Ainda é prematuro afirmar quais serão as mudanças na vida do consumidor a partir da lei do superendividamento. Por ora, o que existe são hipóteses e algumas baseadas no atual momento da oferta de crédito. E o que temos hoje mostra o tamanho do desafio que teremos pela frente.
Em suma, esse foi o resumo do bate-papo entre os painelistas do último painel do Simpósio do Superendividamento. Jacques Meir, diretor-executivo de conhecimento do Grupo Padrão e mediador do encontro, destacou a cultura do endividamento que faz parte do cotidiano do brasileiro desde o Plano real, em 1994.
“Somos um pais viciado em dívida. Há dívida no setor público, empresas se endividam, há consumidores com débito. Parece que a gente adora defender a tese de ‘quem não deve, não tem’. Carecemos de uma certa maturidade e a educação financeira passa a ser um tema muito importante”, afirma.
Rogerio Taltassori, ouvidor do Itaú Unibanco, destacou que a imensa maioria dos seus consumidores são pessoas que tomaram o crédito, cumpriram o contrato e realizaram os seus sonhos ou objetivos. “Temos que buscar por um número cada vez maior de pessoas que cumprem os seus contratos. No entanto, claro, é natural que exista um percentual que busque a repactuação. Somente no ano, por causa da pandemia, nós renegociamos mais de 1,8 milhão de contratos pessoa física. Nós observamos o fenômeno do superendividamento e estamos preocupados”, afirma.
Claudia Silvano, diretora do Procon Paraná, afirma que o órgão de defesa do consumidor vem observando há algum tempo o fenômeno do superendividamento. Uma das coisas que o órgão notou é a incidência de um que o processo de negociação que, no fim, torna-se o fechamento de outro negócio. E isso não seria saudável.
“Eu vejo que não podemos permitir a continuidade de uma prática onde o consumidor endividado ou superendividado, numa negociação hoje com um banco, é visto como alguém fazendo um novo negócio. Esse é o ponto fundamental. Desse jeito, eu não tiro o cara da roda-viva da divida”, afirma.
Informação
Para os painelistas, a informação (ou a falta dela) oferecida ao consumidor ainda é um desafio para o setor financeiro. Há ainda a tal da letra miúda, termos incompreensíveis, calculo de juros que muitos não entendem, entre outros assuntos. Felizmente, tivemos avanços importante no aprimoramento dessa informação nos últimos anos.
Um exemplo é uma tecnologia presente no Itaú que permite prever o superendividamento do consumidor e, assim, avisar o cliente sobre a possibilidade dele ficar totalmente atolado em dívidas. “A gente vem fazendo intervenções com esse cliente, emitindo alertas, oferecendo acomodações ou troca de uma dívida e até postergar o pagamento. Mas essa comunicação não é fácil. As pessoas normalmente não gostam dessa abordagem, pois entendem que isso é uma cobrança. Não é. O nosso desafio é achar a comunicação certa para que o cliente não entenda isso como cobrança”, afirma.
Correspondentes bancários
Outro assunto que preocupa Claudia e o Procon Paraná é a parceria dos bancos com os chamados correspondentes bancários ou lojas que oferecem o crédito no lugar do banco. Segundo ela, grande parte dos problemas se originam nesses estabelecimento.
“Hoje eu posso tomar o crédito em uma loja na esquina do Procon, que oferece o serviço com alguma facilidade. Isso é um problema. Eu não tenho dúvida que exista a preocupação dos bancos sobre o tema da educação financeira, mas eu duvido que esse nível de cuidado alcance esses parceiros. Honestamente, pelo o que vimos, nem sempre é passada a informação sobre todos os riscos de fazer aquele negócio. É um desafio”, afirma.
Sobre a parceria com os correspondentes bancários, Taltassori reconhece a influência nem sempre positivo dos parceiros, mas afirma que o banco conseguiu contornar essa questão. O banco adotou uma série de medidas que ajudem o consumidor a refletir sobre a contratação do crédito. Hoje, o ouvidor, o cliente faz o primeiro contato com o correspondente, porém a confirmação da contratação é efetivada após um contato do banco com todas as informações com a contratação.
“Mesmo que ele tenha uma abordagem não completa ou inadequada, a gente tenta se cercar de outras formas de comunicação nesse momento. Se ele não fizer a confirmação por outro canal, aquela operação é cancelada, mesmo que ela tenha sido gerada pelo correspondente bancário”, explica.
Tecnologias para renegociações
Um fenômeno importante e desejável é a onda de ideias e tecnologias que podem surgir a partir da lei do superendividamento. Empresas como a Flex, empresa de business process outsourcing (BPO) se debruçam para aprimorar o processo de renegociação de dívida.
Fabrizio Torres, diretor de Operações de Cobrança da Flex, empresa de business process outsourcing (BPO), afirma que as primeiras reuniões internas sobre o tema aconteceu logo após a aprovação da lei do superendividamento.
“Após a aprovação, tivemos contatos de alguns clientes pedindo ajuda com a lei do superendividamento. Muitos relataram que já surgiram os primeiros pedidos de negociação. A nossa proposta foi fazer uma mesa negociadora antes de ir para o judiciário, que anda sobrecarregado”, explica.
O diretor da Flex acredita que muitas mesas de negociações serão criadas pela iniciativa privada e serão conduzidas por mediadores aceitos pelo consumidor e pelos diferentes mercados credores. O motivo tem como base uma afirmação de Cláudia: os Procons ainda não estão preparados e muitos sequer possuem condições de realizar a grande demanda que a norma vai criar.
“Meu ponto de atenção é: como todo o mercado vai se preparar para essa mesa de negociação e entender os limites da negociação impostos pela lei. É um assunto quente e não sabemos como o mercado vai se adequar a esse processo”, afirma.
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