Na última semana em Glasgow, maior cidade da Escócia, pais e crianças aguardavam ansiosamente por uma experiência imersiva inspirada no universo do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, baseada na obra de Road Dahl. Intitulada “Willy’s Chocolate Experience”, ou “Experiência de Chocolate do Willy”, o evento foi vendido pelo valor de 45 libras – ou cerca de R$ 282 na cotação atual – por pessoa. Além disso, tinha uma temporada curtíssima, em cartaz apenas nos dias 24 e 25 de fevereiro, com duração entre 45 minutos e uma hora.
As imagens de divulgação do evento mostravam um corredor no qual visitantes poderiam caminhar cercados por pirulitos gigantes, doces, flores e luzes que lembram as galáxias e o céu noturno. Além disso, o site da experiência descreve os diferentes espaços presentes na imersão: um jardim encantado no qual seria possível colecionar jujubas coloridas, o laboratório da imaginação, onde são realizadas projeções e exibições extraordinárias, e o túnel do crepúsculo, com sons e imagens enigmáticas.
Chegado o grande dia, os visitantes foram surpreendidos de uma forma decepcionante e enfurecedor. O grande galpão da Box Hub Warehouse não contava com doces gigantes, iluminação de outro mundo ou músicas que tornassem a experiência minimamente imersiva. Um poster cobria menos que meia parede para que os visitantes pudessem tirar fotos. Estátuas de cogumelos, pirulitos e barras de chocolate até podiam ser encontradas, mas sem o exagero esperado da fábrica de Willy Wonka.
O tal do laboratório não passava de uma mesa com alguns equipamentos científicos operados por uma pessoa fantasiada de Oompa Loompa. Em vez da caçada às jujubas, as crianças receberam apenas dois dos doces em formato de feijão cada e um copo de limonada. Para piorar, um ator fantasiado como Willy Wonka revelava um outro personagem assustador que fez com que várias crianças chorassem.
Experiências e fiascos
A experiência nada imersiva deixou visitantes indignados pela farsa. Depois que o caso veio à tona, notou-se que as imagens de divulgação criadas para o site do evento foram criadas por ferramentas de Inteligência Artificial (IA) generativa. Por mais que a tecnologia possa ter colaborado para que o processo de criação da experiência falsa fosse mais rápido, não é a primeira vez que uma cilada é divulgada como um espetáculo.
É o caso do Fyre Fest, um festival de música nas Bahamas que prometia hospedagens de luxo, festas exclusivas em jatos particulares, menus preparados por chefs celebridades e apresentações com grandes artistas globais, como Blink-182, Major Lazer e Disclosure. Os ingressos custavam entre US$ 450 e US$ 12 mil. No entanto, ao chegarem no local, os frequentadores do festival descobriram que a praia localizada em uma ilha privativa, na verdade, sediava um resort. O menu consistia em lanches mal preparados e pouco apetitosos. Os artistas confirmados não apareceram.
Já no Brasil, em 2022, a UCCONX (Universal Creators Conference Experience) prometia ser o maior evento de cultura pop da América Latina. Contaria com painéis com grandes atores do momento, como Millie Bobby Brown, atriz da série Stranger Things, e George Takei, ator da série original Star Trek. Os ingressos custavam entre R$ 125 e R$ 5 mil, para pacotes que incluíam conhecer os artistas convidados.
No entanto, além de diversos participantes de peso cancelarem suas presenças, vários espaços do evento se encontravam vazios. Além disso, a Artists Alley, local que tradicionalmente em feiras geek e de cultura pop é ocupado por artistas independentes para divulgarem e venderem suas criações, estava vazia. O resultado é que não havia muito o que fazer na conferência.
Fazer do limão uma limonada
Em seu perfil no TikTok, o ator Paul Connell – que representou o personagem Willy Wonka – contou sobre sua experiência com os organizadores do evento. Ele conta que foi contratado poucos dias antes do dia do evento, e recebeu um script de 15 páginas escrito por Inteligência Artificial com textos que não faziam sentido. Assim, precisou modificar falas e ações para um formato coerente.
“Não havia chocolate nessa fábrica de chocolate”, conta Connell no vídeo. “Em vez disso, eles [os organizadores] deram uma única jujuba e um quarto de copo de limonada. Nós, atores, nos reunimos e entendemos que dificilmente seríamos pagos pelo trabalho. Decidimos ficar e dar o nosso melhor para que as crianças tivessem uma boa experiência”.
*Foto: Captura de tela do site do evento “Willy’s Chocolate Experience”.