O advogado Danilo Doneda não gosta muito do apelido de “o pai da Lei Geral de Proteção de Dados“, mas é quase inevitável não chamá-lo assim. Parte da sua jornada profissional foi dedicada a estudar e entender a aplicação de uma norma que protegesse os dados pessoais, algo que já acontece na Europa há décadas. Tamanha dedicação não poderia ter outro fim: a sua influência intelectual recaiu sobre os ombros da minuta, que, em um segundo, acabou aprovada com o nome de LGPD.
Doneda, que é especialista em direito digital, emprestou a sua influência e conhecimento para A Era do Diálogo deste ano no painel: “LGPD: mais um caminho para a judicialização?”. E o painel foi imperdível.
LGPD: a origem
Segundo o jurista, a lei de proteção de dados brasileiros tem uma origem diferente de outros países. Na Europa, por exemplo, há países que desenvolveram a norma a partir de um olhar sobre outros direitos, caso do Direito Civil.
No Brasil, o assunto começou a ser discutido dentro do Ministério da Justiça durante da gestão da ex-secretária nacional do consumidor, Juliana Pereira. Danilo trabalhou no órgão e acompanhou os debates sobre o assunto bem de perto.
Primeiro desafio: ensinar o significado da lei
Depois, Doneda falou os desafios da Lei para consumidores, empresas e o poder público é mostrar a importância da norma. E eles não são poucos. Um deles é justamente aumentar a legitimidade da norma na sociedade ou que seja uma norma que o consumidor utilize no cotidiano.
“Temos que aumentar o patamar de legitimidade da lei de proteção de dados, gerando assim a confiança do cidadão, consciência no sentido de que as pessoas vão ter que defender os seus direitos e, caso ele seja prejudicado ou desrespeitado com base na lei, que essa mesma pessoa tenha uma estrutura jurídica opcional para resolver o problema. Se ele for prejudicado, que ele não tenha apenas a saída do Judiciário”, disse.
Outro desafio da LGPD diz respeito às empresas. Muitas ainda não se adaptaram à norma e dificilmente estarão prontas até o início de agosto, quando efetivamente começam as primeiras aplicações de multas. Há ainda um grupo de companhias que “só parece estar pronta”.
“É o que nós, advogados, chamamos de verniz de conduta, no sentido de que existem várias obrigações, várias coisas que uma empresa tem que colocar de pé para estar de acordo com LGPD. Eventualmente, nem tudo vai estar perfeitamente ajustado em um primeiro momento.
Hiperjudicalização
Uma das consequências desse desconhecimento ou preocupante desinteresse das empresas será a judicialização com base na lei, segundo o jurista.
No entanto, a situação pode ser mais grave do que se imagina. Ele afirma que existe o risco do surgimento de um momento único e situação crítica que pode resultar um grande volume de processo, maior que a mera judicialização. É o que ele define como hiperjudicialização.
A história da defesa do consumidor possui diversos exemplos de hiperjudicialização. Uma delas foram as ações que contestaram os cadastros de proteção de crédito. O volume foi grande e o caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu que os cadastros poderiam funcionar, desde que obedecessem aos limites da CDC e de outras leis.
“Existe essa possibilidade (hiperjudicialização), mas eu não estou aqui para tratar de futurologia, muito menos fazer previsões. Eu quero apenas destacar as diferenças bastante relevantes entre a LGPD e as normas consumeristas. Além de vários instrumentos de proteção e de Direito do Consumidor, a LGPD é uma norma que possui instrumentos que vão poder ser utilizados para reconhecer a legitimidade do uso dos dados. Ela permite o uso de dados, mas com regras. Não há o que temer, desde que a lei seja obedecida”, afirma.
Dados abelha
Um ponto destacado por Doneda é o chamado efeito do “dado abelha” na vida das empresas e da Justiça.
Em suma, os dados abelha são informações que só fazem sentido, pelo menos em termos quantitativos, se forem vistos a partir de uma visão coletiva e não a partir de um único titular.
“O que pode acontecer é a utilização de instrumentos de tutela coletiva. Recentemente, em São Paulo, antes da LGPD, foi proposta uma ação civil pública em face contra o administrador da linha 4 do Metrô (o motivo foi a identificação facial sem o consentimento das pessoas). Enfim, talvez, o volume de ações não poderá ser grave, muito embora sempre haverá eventos que possam ser relevantes para várias pessoas”, disse.
Ao final do encontro, Doneda destacou o papel mais importante: a participação de todos, inclusive das empresas no primeiro momento da LGPD.
“Por fim, eu gostaria de chamar atenção para algumas recomendações sobre uma eventual tendência de judicialização. Isso não acontece somente pela má formulação do nosso ordenamento jurídico ou da nossa tradição jurídica. Em grande parte, isso é verdade. Muitas vezes a judicialização acontece em setores que falharam ou demoraram para entender tendências e demandas do Consumidor de titular de dados. É preciso mudar essa mentalidade”.
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