A recente eleição de Donald Trump para presidente dos EUA é carregada de simbolismos. Independentemente do juízo de valor que se possa fazer sobre a sua vitória e as inseguranças e enigmas que dela derivam, o fato é que Donald Trump presidente representa a erupção de um grito há muito reprimido: a insatisfação das classes médias e o desalento das pessoas comuns.
Esse sentimento está presente nos cidadãos americanos que durante décadas fizeram parte de uma indústria inovadora que se especializou em criar bens de consumo de massa que se espalharam pelo globo e moldaram um modo de vida. Essa classe média, digamos, operária, ou mesmo vinculada a serviços básicos, hoje está desencantada e à procura de respostas que os governos em geral não fornecem. O escapismo representado pela retórica niilista, oportunista e eloquente de Trump encontrou eco em cidadãos que não compreendem um mundo no qual o valor intangível do desenvolvimento tecnológico, do estilo de vida digital, da proteção às minorias e da imigração “descontrolada” parecem ter “roubado” o sentido da vida e o conforto material.
Esse sentimento expressa-se em igual intensidade, mas com adaptações mundo afora. A mesma insegurança refletiu-se na surpreendente e inesperada votação dos cidadãos britânicos em favor da retirada do Reino Unido da União Europeia, um caso clássico de esquizofrenia de uma união votar contra outra. O putsch malsucedido na Turquia, a popularidade de Putin, o desalento dos jovens desempregados da Itália e da Espanha, o mau humor dos brasileiros que suportam impacientes a pior recessão da história, todos esses agrupamentos sociais com milhões de pessoas alinham-se em uma única voz, clamando por uma esperança e por respostas. E como esperar respostas diante da ausência de grandes lideranças globais? O mundo hoje é refém de “influenciadores”, celebridades que se fazem e depois se consomem na velocidade digital, mas diante deles e de sua irrelevância, em que encontrar os líderes capazes de oferecer inspiração, ideias e caminhos que reduzam essa sensação de mal-estar?
No caso das empresas, esse sentimento deve ser avaliado com muito cuidado e gerar reflexões intensas e constantes. O grito da média representa e inclui consumidores ressabiados, frustrados e trabalhadores à procura de propósitos. Ausência de lideranças, futuro incerto, queda de renda, medidas amargas, desemprego, caos na saúde, Estados quebrados compõem em painel ideal para soluções escapistas e descoladas da realidade. Como pensar em desenvolver negócios em um cenário como esse?
A resposta pode ser encontrada em uma das áreas mais relevantes e ? incompreensível ? menos olhadas nas corporações: o SAC. Exatamente, o conhecido e quase sempre coadjuvante Serviço de Atendimento ao Cliente tem o poder de ajudar as empresas a entender o estado de espírito, o zeitgeist dos consumidores. O SAC está empenhado em conversar, dialogar, trocar ideias, informações, e absorver sensações, tendências e impressões dos clientes que podem ser extremamente valiosas para moldar estratégias e dotar marcas, produtos e serviços de fundamento, sentido e significado em um mundo aparentemente caótico.
O poder dos SACs, em pleno desenvolvimento desencadeado por novas tecnologias, inteligência artificial, bots, multicanalidade é o de absorver as manifestações dos clientes, criar engajamento, fornecer insumos para que as empresas possam recriar e valorizar suas crenças, valores, princípios para fortalecer vínculos e mesmo conquistar novos patamares de preferência. Eventualmente até redimensionar o desgastado conceito de lealdade.
Mais do que nunca, o exercício de compreender o comportamento dos consumidores, pesquisar os diferentes contextos, tudo o que envolve e cerca aspectos relacionais e transacionais é o fundamento que torna uma empresa mais sintonizada com seus clientes. Não basta realmente endereçar produtos inovadores, serviços impensáveis e até mesmo construir uma Jornada do Cliente pensada meticulosamente. O momento pede que executivos, lideranças e acionistas olhem para o cidadão médio, a pessoa comum e para as suas angústias para estabelecer com elas um relacionamento baseado em confiança, compreensão, tolerância e diálogo franco e transparente. Nossas empresas devem assumir a posição de agentes de transformação, protagonistas de mudança e de um mundo em que a ética do trabalho e da realização individual sejam um valor permanente. Uma resposta decisiva que a política parece longe de compreender e de oferecer.
A base dessa transformação e desse protagonismo pode estar no seu SAC. E é esse SAC que tradicionalmente e incansavelmente homenageamos em Consumidor Moderno. Esta edição que traz o Guia Brasileiro do SAC ? agora oferecido também no formato digital para consulta a qualquer momento e em qualquer dispositivo ? não se digna a apresentar apenas os pontos de contato das empresas disponibilizadas aos seus consumidores. Ela é a demonstração das inúmeras possibilidades que nossas empresas têm para se conectarem com os consumidores e fazerem do grito da média o triunfo da inovação e da força empreendedora.
*Roberto Meir é CEO do Grupo Padrão e Publisher da revista Consumidor Moderno