Questões de privacidade, superendividamento, responsabilidade e viés algorítmico por conta do avanço da Inteligência Artificial (IA) estão diretamente relacionadas a desafios legislativos, que demandam uma colaboração mútua entre formuladores de políticas públicas, empresas, pesquisadores e, claro, consumidores. Os fatores que envolvem a insegurança jurídica nas relações de consumo nesta era digital foi um dos destaques da palestra magna do senador da República Rodrigo Cunha (Podemos/Alagoas) durante a abertura do prêmio A Era do Diálogo 2024.
A abertura do encontro foi feita pelo CEO do Grupo Padrão, Roberto Meir, que resgatou a história de A Era do Diálogo, que contou com o apoio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e objetivo de aproximar e semear as melhores práticas consumeristas tanto para consumidores quanto para as empresas. De antemão, Roberto Meir parabenizou as empresas campeãs desta edição com as seguintes palavras: “Essa é uma noite de celebração, na qual poderemos entender as melhores práticas das empresas que mais se destacam, fazendo com que outras sigam seus exemplos, gerando assim um ambiente melhor para todos nós”.
Os desafios da IA
De acordo com o senador Rodrigo Cunha, a IA traz consigo uma série de desafios que demandam uma abordagem adaptativa e bem cuidadosa. “Ao mesmo tempo que a IA abre novas fronteiras de inovação, surgem problemas significativos que exigem atenção e resolução rápida. É um verdadeiro exercício de futurologia, porque não sabemos como será o futuro. No entanto, a IA está fazendo com que as coisas mudem em uma velocidade muito rápida em todas as áreas, e nas relações de consumo isso não é diferente.”
Velocidade x Morosidade
Nesse sentido, para o senador da República, um dos obstáculos relacionados a IA a serem transpostos na esfera legislativa é a divergência entre a velocidade com que a tecnologia evolui e a morosidade no ajustamento das leis brasileiras. Para tentar reverter esse cenário rapidamente, Rodrigo Cunha propõe a criação de juizados especiais de crimes cibernéticos. Em setembro do ano passado, o senador aprovou a instalação de uma subcomissão temporária para tratar da criação de juizados especiais de cibercrimes por meio do requerimento (REQ 9/2023 – CCDD).
“Os crimes cibernéticos devem ser tratados no Judiciário em juizados especializados em IA, uma vez que muitos magistrados hoje não têm total domínio do assunto, que naturalmente requer especialização”, afirmou ele. Ainda de acordo com Cunha, a grande vantagem está na agilidade para lidar com os cibercrimes, tendo em vista que a linguagem da tecnologia é diferente da linguagem da justiça comum. “Sem dúvida, é necessário buscar especialistas nesse campo, uma vez que o cenário dos crimes cibernéticos está em constante evolução.”
Esse é um tema urgente, afinal, 2023 foi o ano em que os ataques via internet explodiram. O Brasil, inclusive, figura na décima posição entre os países mais impactados pelo cibercrime em 2023, sendo os EUA o primeiro do ranking, representando 32% de todas as violações. Ao todo, foram 3,3 milhões de contas vazadas globalmente e 299,8 milhões de violações.
Superendividamento
Outra questão a ser enfrentada “de forma responsável” é o superendividamento. As projeções da Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontam que o nível de endividamento deve crescer nos próximos meses, chegando a 79,9% em dezembro de 2024. Já a proporção de famílias inadimplentes deve manter trajetória de queda, fechando o ano em 27,3%, mas mesmo assim o número de pessoas com as contas no vermelho é alto.
Em sua explanação, Cunha ressalta que a principal causa do endividamento é o cartão de crédito e seus juros excessivos. Ele ressalta a necessidade de diálogo entre todas as partes envolvidas para estabelecer uma legislação equitativa. O objetivo é proteger o cidadão e impor limites aos abusos. “A maioria das pessoas que se beneficiará do Desenrola, por exemplo, está endividada não por adquirir bens supérfluos, mas por não conseguir arcar com despesas básicas do dia a dia, como contas de água, luz e transporte. Esse cenário enfatiza a essencialidade de um crédito responsável.”
No parecer do senador, relator da matéria, uma das iniciativas positivas propostas pelo governo federal foi a implementação do programa Desenrola que, lançado por meio da Medida Provisória (MPV) n.º 1.176/2023, visa facilitar a renegociação de dívidas de pessoas físicas inscritas em cadastros de inadimplentes, em parceria com instituições bancárias. O principal propósito da ação é reduzir o endividamento das famílias e facilitar o retorno ao mercado de crédito, impulsionando assim a economia. “Trata-se de uma programa que busca reabilitar essas pessoas, restaurar sua autoestima e proporcionar condições para que elas possam quitar suas dívidas com descontos de até 90%. E assim quem está endividado pode recuperar o seu maior patrimônio, que é o seu nome. Este é o anseio de quase um terço dos brasileiros”, pontua.
Por fim, para ele, é muito importante estender essa ajuda também às pequenas empresas, que enfrentaram desafios adicionais durante a pandemia, incluindo as dificuldades de acesso ao crédito e altas cargas tributárias.
CDC antigo x CDC atual
Rodrigo Cunha traça ainda uma linha do tempo do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que, em setembro deste ano, completa 34 anos. Cunha lembra que, em 1990, quem estava à frente das relações de consumo eram os bancos, as teles e as empresas de automóveis. “Hoje, as protagonistas são as empresas de tecnologia”, aponta.
“Hoje é como se nós fossemos os produtos, porque entregamos nossos dados, nosso tempo, nossa atenção. Na comparação com os anos 90, o problema estava centrado em lojas que não cumpriam a regra de especificar os preços na vitrine ou então em propagandas abusivas”.
Dessa forma, o senador deixa claro que o desafio para os legisladores é imenso: a elaboração das leis precisa acompanhar a evolução das empresas e da sociedade, sem criar obstáculos para tal desenvolvimento. A responsabilidade é grande: De certa forma, é como participar da construção da história.