Na icônica cidade de São Francisco, Califórnia, berço da contracultura americana e importante centro de empresas de alta tecnologia, acontece o Dreamforce. O evento organizado anualmente pela companhia Salesforce é considerado um dos maiores do mundo no setor de tecnologia. Reúne profissionais, líderes de negócios e entusiastas da tecnologia do mundo todo para compartilhar inovações, participar de workshops e fazer networking.
Este ano, entre os dias 17 e 19 de setembro, cerca de 45 mil pessoas passaram pelos pavilhões do Moscone Center, o maior complexo de convenções e exposições de São Francisco para acompanhar mais de 1.500 sessões.
O tema do evento foi “AI Enterprises“, abordando as inovações em Inteligência Artificial (IA) e como essa tecnologia está moldando a maneira como empresas trabalham e o impacto dessa transformação nas relações com clientes.
Agentforce e o futuro dos “agentes IA”
A principal novidade apresentada pela Salesforce – que norteou boa parte do conteúdo do evento – foi sua nova solução, Agentforce. Ela possibilita que empresas criem seus próprios “agentes IA” através de aplicações que utilizam ferramentas visuais e interfaces intuitivas, com uma quantidade mínima de codificação (low-code).
A tecnologia promete realizar tarefas complexas de forma independente, sem intervenção humana, com mais eficiência e personalização. A Agentforce também conta com mais de 100 prompts específicos, que não exige a criação de códigos e podem ser acionados facilmente pelas equipes de atendimento.
Para além da parte do atendimento, outra vantagem dos agentes IA está na qualificação de leads de vendas e otimização para campanhas de marketing. A tecnologia pode interagir de forma muito mais assertiva, analisando as preferências de cada consumidor ofertando produtos e se relacionando com o cliente em diversos canais.
Segundo Marc Benioff, cofundador e CEO da Salesforce, equipes de vendas, marketing e serviços, entre outras áreas, terão agora a oportunidade de se organizarem e trabalharem de forma mais produtiva e inteligente com os agentes IA da Agentforce.
Saks já utiliza agentes IA
A Agentforce veio para capacitar ainda mais a plataforma de IA da companhia, a Einstein, e ofertar às empresas uma visão 360 de cada contato, capturando dados, realizando análises mais profundas em tempo real e possibilitando que agentes IA sejam capazes de realizar diversas tarefas e transmitir mais confiança aos clientes quando se deparam com um atendimento baseado em IA.
Entre os exemplos das funcionalidades da Agentforce, a Salesforce mostrou o case da Saks, simulando um atendimento por voz com Sophie, agente IA da varejista. O robô é muito ágil e fala de maneira muito mais natural. Com base no histórico de compra do cliente, consegue ofertar a melhor solução para o seu problema e até faz recomendações sobre como o cliente deve cuidar do produto para não danificá-lo.
A terceira onda de IA
Segundo Marc, tivemos a primeira onda em Inteligência Artificial, a IA preditiva, para “prever o futuro” baseado nos dados dos clientes. A segunda onda, a IA generativa, alimentada por grandes modelos de linguagem (LLMs), compreendem um alto volume de dados não estruturados e geram novos conteúdos com abordagem mais natural. Agora, a “terceira onda”, como define Marc, se desenha com os agentes IA, que não apenas compreendem comportamentos e recomendam ações, como podem enfrentar projetos multifacetados e complexos sem a intervenção humana, levando as empresas ao estágio de “empresas IA”.
Segundo Peter Schwartz, Chief Futures Officer na Salesforce, a partir da enorme quantidade de robôs que vemos hoje e agora com os agentes IA, essa terceira onda de Inteligência Artificial poderá levar essa tecnologia a um novo patamar. Segundo ele, mais e mais ações de IA serão baseadas em informações externas e não apenas no mundo digital (leia a entrevista com Peter Schwartz aqui).
Ao que tudo indica, com a Agentforce empresas passaram de uma atividade de pura análise de dados para a automação de ações com IA. As oportunidades, segundo Marc, são ilimitadas para tornar o trabalho mais divertido, criativo e produtivo.
Nessa linha, Marc destacou a importância de criar experiências memoráveis e conectivas com os clientes, refletindo sobre como a tecnologia pode facilitar essas interações. Marc falou do exemplo da The Walt Disney Company, que já utiliza Salesforce em sua plataforma de atendimento ao cliente, e que agora passará a contar com a Agentforce para que seus agentes IA apresentem as melhores opções de passeios, não apenas baseados no histórico de contatos de seus clientes, mas entendendo como melhorar a experiência dessas pessoas com cada atração do parque.
Capacitar 1 bilhão de agentes até o final de 2025
A Salesforce pretende capacitar 1 bilhão de agentes com o Agentforce até o final de 2025. Sobre a quantidade de treinamento necessária para que os colaboradores se familiarizem com a tecnologia, Marc disse que é “muito pouco”. A maioria dos usuários não precisa ser um especialista em IA, mas sim “especialista na plataforma Salesforce”. “Nosso objetivo é emponderá-los”, diz.
Para os próximos meses a Salesforce irá rodar o mundo apresentando a Agentforce para o mercado. “Estamos muito animados não só pelo que é possível, mas por aquilo que cada empresa irá tornar possível com a Agentforce. Nosso objetivo é simples: capacitar empresas a criarem as melhores experiências e os melhores resultados comerciais para seus clientes”.
Agentforce no Brasil
O lançamento do Agentforce no Brasil está previsto para novembro. O vice-presidente de marketing da Salesforce para América Latina, Daniel Hoe, está animado com a novidade. Ele contou que no Brasil a Agentforce já está em fase de testes com uma grande seguradora. “É surpreendente como os agentes de IA executam tarefas. O potencial com a solução é enorme para as empresas brasileiras”, disse sem revelar maiores detalhes.
Daniel contou como essa nova tecnologia nasceu. “Foi das mãos do cientista chefe da Salesforce, Silvio Savarese. Ele teve essa visão de modelos de IA que faziam coisas, ações. Ele começou a trabalhar nisso com o grupo de pesquisa da Salesforce e criou modelos de linguagem baseados em ação, que chamou de LAM (Large Action Model). Assim, chegamos aos agentes autônomos de IA”.
Os LAMs, utilizam uma estratégia de curadoria de dados conhecida como RAG (Retrieval Augmented Generation). Uma técnica avançada utilizada para melhorar a precisão e confiabilidade dos grandes modelos de linguagem (LLMs) com a recuperação de informações. Plugados a fontes de dados mais confiáveis e atuais, essa tecnologia traz a vantagem de não precisar reprogramar o modelo a cada nova consulta.
Savarese passou quase 11 anos na Universidade de Stanford antes de ingressar na Salesforce em 2021. Em Stanford, ele era professor associado de Ciência da Computação e focava sua pesquisa em robótica, aprendizado de máquina e modelos de linguagem. “O mais interessante com essa história da Agentforce é que veio da ciência para uma aplicação prática”, pontua Daniel.
Na conversa com Daniel fica claro como as novas tecnologias que potencializam a IA e trazem novos recursos para Customer Experience (CX) estão surgindo em ondas de forma muito mais rápida. Isso requer mais contato, investigação e agilidade de quem busca trabalhar com IA hoje. “LAMs são um exemplo de como a tecnologia para IA vem evoluindo rapidamente”, diz Daniel.
O que a IA deveria ser
Umas das frases em destaque durante o evento foi “what AI was meant to be” (em português, o que a IA deveria ser). Essa afirmação poderia muito bem sintetizar não apenas como a Salesforce enxerga a Inteligência Artificial com o lançamento da Agentforce e seu agentes IA, mas a própria trajetória da empresa. Uma companhia que nasceu há 25 anos com foco em criar uma plataforma em nuvem para CRM de fácil uso e implementação e que hoje é parceira da transformação de negócios de seus clientes.
“Espero que estejamos do lado certo da história. Sabemos que estamos lidando com a tecnologia mais vanguardista, mas quantos de nós realmente temos a capacidade de colocar a mão na massa?”, provoca Marc Benoff.
O Dreamforce estabelece que IA não é mais novidade. É preciso agarrá-la agora e ir com tudo. “E podemos ir além de chatbots e copilotos. O agente IA conhecerá seu negócio, raciocinará, planejará e agirá em seu nome”, finaliza o CEO da Salesforce.
Dreamforce e 5 tópicos sobre IA
- IA em todo lugar: cada vez mais veremos a IA sendo utilizada não só para atendimento, marketing ou vendas como na construção de cenários de negócios e, sobretudo, em robótica. Ela fará parte cada vez mais de áreas mais complexas dentro das empresas;
- IA precisa ser confiável: confiança é um dos valores essenciais em nossas vidas. Durante o Dreamforce muito painéis estabeleceram que a segurança e as regulamentações devem ser consideradas desde o início e durante cada etapa de implementação da IA. Isso torna a tecnologia confiável para sociedade, clientes e empresas;
- IA não pode ser complicada: o Dreamforce mostrou que tão, ou mais importante que realizar tarefas, soluções com IA devem ser rápidas, amigáveis, divertidas e fáceis de implementar, mas sem comprometer a confiabilidade;
- IA deve ser adaptável: assim como a tecnologia, os desafios de negócios também evoluem. A IA deve se adaptar rapidamente ao momento de cada companhia. Essa qualidade foi muito discutida no evento como parte indissociável de qualquer projeto com IA no futuro;
- IA e humanos trabalhando juntos: mesmo com agentes IA realizando tarefas complexas, o Dreamforce ressalta o valor da colaboração em IA. O trabalho em conjunto entre inteligência humana e tecnologia é que tornará o futuro com IA ainda mais emocionante (Agentforce é fruto dessa colaboração).
O jornalista Marcelo Brandão viajou a convite da Salesforce para São Francisco.
*Fotos: Dreamforce/Salesforce.