo ano. Contudo, não há previsão para votação dessa matéria. Isso porque os parlamentares buscam chegar a um consenso em relação às regras de combate à desinformação na internet, responsabilização das plataformas e garantia da fiscalização e aplicação de sanções, antes de avançar com a votação.
Alexander Coelho comenta que o Brasil já vem debatendo intensamente sobre como regular conteúdo online, especialmente em relação à desinformação. “A abordagem da Digital Services Act (DSA), focando em transparência e responsabilidade, pode oferecer um modelo para o Brasil, especialmente no equilíbrio da liberdade de expressão com a proteção contra conteúdos nocivos”.
Outro Projeto – de número 5.864, de 2023 – busca equiparar os usuários de redes sociais ao consumidor, garantindo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. A proposta define consumidor como todo usuário que possui conta em rede social e mantém uma relação comercial, onerosa ou gratuita, com o provedor.
O texto está em fase de análise na Câmara dos Deputados. Se for aprovado, trará mudanças na forma como os usuários interagem e protegem suas relações comerciais com os provedores.
Código de Defesa do Consumidor para redes sociais
Segundo o PL, provedor de rede social é a empresa responsável pela gestão de uma plataforma online utilizada para formar e administrar uma rede social. Então, todas as transações comerciais realizadas entre os usuários e as empresas deveriam seguir as diretrizes do Código do Consumidor. Se aprovada, a legislação estipulará punições para os infratores. As penas vão de advertências a multas até o fechamento das atividades, podendo inclusive envolver medidas penais ou cíveis.
“Há que se buscar o reconhecimento das relações de consumo nas redes sociais, essenciais no cotidiano”, afirmou o autor da proposta, o deputado Romero Rodrigues.
Testes da Lei de Serviços Digitais
A União Europeia começou a testar a regulação dos serviços digitais durante o conflito entre Israel e Palestina. Primordialmente, a ideia era mostrar a capacidade de pressionar as big techs a removerem conteúdos impróprios rapidamente, com base na DSA. Tal iniciativa levou empresas como Facebook e TikTok a agirem com mais rapidez contra discursos de ódio e informações falsas relacionadas ao conflito.
Recentemente, o Facebook removeu posts que continham discursos de ódio direcionados aos israelenses. Similarmente, o TikTok baniu hashtags que disseminavam informações falsas sobre o conflito na Faixa de Gaza.
Fake news
Só para ilustrar, segundo levantamento da Poynter Institute, em parceria com o Google, quatro em cada 10 pessoas no Brasil afirmam receber notícias falsas diariamente. Mesmo com esse cenário preocupante, o PL da Fake News tem enfrentado críticas, principalmente relacionadas à privacidade dos usuários e à liberdade de expressão. Alexander Coelho enaltece que é possível ver sua relação com a DSA como parte de uma tendência global de tentar regular o espaço digital.
“Em breve, iremos sentir os impactos no Brasil”, conforme exposto por Luisa Brasil, do Opice Blum Advogados. “Isso porque nossa regulamentação se espelha na da União Europeia. “Decerto, o PL 2630/2020 possui pontos de aproximação com a Lei de Serviços Digitais. Entre eles, está a exigência de ações mais efetivas das plataformas no combate a conteúdo ilícito e maior transparência nos mecanismos de moderação de conteúdo. Ambos têm como premissa a necessidade de regulamentação efetiva para garantir os direitos de usuários e trazer um conjunto de deveres para os provedores”.