No Brasil, a rede de saúde suplementar presta serviços para mais de 50 milhões de clientes. Ao mesmo tempo, mais de 30 milhões têm planos odontológicos. Por ano, estima-se um impacto de R$ 28 bilhões com fraudes na saúde e desperdícios relacionados a isso, de acordo com dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Esse cenário, que já era crítico, tornou-se ainda mais complexo após a pandemia, de acordo com a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa grandes operadoras de planos de saúde do país.
Não por acaso, a FenaSaúde lançou no Dia Mundial do Consumidor, uma campanha que convoca o consumidor a colaborar com o combate às fraudes no sistema de saúde. Para a divulgação dessa causa e a disseminação de informações fundamentais para o consumidor, a Consumidor Moderno realizou o webinar “O Golpe tá aí: Como não ser vítima das fraudes na saúde?”, que contou com a participação da Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde; Rodrigo Fragoso, advogado criminalista; e Angélica Carlini, advogada e professora da UNIP. No encontro foram discutidos os principais golpes que as operadoras de saúde vêm sofrendo, com cada vez mais intensidade, e as consequências deles.
Nesse contexto, a FenaSaúde lançou o portal saudesemfraude.com.br, que tem por objetivo levar informação para o consumidor. Na plataforma, as pessoas vão poder saber mais sobre os principais tipos de fraudes, através de vídeos e cartilhas, por exemplo. O site também vai funcionar como um canal de denúncia. A FenaSaúde tem organizado várias iniciativas de combate a quadrilhas, que vão desde notícias crime até a disseminação do conhecimento necessário ao consumidor, para deixar claro o que é ou não correto.
Como destacou Vera Valente, há uma escalada das fraudes e o primeiro caminho que a FenaSaúde está assumindo é o de investigar e buscar punições disciplinares para situações extremas – por exemplo, empresas de fachada, que nem sequer têm funcionários, criadas para fraudar os planos de saúde.
“Nosso objetivo é convocar o consumidor para ser nosso aliado nesse combate, nessa campanha. Para que ele fique consciente da sua responsabilidade no uso adequado e racional dos planos de saúde. Se o sistema suplementar continuar sendo fraudado desse jeito, usado dessa forma irregular, muitos planos podem não se sustentar e, na hora em que o usuário precisar, o serviço pode faltar”, alerta a diretora-executiva.
As fraudes que mais vem chamando a atenção e que ocorrem com frequência estão relacionadas ao reembolso e a “esquemas” que lançam procedimentos não cobertos pelos planos, com códigos de serviços incluídos em contrato. Foram destacadas três dinâmicas, em todas elas há a possibilidade do consumidor estar sendo envolvido em práticas ilegais, sem nem ter ciência da irregularidade. São elas:
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- Fracionamento de Recibo, em que uma consulta ou procedimento é transformado em dois, fracionando o pagamento e fraudando o valor a ser reembolsado;
- Reembolso sem desembolso: quando o paciente não paga pelo procedimento na hora com a promessa de que a clínica, ou o médico, vai conseguir o reembolso direto com o plano;
- Alterações nos códigos, onde procedimentos não cobertos pelo plano são feitos e lançados como procedimentos incluídos na cobertura.
Angélica reconhece que muitas vezes os contratos com os planos de saúde são complexos e, quando são associados a uma empresa, pode ser mais difícil para o consumidor saber os detalhes das regras vigentes. Por isso, ela defende que, em caso de dúvidas e suspeitas, o melhor caminho é recorrer ao Serviço de Atendimento ao Cliente (SAC). A professora lembra ainda que as operadoras de saúde precisam, obrigatoriamente, oferecer um serviço de atendimento gratuito, 24 horas por dia, 7 dias na semana, 365 dias por ano para os usuários.
As consequências das fraudes na saúde
Além disso, ela afirma que apesar de, muitas vezes, parecer que essas práticas atingem unicamente as operadoras dos planos de saúde, os consumidores são os que mais pagam pelas fraudes. Ela explica que a saúde suplementar funciona quase como um consórcio. Todos os usuários depositam um valor mensal que vai para um fundo de onde sairão os recursos para pagar as despesas assistenciais. Segundo Angélica, é isso que resume a “matemática fascinante” de uma pessoa pagar em um ano 30 mil reais por um plano e, um dia, precisar de um procedimento que custa R$ 100 mil e ter esse serviço coberto.
Olhando sob essa perspectiva, a primeira consequência para o consumidor, citada por Vera Valente é que o dinheiro “perdido” pelos planos em operações fraudulentas vai ser cobrado de todos através dos reajustes. “O reajuste reflete o custo assistencial. Se esse custo assistencial está crescendo – não por procedimentos de saúde devidos e sim por coisas indevidas -, o seu bolso está sendo impactado”, reforça a diretora executiva da FenaSaúde.
O advogado Rodrigo Fragoso vai além e lembra que os consumidores podem ser responsabilizados legalmente pela prática ou conivência com os golpes. No caso, por exemplo, do fracionamento do recibo – simular que passou por duas consultas e não uma só -, nada mais é do que apresentar um documento falso para a operadora do plano. “Isso é uma prática que pode ser enquadrada no crime de estelionato, previsto no código penal. Para o consumidor, isso pode significar responder a um inquérito judicial ou até a uma ação penal, deixar de ser réu primário ou ser condenado a pagar indenização. Ou seja, ele ficará marcado para sempre por esse episódio”, diz.
Além das consequências penais ou trabalhistas, há outro ponto relevante: o vazamento de dados pessoais. Segundo Rodrigo, em situações de pagamento de “reembolso sem desembolso”, geralmente a clínica pede aos consumidores os dados da carteirinha, login e senha do app do plano. Há casos, de acordo com o advogado, em que os golpistas usam os dados pessoais dos usuários para abrir contas em banco, alterar a conta destino do reembolso e até mesmo vazam dados para terceiros.
Angélica Carlini alerta que os consumidores devem sempre desconfiar de comportamentos que não são usuais. Ela enfatiza que “não existe almoço grátis”: “Onde é que você esteve em algum lugar como consumidor, para ter um serviço ou produto, e alguém disse: não se preocupe com o pagamento, me dê aqui os seus dados, eu farei o reembolso. Não acontece. Se isso aconteceu, tem alguém levando vantagem e não é você”.
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