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GENTE – Talentos escondidos

GENTE – Talentos escondidos

O período de contratação de temporários não é oportuno apenas para os profissionais. Cada vez mais as redes veem no maior volume de pessoal uma oportunidade de encontrar preciosidades

Ricardo Sotero tinha um mês para mostrar que era bom de varejo. Era dezembro de 1992, quando entrou como temporário em uma das poucas lojas da Centauro, em Belo Horizonte, (MG). Tinha 23 anos e estava seguindo uma ambição: a de construir uma carreira em uma empresa em crescimento. Deixou o banco onde trabalhava havia cinco anos porque não via mais perspectivas. E aproveitou o final do ano para (?por que não??) experimentar um setor novo, mas que garantiria a remuneração que Sotero esperava. ?Particularmente, nem me enxergava trabalhando para o varejo, mas vi que estava em uma empresa com um plano audacioso de crescimento. Vi que eu tinha de ficar?, conta. E ele ficou.

Demonstrou em 30 dias que poderia fazer a diferença para a empresa. Não tinha a vaidade de garantir apenas para si algum resultado. Ia além das suas atribuições de vendedor e ajudava a todos.

Chamou a atenção pela paixão que tinha pela marca. E um mês foi o suficiente para iniciar uma trajetória acelerada: foi efetivado, em um ano passou a gerente da mesma loja em que foi contratado como temporário, de 1993 a 1999 assumiu gerências de lojas cada vez maiores e desafiadoras, subiu a gerente regional de Belo Horizonte (tinha a responsabilidade de cuidar de 20 lojas), passou a gerente regional de São Paulo em 2006 e hoje, aos 46 anos, é gerente de vendas e operações da macrorregional Sudeste, que engloba as lojas do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Espírito Santo. Tudo isso por conta de uma primeira impressão. ?Já enxergava ali uma certeza de reconhecimento se eu abraçasse a oportunidade. Não pode entrar com a cabeça de temporário, tem de ter a cabeça de quem vai crescer?, conta Sotero.

Não é somente ele que pensa assim. Já é conhecido que o período de contratação de temporários é propício para profissionais que buscam colocação no mercado. Agora, as redes também começam a ver vantagem na situação e deixam de enxergar os funcionários temporários apenas como mão de obra para suprir uma demanda específica. Elas aproveitam o período com mais pessoal para encontrar pessoas como Sotero ? talentos escondidos, que poderiam ser perdidos passados um, dois ou três meses.

Essa oportunidade nasceu de uma necessidade. Diante de um cenário mais competitivo, com margens mais estranguladas e profissionalização na ordem do dia, os varejistas caminham para uma verdadeira maratona em busca de eficiência. E para isso sabem que precisam de talentos. ?Claro que ainda existem redes que olham o temporário como recurso locado, mas temos visto os mais diversos varejistas começando um trabalho de prestar atenção nesses profissionais?, avalia Dorival Kulicheski, gerente de unidade de negócios do ManpowerGroup Brasil, empresa de recrutamento. ?Isso porque há uma maior preocupação com o atendimento ao consumidor final, que tem profissionalizado ainda mais o perfil dessa contratação?, avalia o especialista.

Ou seja, se o varejo tem elevado a régua para contratar funcionários efetivos, essa mesma medida tem valido para os temporários. É assim no GPA, segundo Maria de Lurdes Kuhn, gerente de RH da companhia. A rede, considerando o multivarejo (bandeiras Extra e Pão de Açúcar), está em processo de efetivar cerca de 40% dos temporários contratados no final do ano passado. A executiva conta que há uma grande estrutura por trás dessas contratações para que elas tenham o perfil das lojas. São parcerias com consultorias em diversas partes do País, planejamento junto às lojas para avaliar a expectativa de quadro, e controle das entradas.

Na Centauro, de varejo esportivo, a descoberta dos talentos só é possível por conta de um processo de recrutamento e seleção único. ?Isso para que a gente possa testar o perfil e a competência do candidato a fim de que ele tenha condições de ser efetivado ao final da sua jornada de temporário?, explica Rafael Miranda, coordenador de recrutamento e seleção do Grupo SBF, que detém a marca Centauro. Ele explica que a unidade do processo dá celeridade às contratações em resposta ao turnover natural do setor. O resultado é um custo menor de treinamento, de pessoal e de tempo. ?Conseguimos otimizar várias situações quando fazemos um processo seletivo completo tanto para efetivo como para temporário?, avalia.

Em 2014, a companhia contratou 2.050 temporários, sendo 350 para o centro de distribuição e o restante para as 240 lojas da rede. Por conta da implantação de novos processos e projetos, a varejista aumentou a quantidade de efetivações, que chegam a 87% das vagas temporárias. O perfil desses contratados é bem claro: facilidade em lidar com pessoas e amor ao esporte. Ainda assim, Miranda diz que é comum ainda encontrar pessoal com perfil desejado pela rede, mas interessado apenas em trabalhar como temporário. No entanto, o foco tem sido mesmo aproveitar a época para aperfeiçoar o quadro. ?Nosso objetivo não é somente preencher uma demanda temporária, mas contratar o melhor profissional dentro do quadro que a gente tem?, afirma.

A preocupação é tamanha que mesmo quando não há vagas, para não ocorrer desperdício de talentos, há uma realocação desse ativo, que fica em um banco de talentos e é contratado tão logo surja uma oportunidade ? o que não passa de um mês para acontecer, garante Miranda. ?É rápido por conta do turnover natural. Além disso, se a pessoa trabalhou como temporário em um shopping, mas em uma região em que há mais lojas, ela não fica limitada àquela loja. Onde tiver a vaga, direcionamos?, explica.

LAURY ROMAN, DA OFNER

Processo de seleção unificado facilita identificação dos melhores valores para a rede

Liderança atenta

Mesmo com uma seleção apurada, nada teria sentido não fosse o olhar dos gestores das lojas. ?O perfil do funcionário no varejo, em geral, tem mudado. O ideal é que o departamento de recursos humanos, juntamente com os gestores de loja, tenha um ?olhar? para esse perfil e saiba aproveitá-lo?, avalia Maria de Lurdes, do GPA. São eles que, no fim, enxergam o funcionário no dia a dia. ?Os líderes do varejo têm de ter o olho voltado para esses colaboradores. É uma questão de disciplina, porque final de ano é um período com muito movimento, e esse líder tem de estar atento e treinado para identificar novos talentos para a rede?, avalia Kulicheski.

É a liderança da loja que dá o aval das contratações e as justificativas das dispensas na Centauro. E são várias vozes. Há o gerente principal, o supervisor de vendas e o de autosserviço, além do gestor de estoque. Todos dão seus pitacos. ?Com toda essa liderança dentro da loja, ficou muito mais fácil identificar os talentos, até por conta do acompanhamento no dia a dia de cada profissional?, afirma Miranda. Com tantos olhos, quem apresenta bons resultados é visto. Segundo Kulicheski, reuniões constantes com a equipe, conversas diretas com o colaborador e o desempenho do profissional ajudam a mensurar o interesse do temporário em continuar. Contam a disposição em fazer a diferença não apenas no próprio salário, mas para a operação. O interesse em tudo o que acontece na rede também sinaliza ao líder que o funcionário pode ter algo a mais.

Na Ofner, rede de chocolates com 23 lojas em São Paulo, foram contratados 240 temporários no final do ano passado. E espera-se que 5% deles sejam efetivados em 2015 e outros tantos continuem como temporários até a Páscoa, com uma parada de cerca de um mês no meio do caminho. Na rede, a ideia é a mesma: aproveitar a demanda para encontrar talentos. ?Quantidade sempre tem, o problema é qualidade. Existe uma dificuldade para encontrar talento, mas isso é o ano todo?, avalia Laury Roman, diretor comercial da marca. Dessa forma, momentos como Natal e Páscoa são propícios para conferir mais qualidade ao quadro de funcionários. Cada área conta com um supervisor que acompanha o pessoal. ?Em geral, são dois meses de trabalho temporário ? tempo suficiente para cada departamento avaliar o desempenho e as características da pessoa de acordo com as necessidades do setor?, afirma o executivo.

Nas lojas, a decisão do gerente é soberana, bem como a responsabilidade de avaliar cada profissional. Um intercâmbio entre as unidades evita que gente boa vá embora. ?O supervisor da rede tem essa função de recolher essas informações sobre esses talentos e distribuir entre as lojas. Isso acontece muito?, diz o executivo. Da mesma forma como acontece em outras marcas, o processo de seleção é único para efetivos e temporários. A vantagem, diz Roman, é que o temporário, ao ser efetivado, já está avaliado e treinado, com todo o conhecimento de processos e estrutura na cabeça.
Exatamente por isso que Maisa Michele de Almeida Linhares, de 22 anos, sentiu-se à vontade em continuar trabalhando para a rede, após três meses como temporária. Ela entrou como promotora de vendas em uma das lojas da marca em setembro do ano passado e foi efetivada. Antes mesmo de começar, já tinha na cabeça que era ali que ficaria. ?Conheci a rede quando fui chamada para fazer entrevista e pesquisei pela internet. Já pensei que seria bom se fosse efetivada, mas isso se confirmou no dia a dia?, conta. Como nunca tinha trabalhado em loja, Maisa se surpreendeu com o que conseguiu aprender em pouco tempo. ?Aprendi a lidar com diferentes perfis de pessoas, a ser mais paciente e consegui me soltar mais, me expressar melhor?, conta. Agora, ela tem planos de estudar outros idiomas para continuar crescendo na empresa.
Ela é uma das centenas de temporários que entram pensando em ficar. E para Roman esse é o primeiro fator para transformar um temporário em um talento fixo na companhia.  ?Ainda existem aqueles que não querem ser contratados, mas eles dificilmente entram na empresa, porque a primeira característica é querer ser funcionário da organização?, afirma. Caminhando por essa rota, é possível que o varejo contrate cada vez menos temporários por já ter no quadro talentos produtivos o suficiente para dar conta do recado? Kulicheski duvida. Para o especialista, demandas de consumo são difíceis de serem medidas. E sempre haverá momentos em que as lojas precisarão de mais ou menos gente. No fim, a conta será difícil de fechar.
Além disso, é por meio do trabalho temporário que muita gente passa a conhecer o varejo e encará-lo como setor no qual é possível construir uma trajetória, como fez Sotero, executivo da Centauro, que encontrou por meio de uma oportunidade temporária o desafio que tanto queria. E conseguiu transformar um mês de trabalho em 22 anos de carreira sólida.

Black Friday antecipa contratações

O dia que nasceu no comércio eletrônico norte-americano chegou ao Brasil, se estendeu para uma semana e agora atinge as lojas físicas está mudando o calendário de contratações do varejo. Segundo indicador da SBVC (Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo) em parceria com a Virtual Gate, durante a Black Friday o fluxo de pessoas em lojas físicas cresceu 46%, na comparação com a data de 2013. Diante da  média das três sextas-feiras anteriores, o fluxo na sexta de descontos foi 112% maior. Por conta dessa demanda, não são raros os casos em que as redes antecipam as contratações temporárias para novembro para aproveitar o fluxo maior e convertê-lo em vendas. ?Sem dúvida é uma tendência que exige preparação já em meados de setembro para melhor atender às demandas das lojas e continuar fornecendo um serviço de qualidade aos nossos clientes?, afirma Maria de Lurdes Kuhn, gerente de RH do GPA. ?As contratações de lojas acontecem no início de novembro justamente para que, sim, a gente aproveite a data com o Natal. É uma maneira de aproveitar os dois momentos?, avalia Rafael Miranda, coordenador de recrutamento e seleção do Grupo SBF, que detém a marca Centauro.

Apesar da preocupação de algumas marcas, essa antecipação ainda não é massiva no setor, avalia Dorival Kulicheski, gerente de unidade de negócios do ManpowerGroup Brasil. ?Ainda não vemos um impacto. A data ainda não antecipa, de maneira geral, essas contratações, mesmo porque o que vemos hoje são operações cada vez mais enxutas?, avalia.

Como encontrar talentos no mar de temporários

 

Faça uma seleção única: não adianta ter pressa. Contratar temporário deve exigir o mesmo esforço e os mesmos critérios de seleção que um efetivo. Ao fazer isso, a rede poupa trabalho e custos de reavaliar o temporário antes de efetivá-lo; e ainda contrata um perfil de funcionário que pode ser cultivado na rede.

Treine a gestão:  nas lojas, é imperativo que gerente e supervisores estejam treinados para identificar gente boa. Eles precisam saber de quais competências a loja precisa, o perfil para a rede e o que faz um temporário um talento. Tem de treinar o olho.

Fique de olhos bem abertos: mesmo em tempos de grande movimento nas lojas, a liderança precisa estar atenta aos movimentos de cada temporário, como ele se comporta com colegas, clientes e com os próprios líderes.

Acompanhe os números: ver diariamente o desempenho em vendas desses funcionários dá à liderança subsídios para a avaliação.

Esteja por perto: veja qual é o grau de comprometimento do temporário. Quanto mais perguntas ele fizer e dúvidas ele tiver, melhor ? mostra que quer aprender e ficar.

Converse com os funcionários antigos:  perguntar para os trabalhadores mais antigos e de mais confiança do quadro da loja o que eles acham das pessoas novas é sempre válido. Mas o faça com todos os filtros que o líder precisa ter. E cuidado para não transformar essa análise em fofoca!

Fale com o temporário:  ao fim, sempre mantenha um diálogo aberto com os temporários. É em muitas conversas informais que o perfil de cada um se revela, bem como o interesse pela marca.

 

 

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