Cannes – França – Don Drapper, o icônico publicitário da série Mad Men, é o símbolo de uma era sem volta. O homem com falhas de caráter, provedor, com dificuldade de mostrar emoções, forte, duro (apesar de ter criado uma persona de si mesmo, no caso de Don), irremediavelmente mulherengo e predador está em extinção. Mas qual será a nova identidade do homem daqui em diante? Esse foi o tema do incrível painel “Masculinidade hoje? A mudança dramática e o novo normal”, apresentado no Cannes Lions. O Dr. Michael Kimmel, professor emérito de estudos de gênero e sociologia da Universidade Stone Broker, Jennifer Siebel Newson, cineasta documentarista da ONG The Representation Project, Shaun Ross, modelo, ator, dançarino e ativista foram os debatedores, mediadas por Stephanie Feeney, Diretora de Estrateegia da 72andSunny AMC.
O fato é que a ideia que fazemos de masculinidade mudou e vem mudando dramaticamente. O estereótipo do macho vem sendo contestado de modo evidente e incontestável.
A tese de Stephanie, com base em pesquisas de sua empresa, é que o homem está preso a uma caixa, ideológica, que está sendo pressionado por diversos estímulos. A caixa do homem. Os dados são inquestionáveis: os casos de depressão masculina aumentam progressivamente. A masculinidade é uma ideia que está no limite. Stephanie diz: “queremos quebrar e explodir essa caixa do homem e deixar que eles façam o que quiserem.”
O Dr. Kimmel, professor que dedica seu trabalho ao estudo das transformações e questões de gênero, aborda a questão de modo filosófico e surpreendente. Ele diz que há uma dicotomia, uma lacuna entre a ideologia masculina e as práticas reais. Para ele, não há mais a inspiração na era de Don Drapper. “Essa posição do homem não diz mais nada. Bastaram três gerações para destroçar a visão do homem que prevaleceu por séculos. Quando falamos com os jovens sobre ser homem (em nossas pesquisas), a resposta é: ‘seja o que você é.’ Vivemos em um mundo tão falso, pré-fabricado, que ser autentico simplesmente significa muito. Há novos heróis para a perspectiva masculina.”
Kimmel continua: “o que significa ser um bom homem? A resposta padrão da minha geração é ser honrado, íntegro, fazer as coisas certas, ser um provedor. Isto está em todo lugar, no ar que respiramos, na água que bebemos. Mas agora, a resposta dos mais jovens é seja um homem real.”
Sim, não há dúvida de que a ideologia da masculinidade sempre priorizou ideias como: nunca chore, seja forte, não mostre sentimentos. E esse comportamento unia as pessoas que serviam de referência para todos os homens: o pai, o treinador, o irmão, o melhor amigo. O professor Kimmel diz que os homens devem trair essa ideologia. “Não temos de ser bons homens. Temos de ser mais autênticos.”
Um bom exemplo dessa nova perspectiva é ver homens, pais, com filhas na puberdade. São feministas convertidos, evidentemente porque veem que os homens “alfa” começam a mexer com a sua filha…
Logo, para o especialista, “não queremos que os homens sejam diferentes. Queremos que sejam eles mesmos.”
Suicidas
“A cada dia, três ou mais garotos tentam suicídio nos EUA. A pressão de seguir a ideologia da masculinidade é demais para jovens que querem apenas serem eles mesmos…” Apenas um trecho do documentário de Jennifer Siebel Newson foi o suficiente para arrancar aplausos da plateia no auditório onde aconteceu o painel. Cineasta e documentarista, Jennifer é CEO de uma ONG, The Representation Project e desenvolve projetos cinematográficos que exploram as mudanças que vem impactando a sociedade. Um dos filmes da cineasta, “The Mark you Live”, mostra o peso incrível da masculinidade na formação dos mais jovens. Uma cultura de violência, meninos que se comparam a meninas, e de auto-afirmação irracional, sem papéis em uma sociedade doente. Projetando essa disfunção para o nosso Brasil, a desconstrução do papel masculino, manifesta-se na cultura do estupro.
The Representation Project é uma iniciativa de transformação social e cultural. Jennifer procura ajudar as futuras gerações a encarar de maneira mais saudável a questão de gênero.
O ator e ativista Shaun Ross, participou do debate como o homem como representante de um novo normal. O homem que não teme ser como é. “Não esperem que fale bonito como os colegas aqui, não terminei o segundo grau.” Shaun defende que os homens mudem a maneira como seguem adiante em sua vida. Sua ideia básica é nunca abrir mão de sua autenticidade. Agências de modelo recusavam trabalhos para ele simplesmente porque seu tipo físico era muito diferente do ideal de figura masculina: “me disseram que Steven Meisel (fotógrafo de moda) jamais me fotografaria, porque eu era estranho. Ou seja, não havia espaço para alguém fora do estereótipo.”
Jennifer afirmou que se os homens seguirem a narrativa atual, não háverá espaço para emoções e isso pode se perpetuar. O fato é que continuar seguindo esse modelo, essa norma tóxica, o homem ficará em situação difícil. As caixas, os estereótipos, a objetificação, tudo isso faz diferença. Os homens precisam .pairou da caixa que impõe a eles buscar habilidade atlética, poder sexual e sucesso econômico. Para ela, a mudança está nas empresas de mídia: “as pessoas que trabalham nas indústrias de mídia tem a chance tremenda de modificar essa forma de pensar. Pensem em como é possível inspirar as pessoas.”
Ross lembrou que vivemos em um mundo de social mídia, logo é importante saber a importância de se sentir e de ser original. Marcas buscam o que é hot. Fazem dinheiro com isso. As pessoas normalmente não entendem os valores de serem originais: “Eu não me importo com esse lance de ser esse tipo de homem.”
Patrulha masculina
Coube ao professor Kimmel dar a palavra final do debate: “uma vez adolescentes, nós homens somos policiados pelos outros caras para seguir o código da masculinidade. Isso é o que eu sinto: porque vivemos em um mundo que está mudando tanto, em que homens se permitem relacionamentos afetivos reais, eles já estão saindo dessa caixa na qual a história os colocou. Ser mais emocional é o caminho para sair da caixa. Temos de incentivar os pais a praticar emoção com seus filhos. Vamos chacoalhar essa mesmice!!”
Ou seja, a nova masculinidade certamente vai modificar completamente a forma pela qual as marcas irão abordar valores, produtos e serviços identificamos com o “homem”. Don Drapper ficou no passado. O novo normal é o homem que não tem medo de ser como é. Sua marca, sua empresa já pensaram nisso?
*Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão.