Uma decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina está chamando a atenção de pessoas ligadas à defesa do consumidor do país. Uma juíza da cidade de Araquari extinguiu a ação movida por uma consumidora contra a Telefônica, após ela se recusar a tentar um acordo pré-judicial na plataforma Consumidor.gov.br.
De acordo com informações do TJ/SC, a consumidora foi incluída em uma lista de inadimplentes por uma suposta dívida com a empresa de telecomunicação. No fim, ficou comprovado que a conta havia sido paga e o nome da cliente foi incluída de maneira indevida pela empresa. Ela, então, decidiu processar a empresa e exigiu o pagamento de um dano moral.
Em outras palavras, era mais um pedido comum para o judiciário com base em um direito do consumidor. No entanto, a posição da juíza Cristina Paulo Cunha Bogo, da 1ª comarca de Araquari, surpreendeu a todos. Em linhas gerais, a magistrada entendeu que os dois lados deveriam tentar um acordo dentro da plataforma Consumidor.gov.br antes de dar início ao processo na Justiça. Hoje, muitos juízes entendem que essa é uma decisão do consumidor. Nesse caso, a juíza inclui a mediação como uma das etapa a serem cumpridas na ação e, dessa forma, todos deveriam cumprir a tentativa de compor um acordo. “Não houve obrigação de compor o acordo. A ideia era apenas tentar evitar mais uma ação na Justiça que poderia demorar anos para ser resolvida”, informou a assessoria de imprensa do TJ/SC.
Extinção
A consumidora preferiu não tentar o acordo no Consumidor.gov.br com base no chamado princípio da inafastabilidade – ou seja, o judiciário não poderá deixar de atender um pedido quando há uma lesão ou ameaça a um direito. Ao fazer isso, ela não cumpriu uma exigência do processo e a ação foi extinta pela juíza.
“Intimada para que promovesse a exposição dos fatos narrados na inicial e o registro de seus pedidos em relação à parte ré (consumidor), por meio da ferramenta gratuita presente no site do TJSC denominada “consumidor.gov.br”, sob pena de extinção do feito por falta de interesse de agir, a parte autora deixou de atender o comando e, com base no princípio da inafastabilidade, pleiteou a continuidade do feito”.
A juíza, no entanto, listou outros motivos para endossar a decisão de negar o pedido da consumidor. Segundo ela, a cliente possui um acesso absoluto ao judiciário, mas, para tanto, precisaria cumprir alguns requisitos legais dentro do Novo Código de Processo Civil. “Embora entenda a parte autora que o acesso ao Judiciário é inafastável e absoluto, é certo que a própria lei processual prevê uma série de requisitos para que uma petição inicial seja recebida. Ademais, diversos princípios passaram a informar o processo judicial, especialmente o da primazia da solução consensual dos conflitos, o qual vai ao encontro da nova Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”, disse a juíza.
Judicialização
A sentença também justifica a sua decisão com base no esforço do judiciário brasileiro em diminuir o total de ações na Justiça. A própria juíza fez críticas a cultura do litígio no País e citou os superlativos números do judiciário no País: em 2017, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram gastos mais de R$ 90 bilhões em pouco mais de 80 milhões de processos.
“Por isso, atenta ao cenário do Judiciário e às mudanças da sociedade brasileira, esta Julgadora, inspirada por alguns outros juízes, pioneiros nessa prática, tem, desde junho do ano de 2017, adotado prática de condicionar o recebimento da inicial de demanda consumerista ao prévio cadastro do pedido na ferramenta Consumidor.Gov, como forma de comprovação do interesse de agir”, justifica a magistrada. A ação ainda cabe recurso.
Inédito?
A própria a juíza afirmou que a decisão não é exclusiva e muito menos algo inédito. Outros juízes vem adotando esse tipo de medida. O assunto anima a Secretaria Nacional do Consumidor, que tem como uma de suas metas para este ano a expansão da ferramenta Consumidor.gov.br.
Em entrevista a Consumidor Moderno, Luciano Benetti Timm, secretário nacional do consumidor, falou sobre a importância da ferramenta. “Alguns estudos sugerem que o custo de cada processo por ano gira em torno de R$ 2 mil para os cofres públicos. Quanto à média de duração de processos, costuma ser de três a quatro anos para os juizados especiais e cerca de quatro a cinco anos na Justiça comum. E tem ainda a fase de execução da sentença, com quase sete anos em média para solução do problema. No Consumidor.gov.br é gratuita e resolve o problema do consumidor em poucos dias. Na plataforma, o cliente tem 10 dias para encontrar uma solução. Ou seja, 10 dias contra três ou quatro anos”.