Há alguns meses venho notando um aumento da demanda por projetos sobre melhoria de processos nas empresas, que otimize a solução de problemas de forma colaborativa. Diante disso, comecei a achar que talvez existisse um problema na maneira como resolvemos problemas.
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Para não ficar só no talvez, resolvi fazer uma pesquisa, entre os meses de setembro e outubro de 2020, envolvendo as maiores agências de publicidade do Brasil. CEOs, diretores de planejamento, atendimento e criação responderam colocando sua experiência para identificar dores e frustrações. Mas por que agências? A intenção foi a de entender o ponto de vista do outro – de quem ajuda as empresas a resolverem seus problemas de comunicação todos os dias. E, ao mesmo tempo, de considerar perfis criativos, necessários para a resolução de problemas, cada vez mais complexos.
Para a grande maioria, 63,7%, o nível de produtividade das reuniões e dos processos é abaixo do esperado (entre ruim e razoável). Entre os principais problemas, a falta de comunicação interna lidera como a grande vilã – citada por 45,4% dos participantes. Na sequência, com 18,2% das respostas, está o medo de errar, de perder o emprego. E ainda, citada por 9,1% da amostra, a falta de processos mais organizados, e a falta de autonomia de decisão (vide gráfico a seguir).
Quando analisei as respostas em mais profundidade, descobri que as respostas estavam unidas por um fator em comum: criamos processos sem entender de gente. Mais que isso, criamos processos para nos proteger das pessoas.
O que é a burocracia senão um conjunto de alavancas que buscam formas de comprovação e de duplicação de tarefas?
O que são hierarquias senão formas de comando e controle que buscam estabelecer relações de autoridade? Um sistema de mando e subordinação foi criado supondo que, assim, os processos seriam mais fluidos, mais respeitados e, portanto, mais produtivos. Só que uma questão importante foi esquecida: que somos pessoas, não robôs ainda. E que a autoridade espanta a espontaneidade, ajudando a construir relações de subserviência que levam ao consenso, ao óbvio, à previsibilidade que mata a criatividade.
Para entender melhor esse ponto, faço uma analogia com a natureza. Na palestra no Festival de Inovação Whow 2020, explico como a floresta é uma cultura, repleta de diferentes espécies e mecanismos próprios. Há muitos anos vivendo na Bahia, o suíço Ernest Götsch introduziu a prática da agricultura sintrópica, conseguindo transformar o solo degradado da sua fazendo em um lugar com espécies diversas e exuberantes. Ele simplesmente respeitou a cultura. Primeiro, procurou entender como a floresta funcionava e, ao entendê-la, criou mecanismos que colocaram a produção de alimentos para funcionar na engrenagem do planeta. O resultado não foi apenas abundância, mas a transformação de uma área de proteção permanente das pessoas, em uma área de inclusão permanente.
Assim como o Ernest, temos que conhecer como as pessoas funcionam para criar processos que colocam a solução de problemas para funcionar na engrenagem da cultura – promovendo a inclusão das pessoas. Para fazer isso, temos que repensar nossos paradigmas e nossas crenças. Entender que a cultura corporativa se sustenta nos mesmos pilares da cultura da floresta: a partir da variedade de estilos e espécies, da diferenciação e da espontaneidade.
Olhando para os processos atuais, vemos que eles matam a diversidade e a espontaneidade, focando na individualidade ao invés de buscar inspiração no coletivo.
Cada organização é uma cultura particular, composta por pessoas que a reafirmam diariamente, estabelecendo as regras, valores e formas de comunicação entre elas. E, por isso, é fundamental conhecer como as pessoas funcionam e, só a partir daí, criar processos que aproveitem as forças invisíveis que existem em nosso modelo mental, usando-as a favor da produtividade e da criatividade.
Na palestra, explico cada uma dessas forças invisíveis, a partir das descobertas da economia comportamental, a fim de exemplificar os motivos pelos quais a maneira como resolvemos problemas é realmente um problema. Mas, indo além, também mostro como podemos criar alavancas para transformar os processos em mecanismos mais fluidos e eficientes, incorporando os princípios de jogos na transformação dos processos. A cada passo, o que se busca é colocar a favor cada força invisível que carregamos dentro e que, muitas vezes as empresas as reforçam para o negativo, tais como: o imediatismo, o medo de errar, o consenso, o automatismo e o egoísmo. Ao entender suas origens, podemos criar dinâmicas para que esses mesmos impulsos funcionem a favor, produzindo melhores soluções aos problemas a resolver.
Além dos princípios dos jogos, há um outro elemento importante nessa jornada: o conceito por trás dos jogos finitos e infinitos e, como a combinação entre eles pode ser benéfica para criar uma cultura com um horizonte claro.
Em uma empresa, um jogo finito pode ser considerado uma das etapas de um processo de resolução de problema. Cada etapa tem um começo e um fim, com objetivos claros e um resultado esperado. Assim como o ciclo da natureza: a colheita não é o fim da horta, somente uma etapa dela. A horta não morre no inverno, mas se prepara silenciosamente para outra estação.
Assim como a horta, as etapas finitas, fazem parte de uma jornada mais longa, que segue uma visão a longo prazo de onde a empresa deseja ir. Como diz o autor da teoria dos jogos finitos e infinitos, James P. Carse: “O jogo finito é jogado com o objetivo de vencer, e o jogo infinito com o propósito de seguir jogando.”
O objetivo de qualquer cultura é seguir existindo, não morrer. Quanto mais a consciência infinita existe na cultura, mais se cria um ambiente aberto a surpresas, com flexibilidade para sair de um roteiro definido (finito), uma vez que há uma claridade sobre o horizonte no qual se deseja seguir (infinito). É assim que conseguiremos celebrar a espontaneidade, a criatividade e a diversidade para chegar nas melhores e mais relevantes soluções.
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*Por Graziela Di Giorgi, CGO e diretora Brasil da SCOPEN.
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