Em setembro de 2014, quando a inflação galgava patamares já vulgares para o bolso do consumidor brasileiro, o então Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, sugerira que as famílias trocassem a carne bovina por aves e ovos, uma vez que estes produtos estavam com preços mais amigáveis. É um processo natural no consumo a substituição por produtos e marcas de menor preço quando o poder de compra é comprometido em função das flutuações econômicas.
No Brasil da atual crise, a substituição é um passado de luxo. O momento exige corte de produtos da cesta de consumo. E é por essa razão que o varejo brasileiro está sangrando. As causas são sempre as mesmas: crédito caro e mercado de trabalho deteriorando. Mas e a inflação?
O processo inflacionário também compromete o poder de compra dos consumidores, e foi o que ocorreu ano passado – fortes reajustes de tarifas (o famoso “tarifaço”). Mas março de 2016 reservou uma surpresa: o IPCA, índice de inflação mensurado pelo IBGE, variou apenas 0,43%, o menor valor para o mês desde 2012 e menos da metade do valor de fevereiro deste ano (0,90%), e muito inferior ao registrado em março do ano passado (1,32%).
Por um lado, um alívio para a inflação de 2016 e mais uma razão para que não ocorram mais aumentos nos juros. Por outro, um claro sinal de que a economia está colapsando, visto que a evolução dos preços está perdendo força – em outras palavras, o consumo de produtos está cada vez mais fraco. Nesta leitura do IPCA, os itens que mais perderam força foram transportes, habitação e educação, após os reajustes habituais do início do ano nas tarifas, alugueis e mensalidades escolares.
Não à toa, os índices de confiança do consumidor e do comércio apurados pela FGV em março seguem em patamares historicamente baixos, às vezes ensaiando uma leve alta apenas porque a sociedade já se conformou com o pessimismo. De todo modo, há sempre um alçapão no fundo do poço: o índice de expansão do comércio de março da FecomercioSP registrou o pior resultado desde 2011, com queda de 23,2% em relação ao mesmo mês do ano passado, refletindo as constantes demissões e quedas nos investimentos realizados pelos empresários.
OS ÍNDICES DE CONFIANÇA ENSAIAM UMA LEVE
ALTA APENAS PORQUE A SOCIEDADE JÁ SE
CONFORMOU COM O PESSIMISMO
O cenário de pessimismo concretizado em fatos reais é exposto também pela confiança do empresário cuja queda foi de 13,9% em relação a março de 2015, segundo a Confederação Nacional do Comércio. Não há perspectiva, a médio prazo, de recuperação do ambiente de negócios. Por exemplo, micro e pequenas empresas ainda lideram os pedidos de falência, fechando o primeiro trimestre deste ano 14,3% maior que o mesmo período do ano passado. Cresce assim o desemprego (9,5% em janeiro conforme o IBGE divulgou em março) e a inadimplência. Segundo a Boa Vista SCPC, nos últimos três meses, 41% dos brasileiros não conseguiram pagar suas contas em dia por causa do desemprego. Só no varejo paulista, segundo a FecomercioSP, foram eliminados mais de 13 mil empregos com carteira assinada em fevereiro deste ano – o pior desempenho para o mês desde fevereiro de 2007.
É este cenário que torna a leitura do IPCA de março preocupante. O arrefecimento da inflação já era previsto por economistas e instituições financeiras que divulgam suas projeções junto ao mercado, e a previsão é de que a inflação desacelere em abril também (comparado ao mesmo mês de 2015), segundo o Relatório Focus divulgado hoje pelo Banco Central. A queda livre do varejo que o IBGE apura desde abril do ano passado apenas reforça um cenário de inflação mais benigna por razões ruins.
A QUEDA LIVRE DO VAREJO DESDE ABRIL
DO ANO PASSADO APENAS REFORÇA
UM CENÁRIO DE INFLAÇÃO MAIS
BENIGNA POR RAZÕES RUINS
Já diria uma velha máxima da economia: “Inflação é melhor que deflação”. O Brasil está bem longe de estar sob deflação (queda generalizada no nível de preços), mas o que temos hoje são reflexos de um mercado de trabalho que só piora, do varejo que amarga cada vez mais demissões e menor volume de vendas, do empresariado que prefere não investir para evitar mais dívidas, aprofundando um ciclo recessivo que deveria receber tanta atenção dos nossos políticos quanto o processo de impeachment.
Os indicadores do próximo mês reservarão surpresas interessantes, após definições acerca do impeachment nesta semana e, de algum modo, com o desatar de alguns nós políticos que amarraram a economia brasileira.
Eduardo Bueno, economista e analista do CIP – Centro de Inteligência Padrão