Um dos grandes desafios do consumidor brasileiro é lidar com as dívidas. De acordo com dados a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de famílias endividadas no País bateu recorde no mês de março de 2022, alcançando o percentual de 77,5%. Em março de 2019, antes da pandemia de Covid-19, 55,1% das famílias se encaixavam nessa preocupante categoria.
Essas circunstâncias inspiraram a criação da Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, que ficou conhecida como a Lei do Superendividamento e altera o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso, com o objetivo de aprimorar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.
Mas será que a criação da Lei é suficiente? Amanda Flavio, professora de Direito Regulatório da UNB, afirma que, após a publicação da Lei, é preciso que haja um esforço para ela de fato ser aplicada e para que haja eficácia. Matheus Moura, head executivo de Marketing da Serasa, considera que, para isso, é preciso envolver o consumidor no processo de adesão à lei, além de empresas e órgãos governamentais.
Amanda Flávio ressalta que a Lei do Superendividamento altera o CDC e questiona: por que em geral parece tão difícil mudar essa Lei? Para Juliana Pereira, ex-Secretária Nacional do Consumidor e Presidente do Instituto de Pesquisas e Estudos da Sociedade e Consumo – IPS Consumo, o foco é sempre proteger os diretos assegurados pelo Código. “Muitas alterações sugeridas tinham o objetivo de reduzir direitos, então é intuitivo proteger o CDC” justifica. “No caso do Superendividamento, seria uma mudança positiva que, inclusive, já havia sido debatida”.
Lacunas presentes na Lei do Superendividamento
Para Bruno Miragem, advogado e sócio do escritório Lima Marques, Miragem Advogados, a Lei trouxe muitos pontos positivos, porém, há lacunas no Capítulo que dispõe sobre a prevenção do superendividamento, crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor. “O resultado final não é o ideal mas é o que temos hoje”, pondera. Na visão dele, é preferível que haja uma legislação imperfeita, que possa ser adaptada, do que não ter esse recurso.
Entre as lacunas mencionadas por Miragem no Capítulo que dispõe sobre o tratamento do superendividamento, está a definição do conceito de mínimo existencial:
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
Para os participantes do debate realizado no evento A Era do Diálogo, é essencial que se regulamente esse conceito, para que haja Segurança Jurídica. No entanto, ela pondera que, considerando as diferentes realidades econômicas que existem no Brasil, é realmente desafiador unificar um valor que garanta a sobrevivência no País.
Contexto ideal
Marco Afonso, Diretor de Marketing, Pessoas e Agilidade da Bom Pra Crédito, vê a Lei do Superendividamento de maneira positiva. “Conceder crédito de forma irresponsável, pensando pouco no tomador, é arriscado”, lembra. Ele considera ainda que a Lei foi criada no melhor momento, pois o contexto atual intensifica o superindividamento – com taxa de juros crescente, desemprego e inflação em alta etc. “A Lei vem deixar a concessão de crédito mais responsável e o consumidor também”, reforça.
Paulo Mendes, diretor-executivo de Serviços Financeiros da Midway, concorda que o momento foi ideal e complementa: “houve uma ampliação da concorrência, das oportunidades, e por isso é necessário que haja segurança”, diz.
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